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Belos Fracassados

Foto do escritor: Michele Costa Michele Costa

Atualizado: 7 de fev.

É difícil imaginar que Leonard Cohen, compositor de "Suzanne" e "So Long, Marianne", escreveu Belos Fracassados (Todavia, 2024). A obra gira em torno de quatro personagens imperfeitos: um narrador sem nome, sua esposa Edith, seu amigo e mentor F., e Catherine Tekakwitha, uma mítica santa virgem do povo mohawk. As complexidades dessa relação a três aumentam em espiral com a morte de Edith e F., logo no início do romance, levando o narrador, devastado pelas perdas, a questionar a natureza do amor, da sexualidade e da espiritualidade, em uma série de flashbacks líricos e eróticos. 


belos fracassados

Diferente de seus poemas e canções, Belos Fracassados é um romance experimental que imita um quebra-cabeça: o leitor deve estar atento para desvendar a mensagem do narrador que não segue uma linearidade. Essa não é a única dificuldade, os temas abordados causam desconforto porque são descritos de maneira crua - Cohen não tem pena do leitor. "O que será que F. quis dizer quando me aconselhou a trepar com uma santa? O que é um santo? Um santo é alguém que alcançou uma remota possibilidade humana."


Em 1960, Leonard Cohen se isolou em Hydra, na Grécia, para escrever o livro. Com uma rotina rigorosa, parava poucas vezes para comer e conversar. A escrita foi realizada com a companhia de anfetaminas e LSD - ambos deram o ritmo à obra que descreve a juventude daquele século. 


"Eu estava escrevendo uma liturgia… Uma prece confessional, longa e louca, usando todas as técnicas do romance moderno… Coloquei tudo o que eu podia dar naquele momento em Belos Fracassados. Eu não tinha nada a perder e realmente não estava interessado em guardar nada" declarou, em entrevista. 


"(...) Por que eu tenho lembranças como essa? De quem adiantam seus presentes, F., a coleção de sabonetes, os livros de frases, se não herdei também suas memórias, que dariam algum sentido ao seu legado enferrujado, da mesma forma como latas de sopa e acidentes de carro atingem preços altíssimos em luxuosas galerias de arte? De que adiantam seus ensinamentos esotéricos sem sua experiência pessoal? Você era tão exótico para mim; você e todos os outros mestres, com seus métodos de respiração e de como obter sucesso. Como ficamos nós que temos asma? Nós fracassados? (...)"

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Dividido em três partes, Belos Fracassados começa com o narrador contando as histórias dos personagens. Ele, por sua vez, questiona se Catherine realmente existiu. Ao revisitar sua vida, o narrador mostra-se enlutado com as perdas, impossibilitando-o de seguir adiante. No entanto, se questiona: "Por que devo ficar preso ao passado pelas palavras de um morto?"


Este homem - "um velho acadêmico, mais bonito do que hoje" - conta suas peripécias com os demais, sem medo de ser julgado. Dessa maneira, ficamos sabendo que ele e a esposa, Edith, se relacionavam com F.; sua obsessão por Catherine Tekakwitha está relacionado com a redenção; os companheiros usavam drogas para fugir da realidade; o sexo é a libertação da carne. O triângulo amoroso é um inferno - nada parecido com o de Dante ou de Sartre - desconexo, incompleto e inacabado. 


No livro 2, intitulado "Uma longa carta de F.", é o amigo que escreve. Diretamente de um hospital, F. narra seus dias com pílulas de sabedoria ao parceiro. No documento, entregue ao camarada após sua morte, F. conta os dias com Edith e o seu novo caso na instituição, além de novas informações sobre Catherine. Ao fim, relata que tinha inveja do companheiro e queria ser igual a ele: "Ah, meu querido, seja o que eu quero ser!"


"Ó meu Amigo, segure o fantasma da minha mão e lembre-se de mim. Você foi amado por um homem que leu seu coração com muita ternura, que procurou o descanso eterno na indefinição dos seus sonhos. Pense no meu corpo de vez em quando."

Novas peças do quebra-cabeça surgem como o último livro, "Belos fracassados (um epílogo em 3º pessoa)". O narrador está mais velho, mas segue na boêmia, como no passado. Sozinho, ele segue sua busca por Catherine Tekakwitha, a santa que perdoaria seus fracassos e pecados, dando-lhe uma nova chance para recomeçar. 


Belos Fracassados conta com o posfácio de Daniel de Mesquita Benevides (também tradutor do livro), com informações sobre o livro. Nele, Benevides escreve sobre a obsessão indígena de Cohen após assistir uma dança na infância, além do colapso que o escritor sofreu: "ao terminar o livro, entrou em colapso e jejuou por dez dias, tendo de ser hospitalizado." Por fim, apresenta a ideia de Linda Hutcheon, acadêmica canadense do pós-modernismo, que "afirma que cada personagem no livro simboliza um aspecto da consciência canadense."


"Pobres homens, pobres homens que, como nós, fugiram e foram embora. Vou suplicar da torre de eletricidade. Vou suplicar da torre de controle aéreo. Ele vai revelar Seu rosto. Ele não me deixar sozinho. Vou difundir Seu nome no Parlamento. Vou acolher Seu silêncio com sofrimento. Atravessei o fogo da família e do amor. Fumei com minha amada, dormi com meu amigo. Falamos dos homens e acabados, e fugimos. Sozinho com meu rádio, ergo as mãos. Seja bem-vindo, você que me lê agora. Seja bem-vindo, você que parte meu coração. Sejam bem-vindos, amada e amigo, sei que sentirão sempre minha falta em sua viagem final."
"(...) Estou cansado dos fatos, cansado das especulações, quero ser consumido pelo desvario. Quero deixar-me levar. Agora não me importa o que acontece sob suas mantas. Quero ser coberto por beijos sem direção. Quero meus textos sejam elogiados. Por que meu trabalho é tão solitário? Já passa da meia-noite e o elevador está parado. O linóleo é novo e as torneiras não ficam pingando, graças à intervenção de F. Eu quero todos os gozos que não pedi. Quero uma nova carreira. (...)"

É difícil escrever sobre Belos Fracassados. É uma obra difícil de ser lida por conta da complexidade dos personagens e do período histórico de Montreal. No entanto, o livro desperta diversos sentimentos no leitor, mostrando que Cohen não é um especialista de contador de histórias, mas um mestre das palavras.

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