Ficção 2006-2014
- Michele Costa
- 11 de ago.
- 4 min de leitura
Não é preciso mergulhar profundamente na obra de Alejandro Zambra para sentir o impacto de suas palavras. Pelo contrário: basta um único poema para perceber que o escritor é um dos nomes mais representativos da literatura chilena do pós-Pinochet. Zambra parte de situações aparentemente banais do cotidiano, mas nelas insere camadas de política, memória, relacionamentos e perdas, penetrando o leitor de forma silenciosa e definitiva, transformando-o para sempre.
Ficção 2006-2014 (Companhia das Letras, 2021) reúne toda a produção ficcional de Zambra nesse período, além de histórias dispersas publicadas em revistas, jornais e antologias. É, assim, um convite generoso para novos leitores e uma oportunidade de reencontro para os já iniciados.
Alguns críticos apontam que a literatura do escritor chileno nasce da percepção de como a ficção pode entrar na vida das pessoas sem que elas se deem conta. Concordo. Ao falar de pessoas, fantasmas, lembranças e vínculos — amorosos ou não —, Zambra nos aproxima de nós mesmos porque escreve sobre a própria vida. Nos enxergamos em seus livros. Mas ele vai além: sonha, e nos convida a sonhar junto, agarrando nossas próprias esperanças.
"A gente acaba apagando todo mundo, a vida consiste em conhecer pessoas a quem primeiro amamos e depois apagamos, mas não se pode apagar os filhos, não se pode apagar os pais. Sei que você tentou me apagar, mas não conseguiu. Sei que, para você, eu tenho existido demasiadamente. Que também tenho existido por ausência. Quando não estava com você, quando passava semanas sem te ver, aquele ano em que fiquei fora do Chile, por exemplo: mesmo nesse ano eu existia demasiadamente, porque eu não estava presente, mas minha ausência, sim. Por isso acho que é meu dever te dizer que também tentei te apagar: todos os pais fantasiam com uma vida irresponsável, de juventude eterna, de súbitos heroísmos. É a deformação de algo que se falava antigamente, tentando dar à frase certa densidade filosófica: para que colocar um filho neste mundo de merda?"
Leia também:

Ficção 2006-2014: cinco livros em um
Bonsai (2006)
De forma simplista, Alejandro Zambra narra a história de um amor, de Julio e Emilia, e o fim dessa relação. Apesar de ser breve, a obra carrega uma densidade emocional notável, relatando, desde o início, o fim dos estudantes de Letras utilizando a planta como metáfora.
A Vida Privada das Árvores (2017)
Em A Vida Privada das Árvores (2007), Zambra expande o olhar íntimo, explorando a passagem do tempo e a tensão do cotidiano através de uma narrativa construída na expectativa: o personagem Julián aguarda o retorno de sua esposa, enquanto conta histórias para a enteada. O romance se desenrola na suspensão, e é nessa demora que o autor aprofunda os vínculos familiares, as fragilidades e o peso do silêncio.
Formas de Voltar Para Casa (2011)
A obra inicia um novo modelo de escrita do chileno, pois equilibra relato pessoal e memória política. Ao recuperar lembranças da infância durante a ditadura de Pinochet (1973 - 1990), o autor cria um texto que dialoga com o trauma coletivo, mas sem cair na retórica histórica. O romance se constrói como um jogo de espelhos entre a voz do narrador e a de seus personagens, explorando a distância entre quem viveu diretamente os eventos e quem os observa de forma lateral.
Múltipla Escolha (2014)
Construída no formato de testes padronizados — lembrança da educação chilena sob a ditadura — para discutir temas como memória, afeto e identidade, a obra convida o leitor a participar da história escolhendo percursos e interpretações. É um livro de ironia afiada, que questiona tanto os mecanismos de ensino quanto às formas tradicionais de contar histórias.
Meus Documentos (2015)
Podendo ser lido como um romance, ou como onze novelas arquivadas em uma pasta do computador, Meus Documentos (2015) escreve sobre uma incessante busca pelo pai, a obsolescência de objetos e de sentimentos que pareciam eternos, o desencanto dos jovens da geração de transição chilena, a impostura como única forma de criar raízes e a legitimidade da dor, com humor e melancolia, alento lírico e às vezes com raiva. "Eu fumava muito bem", "Longa distância" e "O homem mais chileno do mundo" são os melhores textos.
"Hoje, em determinado momento, tive a seguinte sensação: um alívio órfão. E aceitei que isso é realmente verdade, que tudo é infinitamente mais sem graça. A literatura, sem dúvida. E a vida, sobretudo."
Os contos misturam os diversos modelos que Zambra desenvolveu para narrar histórias emocionantes, engraçadas, nostálgicas e impactantes. "O Ciclope" e "O amor depois do amor" se destacam nesta parte.
Ficção 2006-2014 não é apenas uma reunião de textos, mas um retrato coeso da trajetória de um escritor que, a cada livro, se reinventa sem perder a voz. A facilidade com que Zambra transita entre formatos e registros é também a chave para a força de sua literatura: ele escreve para que o leitor se reconheça — e, nesse reconhecimento, descubra novas formas de olhar para si mesmo e para o mundo.
Comments