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  • Foto do escritorMichele Costa

Entrevista: China continua resistindo em dias mortos

Atualizado: 12 de jul. de 2021

"Sai de casa mas não sabe se volta / Todo dia um coração na mão / Quem vai determinar quais são as chances de alguém / virar estatística, nota de jornal” A estrofe de "Vivo?” cai muito bem com o momento em que estamos vivendo. A música que abre o álbum "Manual de Sobrevivência para Dias Mortos”, é de China. No meio da pandemia, precisamos encontrar um modo para sobreviver ao genocídio da população negra e indígena, ao desgoverno miliciano e fascista, crise econômica e tantos outros fatores.


Lançado no ano passado, "Manual de Sobrevivência para Dias Mortos” é um sopro de esperança. Com letras políticas, guitarras estridentes (lembra Stooges) e o toque da cultura pernambucana, China faz política e se doa por inteiro para discutir (e apresentar sua defesa) o atual cenário político do Brasil. Perceba que o nome do álbum contém a palavra sobrevivência, que segundo o dicionário é “ato ou efeito de sobreviver, de continuar a viver ou a existir”. Sobreviver é resistência. Aproveito e pergunto por e-mail: como está sobrevivendo com todos os problemas que o país está passando? Ele responde: “Se viver hoje em dia já é um luxo, imagine sobreviver? Vamos levando os dias, tentando espalhar informação pras pessoas, lutando por dias melhores para todos. Acho que se ajudar nesse momento é essencial”.


China já é conhecido no setor musical. No final dos anos 90, o pernambucano fundou a banda Sheik Tosado que se atreveu ao misturar frevo e maracatu com hardcore e punk rock. Em 2004, lançou o primeiro EP "Um Só”, mostrando o poder de suas canções. Mais tarde, o músico lançou outros discos, aperfeiçoando suas letras e ritmos - Simulacro (2007), Moto Contínuo (2011) e Telemática (2014). Seu último disco foi indicado a melhor disco de 2019 pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA).


Seu último álbum mistura as texturas do rock com um toque da cultura pernambucana. Como foi o processo de composição e produção?

Devo muito desse trabalho a Yuri Queiroga, produtor do disco. Ele me instigou muito a buscar outras sonoridades, outra forma de escrever e curti muito esse processo.

Escolhemos um tema para definir o disco e a palavra era “sobreviver”. A partir daí comecei a escrever as canções. Musicalmente, falei pra Yuri que queria uma percussão pulsante no lugar da bateria, achava que esse disco tinha essa pegada mais forte de percussão. Aí chamamos Lucas dos Prazeres que é um percussionista incrível pra dar esse ritmo nas canções.

A parte percussiva gravamos em Olinda, depois Yuri veio aqui pro sítio e terminamos as canções.


No quesito musical, seus álbuns parecem distintos uns dos outros. A mudança é intencional ou acontece de forma orgânica, com base no que você consome durante o processo de composição?

Gosto de artistas que se arriscam, então procuro isso na minha obra também. Quando a gente se arrisca, a gente se expõe e gosto de andar nessa linha. Não seria feliz fazendo o mesmo disco a cada lançamento porque achei uma fórmula de sucesso. Meus discos refletem inteiramente o que sinto, o que ando ouvindo e lendo naquele período, como uma fotografia que registra o instante. Gosto mesmo de me arriscar por outros caminhos, assim aprendo mais.


Você já trabalhou com alguns parceiros em suas músicas. Como é esse processo? Vocês compõem juntos?

Gosto de compor junto. Olho no olho. A busca pela música fica muito mais divertida, mas também faço músicas a distância com os parceiros. Adoro compor em parceria, acho uma troca muito legal!


A cena independente mudou muito desde quando você começou a tocar?

Muito mesmo e ainda bem! Quando comecei a carreira estar numa gravadora era decisivo para um artista, hoje não é mais, o que é ótimo, pois abre espaço pra muito mais gente. É só olhar o histórico… De uns 15 anos pra cá, a maioria dos artistas revelados e que alcançaram um certo sucesso são independentes, donos de sua obra.

Fazer música em São Paulo é diferente do que em Pernambuco?

Estrategicamente, São Paulo é importante para qualquer artista. Aqui estão concentrados os canais da grande mídia, o alcance maior. Organizar uma turnê partindo de SP também é mais fácil pelo custo das passagens aéreas. O número de casas de show é maior e também dá pra circular por outros estados que são perto com certa facilidade.

Pra você ter ideia, já toquei mais no Sul e Sudeste do que no Nordeste, e não foi por falta de vontade. O circuito nordestino ainda é difícil. Tem artistas do interior de Pernambuco que não conseguem tocar sequer em Recife, daí você tira como as coisas são difíceis.

