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Foto do escritorMichele Costa

Desalinhando Virginia Woolf: a escritora silenciosa

Para a psicanálise, a função materna é fundamental para o desenvolvimento psíquico da criança. Por mais que a criança tenha outros familiares ao seu redor para auxiliá-lo na primeira infância, é a mãe (com seu peito, o aconchego, o carinho) que carrega a maior tarefa de estabelecer um vínculo com a criança. Para Winnicott, pediatra e psiquiatra, o desenvolvimento infantil, até chegar no processo de amadurecimento, acontece em três estágios: dependência absoluta, dependência relativa e independência. Em seu método, o psiquiatra destaca que os estágios não se dão de forma linear, ou seja, é possível ter regressões no caso.


Adeline Virginia Stephen foi filha de Julia Stephen e do editor Leslie Stephen. Sua família era grande: ela tinha três irmãos (Vanessa Stephen, Thoby Stephen e Adrian Stephen) e quatro meios-irmãos (Laura Makepeace Stephen, George Duckworth, Stella Duckworth e Gerald Duckworth). Os irmãos a chamavam carinhosamente de cabra, assim como sua mãe que preferia usar o diminutivo, chamando-a de cabrinha. Adeline cresceu em um ambiente literário, onde artistas, editores e políticos frequentavam a sua casa para debater com o seu pai os últimos assuntos da época.


Virginia sofreu abuso sexual quando era criança, dentro de casa, pelos dois meios-irmãos, George e Gerald Duckworth. Após a violência, a escritora começa a se retrair e desconfiar de todos os homens que a cercavam. Seu estado emocional piora quando Julia morre - Virginia tinha apenas 13 anos. Aqui, ela tem uma regressão e procura, em vão, a presença da mãe.


"(...) Fomos levados para o quarto. Acho que velas estavam acesas; e acho que a luz do sol estava entrando. De alguma forma, eu lembro do espelho; com gavetas em cada um dos lados; e do lavatório; e da grande cama em que minha mãe estava. Lembro muito claramente que enquanto eu era levada para o lado da cama percebi que uma enfermeira chorava, e me veio um desejo de rir, e eu disse para mim, como frequentemente tenho feito em momentos de crise desde então, "Eu não sinto nada". Então eu parei e beijei o rosto da minha mãe. Ele ainda estava quente. Ela havia morrido momentos antes" (Um Esboço do Passado, Virginia Woolf, Editora Nós)

Virginia teve sua primeira crise depressiva após a morte precoce da mãe. Ao ficar com o seu pai, ela e os irmãos conhecem, de perto, a tirania que o mais velho poderia causar. Ela cresce com a obsessão de jamais reproduzir o comportamento de seus pais: a mãe quieta, que suportava a ignorância de um homem. Com esse pensamento, verificamos que Virginia lutava pela liberdade que nunca teve.


"Ainda agora eu não tenho nada a dizer sobre o comportamento de meu pai, a não ser que era ruim o comportamento brutal. Se, em vez de palavras, ele tivesse utilizado um chicote, a brutalidade não teria sido pior" (Virginia Woolf, págs. 75-76, Alexandra Lemasson)


Virginia não foi à escola. Por ser mulher, não tinha esse direito. No entanto, aprendeu em casa, com seu pai e irmãos. Ao descobrir o mundo literário e da escrita, a pequena cabritinha encontra o seu destino e não para de escrever. No livro "Virginia Woolf", Alexandra Lemasson escreve sobre esse momento de descoberta e salvação: "(...) Para Virginia, a leitura se parece sempre com uma recriação em relação à escrita, que a obceca e a molda continuamente. Se escrever é dar ordem do sofrimento, ler, em contrapartida, parece lhe trazer uma espécie de apaziguamento". Logo, a felicidade só pode ser literária.


A presença materna está presente em seus livros, assim como sua depressão. Segundo seu diário e biógrafos, as lembranças mais intensas de sua infância foram em Cornualha, onde a família passava todas as férias de verão. Ao lembrar da vista para a praia de Porthminster e ao farol de Godrevy, Virginia revisita sua infância para criar "Ao Farol", livro que é um luto sobre a (sua) infância. A escritora dizia que a obra era um meio de se compreender melhor. Em seu diário escreveu: "Escrevi o livro muito rápido e, depois de escrito, parei de ser obcecada por minha mãe. Não ouço mais sua voz, não a vejo mais. (...) Expressei uma emoção sentida há muito tempo, profundamente. E ao expressá-la, eu a expliquei e depois a deixei em repouso".


"(...) Em que resultava tudo isso, então? Como julgar os outros, pensar sobre os outros? Como se acrescentava uma coisa à outra e se concluía que era afeto ou desafeto o que se sentia? E que sentido atribuir a essas palavras, afinal? Ela estava de pé, perto da pereira, aparentemente transportada e inundada pelas impressões sobre esses dois homens. Seguir o pensamento dela era como seguir a voz que fala rápido demais para que se possa tomar nota do que diz. E a voz era a sua própria dizendo, sem que lhe soprassem nada, coisas inegáveis, eternas, contraditórias, tanto que mesmo as fendas e saliências no tronco da pereira estavam irrevogavelmente fixadas ali por toda a eternidade." (Ao Farol, págs. 28-29)


A obra de Virginia é repleta de silêncio. Em "Mrs. Dalloway", por exemplo, a protagonista precisa de festas, pessoas ao seu redor, para encobrir o silêncio ensurdecedor do seu país pós-guerra. Em "O Quarto de Jacob", inspirado em seu irmão, o silêncio está na passagem de vida, da perda ao renascimento de um luto. Já em "Ao Farol", a escritora permite que outros símbolos falem por si só, como é o caso da casa, que também vira personagem no romance. O silêncio para Virginia era essencial, pois assim, sua literatura ganhava mais força, impactando o leitor.


"(...) Quem o culparia? Quem não se rejubilaria secretamente quando o herói tirasse sua armadura e, parando junto à janela, olhasse sua mulher e seu filho - a princípio muito distantes, mas gradualmente se aproximando cada vez mais, até que lábios, livro e cabeça surgissem nitidamente diante de si, embora ainda adoráveis e estranhos devido à intensidade da solidão dele, o passar dos séculos e o findar das estrelas -, e, finalmente, colocando o cachimbo no bolso, curvasse sua magnífica cabeça diante da mulher, quem o culparia se ele prestasse homenagem à beleza do mundo?" (Ao Farol, pág. 41)

Virginia não poderia ser salva por ninguém. A sua dor estava enraizada. A procura pela mãe diminui após escrever "Ao Farol", mas ela continua sentindo um vazio. O silêncio, mesmo necessário, era doloroso para ela? Ela não poderia ser quem sempre sonhou? Em um dia de desespero, escreveu em seu diário: "Lutamos todos com os nossos cérebros, nossas paixões e todo o resto, e tudo isso para sermos vencidos". Como seria sua vida ao ter uma mãe ao seu lado? E se nunca tivesse conhecido os meios-irmãos George e Gerald? Todas as teorias são válidas, principalmente nos dias de hoje, que existe tratamento para depressão e bipolaridade. No entanto, me pego pensando na cabritinha e acredito que ela é muito mais e que a sociedade, tão cruel, não a aceitaria.


Ela se foi aos 59 anos, após colocar pedras em seus bolsos. Seu corpo e espírito se foram, mas suas obras estão aqui. Aos fãs da escritora, o seu silêncio na literatura, salva.

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