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Lady Tempestade

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • 10 de jun.
  • 3 min de leitura

O cenário de Lady Tempestade é simples: um sofá, uma mesa, três cadeiras, alguns objetos e um microfone. No primeiro momento não prestamos atenção no formato, no entanto, conforme o público vai se sentando em seus lugares no teatro do Sesc Consolação, é possível enxergar algumas cadeiras - do lado esquerdo e direito - no palco, onde alguns telespectadores se sentam para assistir a peça. Essa nova interpretação nos faz lembrar de um tribunal, onde o advogado utiliza o centro do espaço para defender seu cliente. Não se sabe se a estrutura foi pensada a partir dessa ideia, mas faz todo o sentido, afinal, Lady Tempestade traz à cena a luta de Mércia Albuquerque na defesa de presos políticos durante a ditadura. 


Estrelado por Andrea Beltrão, o espetáculo foi criado a partir dos Diários 1973-1974 (Editora Potiguariana) de Mércia, advogada pernambucana, que defendeu mais de 700 vítimas da ditadura civil militar brasileira. Nos diários, Mércia retratou os piores anos da repressão, sem perder a forma, mas com uma falésia que começou em 1964, após ver Gregório Bezerra (1900-1983) ser amarrado em um jipe e arrastado por militares nas ruas de Recife. 


24 de janeiro de 1974 – "Não sei se pare, não sei se recue, não sei se avance. Parar é deixar a luta, é covardia . Covardia maior, é recuar. O que me resta então a fazer? É avançar. Avançar pode trazer a morte, matar o que importa se certa estou eu da minha luta? Lutar e morrer, lutar é viver, viver é lutar. Muitas vezes é melhor morrer do que viver. Conheço mortos vivos e vivos mortos. Serei morta-viva, não serei viva morta. Estou presente com meus amigos ausentes, em lembranças ternas, que ressuscitarão."

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lady tempestade
(Créditos: Divulgação/Reprodução)

Com dramaturgia de Silvia Gomez e direção de Yara de Novaes, Lady Tempestade traz a história de A., mulher que atende a um telefonema que mudará sua rotina: a voz de um homem desconhecido avisa que ela receberá pelo correio os manuscritos do diário da advogada. A partir disso, a dramaturgia explora o espaço de invenção entre o documento e a ficção e a colisão entre o passado e o presente para pensar o futuro.


Acompanhada de Chico Beltrão, seu filho, que faz intervenções sonoras e breves pontuações, Andrea emociona o público ao interpretar A. e Mércia. É interessante ver como o filho é inserido na peça, já que Mércia também era mãe - e ao defender presos políticos, não conseguia dar atenção necessária ao bebê. Em Lady Tempestade, Chico também preenche o papel de Aradin, herdeiro da advogada, relembrando que a peça vai além de uma mulher: é sobre uma mãe que se doou para filhos de outras mães. Como escreveu em seu diário em 1973: "Levei a paz, devolvi filhos a pais, dei a alegria antes do Natal a cinco lares."


Nós sabemos os nomes dos apoiadores do golpe e dos torturadores, mas não se ouve o nome deles na peça. As identidades são substituídas pelos nomes das mães que procuravam seus filhos e imploraram por justiça, como foi o caso de Dona Rosália. Ao optar por essa alteração, Silvia e Yara dão voz às vítimas da opressão - são delas que não podemos esquecer. 


Em seus diários, Mércia escreveu sobre as palpitações que seu coração sofreu durante a ditadura, porém, sobreviveu fortemente para denunciar os horrores da ditadura. Faleceu em 2003, vítima de câncer. Sua história está sendo contada para que possamos refletir sobre o passado para agir no futuro, porque os gafanhotos - como chamava os militares e torturadores - continuam existindo. 


Em 1973, escreveu: "Não me arrependo de nada. Luto pelos filhos dos outros, entram em minha vida, amarguram-me a existência e ainda me privam de ter filhos. Nunca deixei de ajudar quem me procurava." Ainda bem! 


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