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  • Foto do escritorMichele Costa

Impressões: Transformer: A História Completa de Lou Reed

Lewis Allen Reed lembrava o Dr. Jekyll, de "O Médico e o Monstro", principal obra de Robert Louis Stevenson. Assim como o médico, Lewis foi um jovem de boa aparência, visto com muito carinho por seus conhecidos e com um futuro exemplar (como sonhava seus pais). Já Lou Reed, persona criada quando descobre o mundo artístico, parecia com o Sr. Hyde, um homem grosseiro, egoísta e que causava desconforto por onde passava. Os dois andavam juntos, impossível de se libertarem.


A briga entre as duas metades de um único indivíduo é detalhada no livro "Transformer: A História Completa de Lou Reed" (Aleph, 2016), escrito pelo jornalista (e fã!) Victor Bockris. Em mais de 400 páginas, o leitor conhece a trajetória do artista plural e todas as suas transformações (que não foram poucas) durante sua vida.


Filho de judeus de classe média, Lewis cresceu em Nova York com amor, boa educação e proteção materna claustrofóbica (Bockris aborda a "síndrome da mãe judia", uma mãe super protetora, que não queria que seu filho sofresse) em alguns momentos. Porém, seus pais, Sidney e Toby, não conseguiam compreender o primogênito: Lewis passava por mudanças de humor, manipulava as pessoas e podia ser cruel quando quisesse. Na adolescência, dizia que queria ser um "músico de rock e um homossexual" para irritar os Reed. Por conta de seu comportamento, aos 16 anos, passa pela lobotomia que tinha o objetivo de acabar com "seus sentimentos homossexuais e a alarmante instabilidade emocional do rapaz" - esse episódio foi o início para que o monstro Lou Reed ganhasse força dentro do jovem. Segundo Lou, "os tratamentos de choque ajudaram a erradicar qualquer sentimento de compaixão, dando lugar apenas a uma postura fragmentada".


Desconhecido por si mesmo, o artista reescrevia repetidamente sua infância e suas características com o objetivo de se definir novamente.


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Já na faculdade, sua ambição era ser um escritor e um roqueiro. Enquanto estudava, conhecia novas pessoas que estavam interessadas nos mesmos assuntos que ele - foi aí que descobriu que era possível tornar-se aquilo que deseja. É curioso imaginar que Reed se apresentava como um poeta torturado, introspectivo e romântico, dizendo que tinha oito personalidades - e que usou todas no momento para criar o Lou Reed.


Lou Reed, o monstro, ganha forma, dominando o corpo de um indivíduo, na faculdade: ele descobre as drogas, as festas, bebidas e encontra pessoas que estavam dispostas a criar uma banda - assim, nos anos 60, o Velvet Underground surgiu para revolucionar o rock. No entanto, a banda só ganhou espaço e fama com a chegada de Andy Warhol como empresário (segundo Victor, "Andy construiu a banda do jeito que ele queria, já que o sonho dele era ser um rockstar"). Em Warhol, Lou encontrou um mestre. A chegada de Nico, tumultuou a relação com a banda e Reed sentia-se intimidado por ter uma artista que cantava melhor do que ele. Em "Transformer", o leitor acompanha o início e o fim da banda (com o Lou Reed extremamente calculista e cruel com seus companheiros).


"É necessário um ego muito seguro para se permitir ser amado pelo que se faz em vez de pelo que se é, e um ego maior ainda para perceber que você é o que faz. O cantor tem uma alma, mas sente que não é amado fora do palco. Ou, talvez pior, sente que só brilha no palco e murcha quando sai de foco, uma casca tão comum quanto a gardênia doméstica."

Nos anos 70, prestes a lançar sua carreira solo, Lou Reed tinha percepção de que era um homossexual, mas queria ser desesperadamente um homem hétero (talvez, a culpa de ser aquilo que sua família e o mundo não aceitava o matava lentamente). Ele já tinha tido relações com outros homens, mas foi apenas ao conhecer Rachel, uma drag queen, que Reed pode colocar (por um breve momento) sua homofobia (construída desde sua primeira infância) de lado. A relação acaba quando ele conhece Sylvia Morales, uma mulher que parecia com Rachel, mas que o impactou positivamente. No livro há uma passagem sobre o relacionamento dos dois: "Ele transferiu para Sylvia, que o retirou de seu alcoolismo e depressão, essas qualidades que ele via em uma mãe. Mas no momento em que você entrega isso a alguém, você a odeia por isso e tem que se separar dela ou não vai crescer." O biógrafo relata alguns amores e casos que Lou Reed teve durante as turnês que realizou pelo mundo.


Reed era um monstro e sentia prazer ao destruir amigos, familiares, todos que estavam ao seu lado. Foi um modelo que encontrou para ter o controle sobre tudo - profissional e pessoal. Ele sabia que era preciso mudar, ceder, se reconstruir, mas não era fácil; pelo menos conseguiu se transformar em seus álbuns: "Eu preciso me redefinir, porque a pessoa que eu queria me tornar foi ocupada por outro corpo".


"Supostamente, quando você envelhece, você aprende algo de tudo antes, ou cai morto e acabou. Acho que sei mais sobre certas coisas do que outras pessoas. E vou lutar por isso. Não acho que isso seja ser difícil. Digo, soa cafona mas é ser fiel a sua visão."

"Transformer" aborda os casamentos que Lou Reed teve durante a vida, as separações, a necessidade de fazer um álbum doloroso sobre sua separação ("Berlin"), o impacto da morte de seu mestre e o reencontro dos integrantes do VU. A obra também mostra a negação dos romances homossexuais que Reed teve e o início de uma relação amorosa com a artista multimídia Laurie Anderson, que mostrou que era possível dominar o monstro que tinha dentro dele. Lewis e Lou viviam entre altos e baixos.


A obra de Victor Bockris é bem escrita, mostrando que a pesquisa extensa que o jornalista fez foi bem feita, mas em alguns momentos exagerada - Victor era fã do Velvet e de Lou Reed, por isso, em alguns momentos, o escritor peca tentando "desculpar" as merdas que o cantor fez em vida. Além disso, Bockris tenta encontrar um sentido em todas as obras de Reed, criando assim, bem no final do livro, que Anderson e Reed batalhavam para ver quem era o melhor. Será que brigavam? Quem pode afirmar isso? Os artistas rivalizavam mesmo? Será que eles não estavam dialogando em conjunto? Tirando os detalhes, digamos assim, Bockris mostra que Lou Reed era um gênio e foi um grande poeta.

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