Mas creio que estar em São Paulo não ajuda só a minha carreira, mas a de outros artistas, pois sempre estou falando de trabalhos nordestinos nas entrevistas, nos programas que apresento na TV, indicando artistas de Pernambuco para tocar em casas de show por aqui,m ou seja, vamos nos ajudando toda hora pois sei o quanto é difícil viver de arte.

Músico, escritor, produtor e apresentador (ah! ele também ensina receitas em seu instagram, na #tretasdositio - destaque ao pão de leite fofinho que essa que vos escreve fez, amou e se tornou fã), China mostra que é um artista multimídia - e que muitas vezes, não consegue separar o criador de sua obra: “Acho que obra e vida se mistura mesmo. Falamos de coisas muito íntimas nas nossas obras. Vejo o compositor como um cronista da realidade, que sente, que se enxerga dentro dela, então realmente é muito difícil separar a obra da vida, pois o nosso trabalho tá 100% ligado a emoção e a troca de sentimentos”.

Gilberto Gil, Chico Science e Isaac Asimov são algumas inspirações. Sua mãe é a maior referência [ela é professora e escritora de livros infantis] e a música Anti-Herói (Moto Contínuo) foi feita para seus filhos, Tom e Matheus. China escreve sobre política e sua família, mas no final, diz sobre e para todos.

Como tem sido a sua quarentena, continua escrevendo e criando?

A escrita é um exercício diário. Todo dia escrevo algo. Aprendi isso com a minhas mãe, que é escritora. Não me cobro na questão da criação, de ter que criar algo novo todo dia, ter que aproveitar o tempo ocioso e ocupar a cabeça. Às vezes, a cabeça precisa tá desocupada para só aí arrumar o que fazer. Então, estou indo tranquilo nesse sentido. Tem dias que eu me tranco no estúdio, tem dias que nem passo perto dele, mas escrever, nem que seja uma frase, todo dia prático.

Como é o seu processo de criação?

Não tenho um método específico, mas sou muito criterioso com a escolha das palavras, das frases. Pesquiso mil significados para elas, escrevo no caderno, leio, releio, uma boa estrofe é como uma pintura, você olha pra ela e ver beleza, significado. Gosto te tratar bem as palavras e pensamentos, afinal de contas, uma música dura pra sempre, embala momentos, traz lembranças para quem ouve ela, então gosto de ter esse cuidado com as palavras. Mas uma coisa que faço quando tô gravando é colar todas as letras na parede do estúdio, assim fico olhando para elas e me familiarizando com o ambiente que quero propor no álbum.

Você lançou um livro inspirado no seu cachorro, o Carlos. Como veio essa ideia? Como foi escrever um livro infantil? Como foi trabalhar com Tulipa Ruiz?

Carlos viajou de carro comigo de São Paulo para Pernambuco. Foi no sertão, na chapada Diamantina, conheceu bem o Brasil. Em determinado momento da viagem, eu fiquei imaginando o que poderia estar passando na cabeça dele com todas essas coisas que viu… O mar, a caatinga, o cheiro das cidades…. E assim nasceu o livro [Carlos Viaja].

Eu adoro criança, além do livro tenho o Mini Jóia que é um projeto musical pra meninada, e esse amor pelos pequenos vem da minha mãe que é professora e também escritora de livros infantis. Ela educou muitas crianças e acho incrível quem repassa conhecimento, ensina, pois os professores estão formando cidadãos, gente que quando crescer pode fazer um mundo melhor, então já tinha isso dentro de mim e foi fácil optar por um livro infantil.

Quando terminei o livro, só pensei em Tulipa para ilustrá-lo, pois como muito da forma como ela desenha. Fiz o convite e ela aceitou imediatamente. Além do livro com belas imagens, ganhei uma parceira muito querida.

O que você tem ouvido ultimamente?

Descobri uma banda meio brasileira, meio venezuelana chamada Fumaça Preta; tenho curtido muito o trampo deles. Gosto muito de Sofia Freire, Ylana Queiroga, Isaar, e o disco novo de Lia de Itamaracá é uma coisa linda.

Quais são os seus cinco álbuns preferidos?

Afrociberdelia (Nação Zumbi), The Stooges (1979), Roberto Carlos (1970), O Bidú: Silêncio no Brooklin (Jorge Ben Jor) e Roots (Sepultura).

China não tem planos para o futuro, afinal, sobreviver um dia de cada vez é a meta dos brasileiros. O verbo viver não é mais sua música, agora é sua missão. Assim como muitos indivíduos que seguem a quarentena a risca, o artista está aprendendo a lidar com o presente para, no futuro, voltar para os palcos e fazer o que mais gosta: tocar. “O futuro tá lá na frente, mas eu preciso viver e entender o presente antes”, diz.


Para conhecer o trabalho de China ou comprar suas obras, acesse o site: https://www.chinaina.com.br/

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