Os silêncios contemplativos de Eduardo Pereira
- Michele Costa

- 23 de jul.
- 15 min de leitura
Na obra de Dorival Caymmi, o vento não é apenas um elemento natural: ele é personagem, metáfora e símbolo constante de passagem, mistério e sentimento. Como um fio invisível que costura suas canções, o vento se transforma em uma expressão do tempo, carregando mensagens sobre a vida, o desejo, a saudade e a nostalgia. Inspirado pelo legado do baiano, Eduardo Pereira convoca a brisa como narradora de sua própria travessia em Canções de Amor ao Vento (Cantores del Mundo, 2025), seu álbum de estreia.
Maceioense de nascença e criação, Eduardo cresceu na parte alta de Maceió, passando por diversos bairros até chegar à comunidade do Grutão (Gruta de Lourdes), periferia da capital alagoana, aos 15 anos de idade. Foi ali que fez suas primeiras canções. Habituado com a música alta que invadia seu bairro durante o dia, com uma mistura de ritmos como o arrocha, o reggae e o brega, entre outros, foi no silêncio das madrugadas que o adolescente Eduardo começou a compor.
"Nunca me restou muita opção naquele lugar se não aproveitar a madrugada da melhor forma que eu podia pra escrever minhas canções, do jeito que eu gosto: silencioso, delicado, esmeroso, cuidadoso e esperançoso", revela Eduardo.
Composto, produzido e mixado pelo próprio artista, o disco soa como um diário íntimo em forma de música, onde o alagoano revela os caminhos por onde passou, as transformações que viveu e a pessoa em que se tornou. Acompanhado de seu violão e pelas colaborações de Bruno Berle, Batata Boy e Ítallo França, Eduardo Pereira conduz o ouvinte por uma jornada que cruza amor e identidade. Dessa maneira, o álbum transmite uma mensagem de esperança e a ideia de que, apesar das adversidades, há sempre um caminho para encontrar sua plena realização interior.
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O álbum transita entre o amor e a passagem do tempo. Como esses temas surgiram para criar a narrativa do disco?
Foi a primeira coisa que eu tinha em mente quando eu decidi imergir nesse processo, fazer essas canções, fazer esse disco - e só iria sair quando eu tivesse um disco pronto. Um álbum se faz canção por canção e eu fui escrevendo as canções sobre as coisas que mais me apetecia na época. Eu vivia muito na minha casa, eu tava numa rotina muito solitária, tava tentando encontrar algum tipo de sentido na minha própria solitude, na minha própria existência… Eu acho que essas canções, elas foram um processo de, justamente disso, olhar para minha realidade e encontrar nela coisas que me encantasse e fizessem minha vida fazer sentido. As coisas que eu gosto, as pessoas que eu amo, sair, o sol, a natureza, cada elementozinho… Os símbolos, o vento e acho que o amor vem muito disso, assim, acho que o amor é a ligação, né? É a conexão entre as coisas, da conexão entre as pessoas, se sentir conectado com a vida, com a vida que tá ao meu redor, se sentir conectado com as pessoas, se sentir conectado comigo mesmo, com o meu corpo, eu acho que o amor sobre isso.
Sobre a passagem do tempo… Tem o lance de que esse disco demorou pra sair, ele demorou pra ser feito, ele foi feito muito devagar, muito lento, um processo muito esmeroso, muito cuidadoso. Uma coisa que eu faço sempre, por exemplo, é escrever uma canção e deixar ela lá, deixar ela maturando num lugar, e aí o tempo passa, eu ouço essa canção, eu observo se ela conversa ainda com minha realidade, porque eu acho que uma canção, pra ela ser boa o bastante, pra eu colocar ela nesse disco, pelo menos eu achava isso, ela tinha que ser viva: viva no sentido de que ela não morre com o passar do tempo. Eu sou uma pessoa aqui, eu sou uma pessoa daqui a três meses, então se essa música continua fazendo sentido pra mim, apesar dessa passagem de tempo, é porque ela vai fazer sentido pra outras pessoas também. Eu acho que uma música pra ela ser forte, pra ela ter sentido, ela tem que ser viva, como um cachorro, um gato, uma galinha, uma planta.
Você usou a palavra sentido. Durante o processo do disco você encontrou esse sentido ou foi só depois, quando ele ficou pronto?
