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  • Foto do escritorMichele Costa

Desalinhando Jack Kerouac: o vagabundo iluminado

"Tudo me pertence, porque eu sou pobre", escreveu Jack Kerouac em "Visões de Cody" (L&PM, 2009), obra escrita entre 1951-1952 e publicada postumamente em 1973. O motivo de escrever este livro foi a certeza da morte: "Estou escrevendo este livro porque vamos todos morrer…". Talvez, Kerouac sabia que morreria em breve após viver como um "marginal" sem lei. Faleceu aos 47 anos, em 1969, de hemorragia, consequência de uma cirrose.


Jean-Louis Lebris de Kerouac foi muito mais do que um escritor: tornou-se um dos líderes da Geração Beat que abraçou os excluídos e tratou-os como sábios, ou seja, indivíduos iluminados que conheciam o verdadeiro significado da vida. A vontade de se tornar um aventureiro, conhecer o país com uma mochila nas costas, surgiu após ler a vida de Jack London aos dezoito anos. Viajar, para Kerouac, vai além do significado que conhecemos - para ele, o espiritual é o mais importante, transcender, melhorar como indivíduo é a melhor recompensa da viagem.


Kerouac era querido pelos pais. Inclusive, o amor da mãe tornou-se sufocante após a morte de Gerard, seu irmão, que faleceu aos nove anos de idade. Ele aborda o assunto em seus romances, dando a entender que ao tornar-se um “vagabundo” era uma fuga para aliviar suas dores e se conhecer. Abandonar a faculdade mostra que Jack não tinha medo do futuro e que acreditava que era possível fazer uma nova América. Durante a leitura de "On the Road" (L&PM, 2011) é possível verificar que um pequeno pedaço dele continua com a mãe, as cartas mostram a dedicação que foi transferida após a morte do irmão.


"(...) Acordei com o sol rubro do fim de tarde; e aquele foi um momento marcante em minha vida, o mais bizarro de todos, quando não soube quem eu era… estava longe de casa assombrado e fatigado pela viagem, num quarto de hotel barato que nunca vira antes, ouvindo o silvo das locomotivas, e o ranger das velhas madeiras do hotel, e passos no andar de cima e todos aqueles sons melancólicos, e olhei para o teto rachado e por quinze estranhos segundos realmente não soube quem eu era. Não fiquei apavorado, eu simplesmente era uma outra pessoa, um estranho, e toda a minha existência era uma vida mal-assombrada, a vida de um fantasma…(...)"

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Entre 1950 e 1960, o mundo passava por uma transformação: os cidadãos buscavam um mundo mais humano, a quebra de um dos princípios do capitalismo. Durante esse tempo, surgiram movimentos contraculturas como é o caso da Geração Beat e diversas manifestações culturais. Inclusive, os beats foram responsáveis por algumas rebeliões que seus seguidores realizavam em busca da liberdade sonhada, fazendo com que os escritores entrassem para a lista de perigosos do FBI.


Vale lembrar que durante os anos 1950, o jazz dominava algumas cidades dos Estados Unidos. O ritmo acelerado, cheio de improvisação, dançante e marcante, foi uma das inspirações do movimento beat. De acordo com o poeta, ensaísta e tradutor, Claudio Willer, Kerouac escrevia ouvindo suas palavras, no ritmo do jazz: "A Geração Beat foi associada ao jazz bop em sua formação. E ao pop-rock como legado. A beat formou-se com o jazz, mas expressou-se através do rock - e de música bop, balada country, blues, rap, e criações de vanguarda, experimentais. Escreveram transcrevendo a fala; reciprocamente, falavam o que escreviam. Músicos bop procuraram mimetizar a fala em seus solos e improvisos; reciprocamente, Kerouac quis reproduzir tais solos instrumentais na escrita (Os Rebeldes: Geração Beat e Anarquismo Místico - L&PM, 2014)".


O fôlego narrativo alucinante, parecido com o jazz, impressionou diversas pessoas. O modo que Kerouac escrevia também: usava uma máquina de escrever e folhas de papel manteiga que juntou com uma fita para não ter de trocar de folha; redigia sem interrupção, não parava nem para revisar, e não se preocupava com parágrafos - característica presente em "On the Road". Em uma entrevista, Allen Ginsberg comentou sobre o processo de escrita do amigo: "Kerouac foi o primeiro escritor que conheci que escutava sua própria escrita, que ouvia suas próprias sentenças como se fossem construções musicais, rítmicas, e que podia seguir a sequência de sentenças que compõem o parágrafo como se estivesse ouvindo um pequeno “riff” de jazz, um “chorus” completo".


"I have lots of things to teach you now, in case we ever meet, concerning the message that was transmitted to me under a pine tree in North Carolina on a cold winter moonlit night. It said that Nothing Ever Happened, so don’t worry. It’s all like a dream. Everything is ecstasy, inside. We just don’t know it because of our thinking-minds. But in our true blissful essence of mind is known that everything is alright forever and forever and forever. Close your eyes, let your hands and nerve-ends drop, stop breathing for 3 seconds, listen to the silence inside the illusion of the world, and you will remember the lesson you forgot, which wah taught in immense milky way soft cloud innumerable worlds long ago and not even at all. It is all one vast awakened thing. I call it the golden eternity. It is perfect. We were never really born, we will never really die. It has nothing to do with the imaginary idea of a personal self, other selves, many selves everywhere: Self is only an idea, a mortal idea. That which passes into everything is one thing. It’s a dream already ended. There’s nothing to be afraid of and nothing to be glad about. I know this from staring at mountains months on end… Do you think the emptiness of space will ever crumble away? Mountains will crumble, but the emptiness of space which is the one universal essence of mind, the vast awakenerhood, empty and awake, will never crumble away because it was never born. The world you see is just a movie in your mind. Rocks don’t see it. Bless and sit down. Forgive and forget. Practice kindness all day to everybody and you will realize you’re already in heaven now. That’s the story. That’s the message. Nobody understands it, nobody listens, they’re all running around like chickens with heads cut off. I will try to teach it but it will be in vain, s’why I’ll end up in a shack praying and being cool and singing by my woodstove making pancakes."


Kerouac se sentia um estrangeiro no mundo, assim como Rimbaud e Whitman, seus antepassados. Os três descobriram que caminhar, viajar, sumir por um momento da realidade, é o melhor remédio para relembrar que está vivo.


Após 50 anos da morte do escritor, Kerouac continua sendo relembrado, dessa vez com um título mais forte: o vagabundo iluminado.

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