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Foto do escritorMichele Costa

Entrevista: Mariana Godoy continua se afogando em Virginia Woolf

Atualizado: 16 de ago. de 2020

Dizem que ao sonhar com afogamento, boas notícias surgirão. Para os escritores, escrever é um afogamento: as palavras são como o mar, quando chega ao limite, o autor está ofegante, lutando para sobreviver... Mas se afoga. As palavras são pesadas. Ao lutar pela sobrevivência, para voltar a respirar, o escritor descobre que é possível (con)viver com o incômodo. Como Sylvia Plath, Ana Cristina César e Virginia Woolf fizeram.


Nas obras, as autoras colocaram tudo de si. Em "A Redoma de Vidro", Sylvia relata as desventuras de Esther Greenwood, uma moça de 18 anos que sai dos subúrbios de Boston para uma nova vida. Nas entrelinhas, o leitor descobre o impacto dos pais na vida da moça, a depressão, a tentativa de se descobrir sem a presença dos outros e o suicídio. Já a carioca Ana Cristina César, descreveu como é ser mulher em um país machista, as dificuldades de ser escritora e as tristezas de uma jovem que gostaria de ter sido aceita pela sociedade. Por último, Virginia coloca seus sentimentos e familiares, mostrando sua verdadeira faceta, medos e nostalgia.


Passado e presente se misturam.


Mariana Godoy tem um pouco das características das autoras. Fisicamente, ela parece Ana (além dos questionamentos), mas ama intensamente como Plath e se entrega como Virginia. É possível ver o resultado de sua personalidade em seu livro de estreia: "O Afogamento de Virginia Woolf".


Lançado no ano passado pela editora Patuá, a obra aborda a falta/saudade da figura paterna na vida de Mariana (assim como Plath em suas poesias), as transformações da infância para adolescência (assim como o livro de Woolf, "O Quarto de Jacob"), dúvidas, amores e a existência (o tempo em "A Teus Pés" de Ana). Quem não está a procura de algo? Estamos sempre buscando algo para preencher o vazio. Foi na poesia que a escritora e atriz resolveu fazer arte com o vazio para viver no meio de um afogamento.


"quando eu acordava mal-humorada, papai mandava deitar na cama de novo e levantar pelo outro lado. a irritação logo sumia e eu dizia que minha cama era uma cama mágica.

um dia, papai me viu deitando e levantando
várias vezes seguidas, de mil maneiras diferentes.
perguntou se eu estava treinando para ser ginasta. respondi que não, que na verdade estava triste,
e queria que a tristeza fosse embora.

ficamos os dois, uma tarde inteira,
a dar cambalhotas."

Sua feição pode ser doce, mas sua escrita não. Reviver o passado é sempre dolorido e se mostrar ao outro, um desconhecido, é pior ainda. Ao ler as linhas de seus poemas, nos reconhecemos e podemos até questionar se Mariana escreveu sobre si ou sobre nós. Esse é o papel do escritor, certo? A escritora responde: "Uma vez um professor perguntou qual era o papel do poeta em tempos tristes. Ninguém soube responder. Depois, ele concluiu: "o papel dos poetas em tempos tristes é mostrar para todos que estamos vivendo tempos tristes". Esse é o papel do artista em geral, mostrar como estamos vivendo... Ou melhor, mostrar que estamos vivendo".


Eliane Brum disse uma vez "escrevo para não matar e nem morrer". Para você, o que significa escrever?

Eu escrevo diários com frequência, então se pensarmos nos diários como um lugar de urgência, sim, assino embaixo dessa frase. Agora, quando escrevo poemas especificamente, não consigo ser tão romântica. A graça é escrever poemas para trabalhar com a linguagem, desdobrá-la, dezorganiza-lá; colocar a linguagem sob suspeita; ver até onde a criação pode me levar, sendo que na criação eu posso ir a qualquer lugar. E pra isso preciso estar bem viva, bem centrada, sem tanta urgência, sem pressa. Do contrário, não escrevo nada.


Além de Virginia, quais são as escritoras que te inspiraram a escrever?

A Virginia Woolf fez parte da minha formação como leitora na adolescência, assim como Clarice Lispector e a Hilda Hilst, que vieram por indicações de professoras, então consequentemente elas me inspiraram a começar a escrever. Mas eu posso citar outras que também foram de grande importância: Toni Morrison, Ana Cristina César, Sylvia Plath e Stela do Patrocínio.


Anteriormente, você comentou que não está em busca de preencher o vazio com seus poemas. Qual o seu objetivo?

A poeta portuguesa Sophia de Melo Breyner (1919 - 2004), tem um poema chamado "Escrita II", que tem o seguinte trecho: "A sua arte é filha da memória / Diz o que viu / E o sol do que olhou para sempre o aclara". Tenho pensado muito nesses versos ultimamente. Além de escrever para desdobrar a linguagem, eu acredito que nos meus poemas eu busco trabalhar a memória, reenquadrá-la. Eu gosto da forma como o passado contato é muito mais intenso do que o passado vivido.

Em outras palavras, trazer alguém de volta, um momento, a infância, por um segundo que seja. Não só pra mim, mas para o leitor, de modo que a poesia vaze dos poemas, sobre as margens do livro ou da tela, e entre na vida de alguém, seja acompanhando em uma viagem, em um leito ou em uma mesa de café da manhã.


Como foi publicar um livro independente?

As editoras independentes estão cada vez mais abertas a receber poesia, sem falar que tive incentivo de escritores com llivros já publicados, de modo que eles me auxiliaram nesse caminho até a publicação. A minha maior dificuldade com relação ao livro [O Afogamento de Virginia Woolf] foi/é com a divulgação, pois essa é uma das principais tarefas do autor quando publica com editora independente, e eu sou péssima nessa parte.


Como está sendo o isolamento, você está escrevendo?

Não tanto quanto eu gostaria. Estamos vivendo a pandemia do capital, muitos trabalhadores estão sendo demitidos e tendo seus salários pulverizados. Não é o meu caso, mas não significa que estou confortável com essa situação, porque além do desemprego e dos problemas financeiros, há um possível aumento do risco de suicídio e de violência doméstica, coisas para as quais não podemos nem fechar os olhos.

Para piorar, nós não temos um governo que providencia medidas de segurança à população, o que me faz ficar ainda mais pessimista em relação ao futuro. Então, quando me perguntam como estou, como está sendo o isolamento etc, a resposta é sempre a mesma: péssimo, estou triste, com raiva e com medo. Talvez por isso eu esteja escrevendo pouco, o que me segura no chão são os filmes, as músicas, os livros que estou lendo, mas sobretudo, as pessoas que amo.


 

Filha de professora, Mariana tem a escrita em seu DNA. Ela sabe que para sobreviver é preciso escrever e se doar ao todo, assim como Virginia, referência em sua obra. "Vivenciei sentimentos que navegam muito em suas obras. O que, claro, não é raro, já que Virginia trabalha em lugares inteiramente humanos", relata.


Mariana continua no mar, mas não se afoga constantemente, como no passado. A água sobe em seu corpo, chega em seus quadris e para. "O poema pode prender momentos no tempo. Procuro um reencontro com o meu pai, mas não busco preencher um vazio. Até porque não acredito que posso acabar com ele. A escrita, para mim, apenas deixa o vazio suportável", conclui.


O Afogamento de Virginia Woolf pode ser comprado pelo site da Editora Patuá.

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