Eu acho que o sentido - sentido da própria existência é uma coisa mutável, não é uma coisa que você pega assim [fecha a mão e leva para perto de si] e você guarda [e diz] "ah, achei o sentido das coisas." Eu acho que a canção é a busca, fazer canção é a busca por esse sentido, aí você encontra um sentido, mas aí a vida passa, e as necessidades fazem você, de certa forma, buscar por outros sentidos nessa nova vida, dessa nova pessoa que é você. Então, eu acho que o processo do disco todo, ao longo de todos esses anos, foi uma busca por sentido, assim como a minha vida é uma busca por sentido nela mesma. Uma coisa muito importante para mim, é ver sentido no que eu estou fazendo, sabe? Se eu não estou vendo sentido, eu não faço, é por isso que eu faço música.
Você disse que o disco foi feito com muita calma, indo contra a correria, capitalismo, e todos os absurdos que nos cercam. Como foi para você fazer esse disco com toda calma e agora lançar em um tempo onde não temos tanto tempo?
[breve silêncio] Rapaz, é um contraste. Eu sempre me senti essa pessoa meio deslocada no tempo da realidade, apesar de não poder, eu não posso ser essa pessoa. Eu sou da periferia, eu sou uma pessoa simples, eu sou uma pessoa que precisa trabalhar e correr pelo meu também, mas eu corro de um jeito muito diferente. Um ultimato que fiz pra mim mesmo há muito tempo, inclusive durante o processo desse disco, é que eu nunca iria aceitar um trabalho para a minha vida que não envolvesse música. Eu não posso fazer esse tipo de ultimato comigo mesmo, mas tive que fazer, por questões internas, íntimas mesmo. Então, de lá para cá, eu só me sustentei por ofícios musicais, fui professor de música, professor de violão, trabalhei com produção com outras pessoas, fui artista de rua por muito tempo, toquei em barzinhos, faço eventos, me inscrevi em editais, vou fazendo meus corres do que jeito que dá… Mas a minha vida ainda é música, a minha sobrevivência é música - e música é uma coisa que, para você servir a ela, você precisa estar num tempo diferente do tempo convencional. Eu não consigo ser uma pessoa que acorda cedo, que dorme cedo, pra mim é muito difícil, eu vivo muito devagar, muito lento, faço tudo no meu tempo… Eu sinto que o mundo está uma loucura, todo mundo realmente nesse corre para a sobrevivência… Esse disco é isso: uma coisa feita com carinho, com amor, com calma, sem pressa. Eu tô lançando ele nesse mundo e meu sentimento é de que realmente… É difícil para as pessoas pegarem, para as pessoas compreenderem esse tempo. Eu venho percebendo que as pessoas que se identificam com esse disco, geralmente, as pessoas estão numa fase da vida que todo mundo vive, uma fase difícil que fez elas repensarem um pouco a própria existência desse mundo. Elas estão buscando por palavras, por sentido em coisas diferentes. Tenho percebido muito essa coisa de "eu tava precisando muito ouvir essa música, muito obrigado", sabe? Eu tenho me conectado com essas pessoas que, de alguma forma, precisam escapar dessa loucura para achar um tipo de sentido nas suas próprias vidas. São poucas as pessoas que chegam para mim com esse tipo de abordagem… Uma pessoa ali, outra pessoa aqui, sabe?
Ainda falando sobre o tempo, você foi artista de rua. Como foi se apresentar em um tempo em que é muito difícil o outro prestar atenção no que você está fazendo e ver que suas canções dialogam com o que você é hoje?
