Johnny Panic e a bíblia de sonhos
- Michele Costa
- 12 de mar.
- 3 min de leitura
Quinze anos atrás, quando era adolescente, escrevi em meu diário: "ler Sylvia Plath é se afogar em ondas gigantescas. Está difícil sair (mas extremamente conhecedor)." Não sei se continuo me afogando em seus escritos, porém, sigo me surpreendendo com a potência da escritora, principalmente em Johnny Panic e a bíblia de sonhos (Biblioteca Azul, 2020) que traz contos, textos jornalísticos e trechos de seus diários.
O mundo plathiano foi desenvolvido a partir da definição freudiana de mal-estar na civilização, ou seja, em decorrência da Primeira Guerra Mundial, o indivíduo é reprimido em suas pulsões e vive o mal-estar. Dessa maneira, Sylvia escreve sobre sua realidade: depressão, suicídio, a falta e a procura da figura paterna, os eletrochoques, a solidão feminina, e a angústia de ser jovem em uma realidade pós-guerra. Como escreveu Ana Cecília Carvalho em A Poética do Suicídio em Sylvia Plath (Editora UFMG, 2003): "a escrita de Plath exibe o conflito entre forças construtivas e destrutivas operando na cena da criação literária."
Os textos que compõem Johnny Panic e a bíblia de sonhos cobrem um período de 14 anos - os mais antigos são de quando a autora tinha 17 anos e o último, "Blitz de neve", detalha os últimos dias de Sylvia. A introdução, escrita pelo poeta Ted Hughes, ex-marido da escritora, ressalta o objetivo do livro: mostrar o processo de criação de Sylvia e como seu trabalho evoluiu durante os anos. No entanto, o lançamento da obra não estava nos planos da escritora, como escreve Hughes: "É certo que a própria Sylvia Plath renegou vários dos contos aqui reunidos, de forma que hoje são publicados contra sua vontade." A afirmação do poeta fez com que Margaret Atwood, que assina o ensaio "Prova de poeta" presente no livro, refletir sobre o lançamento póstumo: "Tenho que admitir logo de início que publicações como esta me deixam apreensiva, uma vez que sugerem que alguém escarafunchou gavetas de escrivaninha que a autora, se viva estivesse, sem dúvida manteria firmemente trancadas. Que escritora em sã consciência entregaria ao mundo, por vontade própria, seus contos da época da faculdade, suas anotações ressentidas sobre os comportamentos de vizinhos desagradáveis, suas tentativas constrangedoras de escrever ficção formulaica para revistas?"
"(...) Meus poemas acabam não falando de Hiroshima, falam de um filho que se forma, dedo após dedo, na escuridão. Não falam dos horrores da extinção em massa, mas do brilho fraco da lua sobre a árvore do cemitério do bairro. Não falam dos testemunhos dos argelinos torturados, mas dos pensamentos noturnos de um cirurgião cansado."
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Dividido em quatro partes, Johnny Panic e a bíblia de sonhos tem o medo, definido na psicologia como "uma forma de emoção humana que nos alerta para o perigo, porém, muitas vezes os temores revelam um impulso recalcado que, por vergonha ou condenação moral, não podem ser aceitos e passam a ser temidos", como protagonista. Esse sentimento ganhou intensidade após a perda do pai e foi ressurgindo em outras circunstâncias como os episódios de depressão, o desespero de cuidar de dois filhos e o medo de ser abandonada pelo marido. "Seu amor é o salto de vinte andares, a corda no pescoço, a faca no coração", escreveu.
O conto que abre a obra, intitulado com o título do livro, traz a psicodelia da autora, isto é, o pânico que dominava a sociedade norte-americana no contexto pós-guerra: não estamos seguros por conta da presença desse sentimento, indicando o quanto somos vulneráveis. "A caixinha de desejos" segue a mesma linha, mas com um diferencial: o tom do conto é obscuro, pois, após conseguir sonhar, Agnes Higgins morre. Já em "Uma comparação" conhecemos um pouco a cabeça da escritora que se sentia não ser boa o suficiente em sua escrita.
Sua vida está presente em todo momento, no entanto, dois textos se destacam: "Oceano 1212-W" e "Dia de sucesso". No primeiro, Sylvia relembra sua infância na casa de praia dos avós ao lado de seu irmão; enquanto o segundo retrata a insegurança de ser casada com Ted após dar à luz. Nele, Plath escreve sobre o medo de ser trocada por outra mulher e, consequentemente, a vida que sempre sonhou ser alterada por ter um esposo famoso. (Talvez a escritora soubesse que a partir do momento que o marido ficasse famoso, ele teria diversos casos.)
"- É gozado, né? - Ben disse. - A gente pensa que uma pessoa morreu e que a gente se libertou, mas depois descobre que ela continua ali dentro, rindo da gente. Eu não sinto que o papai tenha morrido de verdade. Ele está em algum lugar lá no fundo, dentro de mim, olhando o que está acontecendo. E rindo sem parar."
Nunca saberemos quem foi Sylvia Plath de verdade, no entanto, conseguimos compreendê-la após o término de Johnny Panic e a bíblia de sonhos. Enxergo agora que Johnny Panic segue nos visitando durante a noite.
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