Calvin Voichicoski: as canções que vem de dentro
- Michele Costa
- 12 de jun.
- 7 min de leitura
Por trás de títulos engraçados, Calvin Voichicoski explora o introspectivo através da angústia, memórias, identidade e o deslocamento emocional na metrópole fria e sem cores. Seus primeiros EPs - Hortelã e Opaco, ambos de 2015 - retratam esses temas, assim como o tempo e seus significados. Se em "Corrida" "passa o vento / passa o trem / passa o tempo e os poréns", em "Nuvens de Verão", o músico curitibano diz que se perdeu no tempo. Ele segue presente nos dias de hoje, mas modifica o tempo ao retratar suas vivências, observações e sentimentos.
Não é fácil falar sobre você mesmo - sabemos disso! -, mas Calvin faz isso com maestria. Ao se abrir com o público, o artista convida o ouvinte para caminhar, refletir e sentir (por que não?!) com ele. Dessa maneira, a realidade é aceita e tentamos "ver o céu / andar / sem ter / pra onde ir", como canta em "Marapé", canção presente em Moscas Volantes (2017), seu primeiro disco.
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Você está na música há um bom tempo. Como entrou nela? Quando decidiu compartilhar suas canções?
Eu escrevi e gravei minha primeira música no dia 25 de maio de 2012. Eu tinha 14 anos, era o dia das profissões do meu primeiro ano do ensino médio e, depois de decidir o nome idiota da pseudobanda que eu teria junto com uma amiga que estudava comigo e outro amigo meu (eles não se conheciam, até onde eu sei nunca se conheceram - a banda nunca existiu além do nome), eu escrevi algumas letras toscas em um caderno pautado enquanto ignorava informações provavelmente importantes pro meu futuro. Chegando em casa eu passei alguns minutos com um violão tentando entender como traduzir aquilo pra uma música; abri o Audacity (o equivalente ao 4-track da minha geração!) e fiquei uma tarde gravando takes. Provavelmente no mesmo dia eu registrei um bandcamp no nome da banda e subi as músicas lá pra compartilhar com meus amigos. Depois de alguns meses eu entendi que "ibagens, comandante hamilton!" não era um bom nome de banda e, mesmo se fosse, uma banda com duas pessoas que não se conhecem está fadada ao fracasso e eu registrei um Bandcamp com o meu próprio nome e relancei essas músicas com outras mais novas (na época).
Hoje em dia as coisas que eu gravei e publiquei entre 2012 e 2014 ou estão perdidas pelo tempo ou não estão disponíveis porque, sinceramente, não são muito boas. Eu até pensei em compilar as melhores músicas dessa época, remasterizar (eu não sabia o que era um limiter) e relançar, mas não sei se tem tanta coisa interessante assim. Tem uns álbuns dessa época upados no Youtube e em serviços de compartilhamento de arquivos por uma galera que gostava das músicas na época, o que é bem maneiro porque eu amo bootlegs.

Hortelã e Opaco são dois EPs distintos, mas que conversam por terem sidos gravados em um quarto em São Bernardo do Campo e por abordarem o tempo. Como foi o processo deles e o que te levou a registrar o tempo? Aliás, você segue se perdendo no tempo?
2015 foi o ano em que eu havia acabado de me formar no ensino médio depois de ter passado onze anos na mesma escola, pra mim era um momento natural de reflexão sobre a passagem do tempo, tentar entender o passado enquanto constrói um futuro, o começo do fim da juventude, etc. coincidentemente, 2015 também foi o ano onde eu finalmente entendi como se gravava um amplificador de guitarra, então eu, assim como o Bob Dylan, traí o movimento folk e "went electric".
Em "Dente de Leão" você canta que não conta as horas e devia se preocupar. Isso segue hoje? "Cebolas Roxas" é uma música que soa como os sintomas da depressão, ou seja, não querer sair, não gostar da cidade e tantos outros incômodos. Ao escrevê-la e cantá-la, esses sentimentos passaram?
Essas músicas são uma mistura de angústia adolescente com depressão de verdade, "Cebolas Roxas" até fala sobre isso na própria letra ("odeio tudo nessa cidade/mas é normal nessa minha idade"). Trato minha depressão desde os 16 anos, e acho que essas músicas foram parte do meu processo de separar as coisas. É bem engraçado cantar elas hoje em dia (apesar de que eu acho que toquei "Cebolas Roxas" em todos os shows que eu fiz na minha vida) e ver os desdobramentos de várias dúvidas que estavam na minha cabeça na época mas também é igualmente reconfortante e aterrorizador ver que eu ainda sou a mesma pessoa. Alguns sentimentos passaram, outros se atenuaram. A combinação certa dos remédios certos ajuda.
Relacionamentos, questões existenciais, saúde mental são alguns tópicos que você aborda. Existe um motivo? As canções servem como diário?
Não escrevo pensando nesse compromisso jornalístico do diário mas as canções servem sim como diário em retrospecto: consigo me colocar exatamente onde eu estava no momento em que eu escrevi aquilo quando escuto. Antes de fazer música eu fazia quadrinhos. acho que isso influenciou muito no jeito que eu escrevo, primeiro sem querer, mas depois de maneira mais consciente. lembro de, na época do Opaco e do Hortelã ler bastante Ordinário (Quadrinhos na Cia, 2011), do Rafael Sica, um livro de quadrinhos sem nenhuma palavra em busca de inspiração pras letras. Essa influência dos quadrinhos é algo que eu sinto que o Jeffrey Lewis, outro cartunista que virou músico tem nas letras dele também, de um jeito diferente. acho que consegui fazer isso de um jeito interessante em "e.m.t./domingo", com o quadrinho que complementa a música.
Tento escrever a partir do que eu conheço, não importa se é uma letra mais autobiográfica, uma narrativa ficcional ou uma representação meio abstrata, pra mim é essencial que exista uma honestidade ali. O tipo de arte que mais me move é aquele que você entende que só aquele autor específico poderia ter feito aquilo, ninguém mais, uma obra que tem algo extremamente pessoal embebido ali. De novo, acho que isso tem a ver com quadrinhos, essa figura suprema do "autor"; a Laerte, o Bill Watterson, o Daniel Clowes, etc. Na música eu vejo isso na Kimya Dawson, no David Berman, no Tom Zé. É sempre onde eu miro.
Lar de Retórica Incompreensível traz músicas de 2018 a 2021. Como foi revisitar o passado para finalizar o álbum? Você diz que não pode esperar por muito tempo em “Relaxantes Musculares”. O que mais você quer fazer?
O Lar da Retórica é um álbum incompleto: são demos que comecei entre 2018 e 2020 e que a ideia original era regravar, mas que por conta da pandemia e de uma piora considerável no meu estado mental quase foram engavetadas definitivamente. Essa música (e o álbum como um todo) representam bem onde eu estava no momento - é uma carta de despedida. Em 2021, um pouco mais estável da cabeça (mas não o suficiente pra regravar aquelas músicas e arriscar entrar naquele espaço de novo), fiz alguns ajustes aqui e ali e publiquei o álbum, pronto pra escrever músicas novas de um outro ponto de vista.
"e.m.t/domingo" uma parceria entre Calvin Voichicoski e Pelocurto
"De lá pra cá não sou ninguém / Será que é assim com eles também?" pergunta o curitibano em "Cataratas", canção de Lar da Retórica Incompressível (2021), seu segundo álbum. Muitas pessoas se sentem assim, por isso, nos juntamos com o outro para relembrar que não estamos sozinhos. Calvin se uniu com a Pelocurto para retratar sua experiência pessoal com tratamentos e internações psiquiátricas.
Apesar do tema denso e reflexivo, "e.m.t/domingo" explora ritmos que evocam a possibilidade de um otimismo honesto mesmo em tempos adversos. A letra acompanha e revela um desenvolvimento narrativo quase imagético. Em agosto, os amigos lançarão o álbum bodoque.
Recentemente você lançou um novo single, em parceria com Pelocurto, sobre a sua saúde mental, ou seja, uma canção totalmente autobiográfica. Como foi falar sobre esse período da sua vida? Como foi se unir com os amigos para gravar um disco? Aliás, o que podemos esperar dessa fusão?
Foi bem desafiador. É uma música sobre os dias que eu passei internado em um hospital psiquiátrico após uma tentativa de suicídio e sobre os tratamentos que eu recebi, então uma das coisas mais importantes foi essa distância temporal entre os acontecimentos, tentar ter uma visão mais panorâmica do que aconteceu. Só devo ter terminado de escrever definitivamente essa letra esse ano, quase 5 anos depois.
Como foi se unir com os amigos para gravar um disco? Aliás, o que podemos esperar dessa fusão?
Foi incrível! Depois de anos tendo que pensar obsessivamente em cada detalhe do arranjo das músicas, foi meio libertador chegar com rascunhos das composições em voz e violão pros meninos da Pelocurto e ouvir a canção nascer ali espontaneamente. A gente se reunia aqui em casa e, tocando, pouco a pouco, cada um entendia o que fazer em seu respectivo instrumento. Ter produzido o primeiro ep deles e a gente já ter tocado juntos anteriormente me deu bastante confiança neles pra fazer isso.
Disso, demos uma sorte absurda que nossos amigos Guilherme França e Felipe “Crespo” Medeiros, da Quasar e dos Sagrados Anônimos, trabalhavam em um estúdio em SP e conseguiram uma madrugada inteira pra gente gravar de graça. das 3h às 8h da manhã nós gravamos as bases de 12 músicas ao vivo, sem click track, e passamos mais dois anos nos reunindo em casa pra gravar overdubs. O álbum é um grupo bem eclético de canções em português e em inglês inspiradas por música brasileira dos anos 60 e 70, a invasão britânica, o protopunk, a cena antifolk nova iorquina dos anos 2000 e música brasileira independente contemporânea, mas com um cuidado pra manter o apelo pop. São músicas que tenho muito orgulho de ter escrito e a Pelocurto as elevou pra outro nível. Considero eles um supergrupo! O Heitor (Hektōr) lançou “ATRIZ”, que eu mixei, e é um dos meus discos favoritos. Me influenciou muito na composição do bodoque. O Celso é um excelente guitarrista e um mestre da textura, eu tenho certeza que ele tem algo foda na manga pra lançar. E o Marchioretto é uma máquina de hits power-pop-punk, por favor, leitor, pare o que está fazendo, ouça “Maria Paula” agora e vire fã dele.
Bodoque, o nosso disco, sai em agosto! Estamos fazendo shows tocando músicas novas em São Paulo e depois do lançamento pretendemos fazer uma mini-turnê por outros estados. Se tivermos o dinheiro!
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