A arte de rua foi um processo pra mim. Eu comecei a fazer em 2019, pré-pandemia, pela necessidade, sabe? Não é pelo encantamento da coisa, é um ofício difícil de fazer - você tem que levar suas coisas nas costas e achar um local, você tem que brigar para conseguir fazer esse lance, brigar com quem está em volta ali, brigar com o ritmo da cidade… Mas aí você pega e você faz. A primeira vez que eu ia fazer, eu lembro que eu senti muito medo, eu vomitei no dia anterior, eu tive crises, mas eu fui, tem que ir com medo mesmo, pega e faz, precisa fazer. É um processo: as pessoas estão passando e estou ali fazendo minha música, algumas pessoas param, olham, prestam atenção; algumas contribuem… Nunca é uma coisa que se juntam em volta de mim para prestar atenção, até porque eu faço sempre de uma forma muito silenciosa: não falo nada, eu pego ali meu violão, meu microfone, a caixa, começo a cantar as coisas que eu estou afim de cantar, e aí as pessoas vão parando conforme o que elas sentem, conforme se identificam. Eu nunca tento falsar uma identificação. A arte de rua foi o maior aprendizado na minha vida, foi onde eu realmente aprendi a cantar ao vivo, foi onde eu mais aprendi sobre repertório brasileiro. Na rua eu nunca cheguei a cantar muito música minha, eu cantava mais músicas daqui, mais músicas que eu gosto, músicas que dialogam com a cultura regional e nordestina, forró, xote, baião, brega, seresta, músicas de apelo popular, mas que também são bonitas, músicas que trazem uma certa carga de beleza. Eu sempre sou essa pessoa, eu canto do meu jeito, eu canto de um jeito silencioso, e aí eu percebo que de vez em quando conecta com algumas pessoas… Eu acho que as maiores oportunidades da minha vida também eu aprendi na arte de rua, porque a arte de rua é uma parada difícil de fazer, mas também é bonito quando você consegue fazer, sabe?
Você acha que essa experiência te ajudou ou te influenciou de alguma maneira para a construção do disco?
Quando eu comecei a cantar, eu já tinha o conceito do disco finalizado, o conceito feito. Eu acho que a arte de rua me influenciou mais para as coisas que eu quero fazer depois desse disco, mas eu acho que esse disco influenciou a forma que eu faço arte de rua, acho que posso dizer mais isso. Mas a arte de rua me fez repensar a conexão… Acho que foi justamente o contrário: a arte de rua me fez repensar a conexão do que eu quero fazer artisticamente com as pessoas. Eu acho que a partir de agora eu quero prezar mais pela conexão, esse disco ele não preza tanto pela conexão do jeito que eu quero prezar agora. Eu acho que é mais o contrário, o disco influenciou a minha forma de fazer arte de rua e a minha forma de fazer arte de rua. e fazer arte ao vivo em geral. tem me influenciado no que eu quero fazer daqui em diante, porque é uma coisa mais nova na minha vida, esse disco é mais antigo ainda.
E o que você quer fazer daqui em diante?
Cara, continuar fazendo música com certeza. Mas eu sou uma pessoa totalmente diferente do que eu era quando eu concebi esse disco. Eu estava muito numa necessidade pessoal de precisar realmente me isolar um pouco, olhar para mim mesmo, me auto descobrir, me olhar no espelho e saber o que é que eu quero fazer com a minha vida, o que é que eu quero fazer com a música… Eu acho que esse disco ele é muito auto reflexivo, mas ok, eu acho que o que eu tinha que fazer em termos de auto reflexão não tem mais para onde ir [risos]. Eu acho que agora eu quero conexão, eu quero trabalhar mais colaborativamente, eu quero trabalhar mais caoticamente, eu quero trabalhar de forma mais urgente também… Que a minha música tenha mais ligação com o agora. Eu não aguento mais segurar a música, segurar disco, segurar projeto, eu quero sair lançando, sair sangrando para as pessoas verem e sangrarem comigo. Eu acho que eu sou uma pessoa muito mais urbana também, eu moro no centro de Maceió, eu quero trabalhar por uma estética mais urbana, eu quero fazer música urbana, eu gosto dessa ideia. Esse álbum é muito bucólico, eu acho que eu falo muito sobre horizontes, paisagens, árvores, pássaros… Eu agora quero falar sobre ônibus, prédios, celulares, computadores, inteligências artificiais e por aí vai.
"Se eu consigo me apresentar, se eu consigo sentir que eu me apresento ao outro, depende muito do outro, depende muito das pessoas que estão ouvindo. Geralmente, eu sinto que eu consigo me apresentar para as pessoas que eu gosto, para as pessoas que estão mais perto de mim, para as pessoas que estão em alinhamento com os meus caminhos. E, por enquanto, é isso que me importa. Eu não tenho a pretensão de falar com todo mundo, ou de ser entendido por todo mundo, de ser compreendido por todo mundo, não."

A natureza está muito presente e o que me fez lembrar muito de Caymmi, porque ele dizia que o vento soprava respostas. Você concorda com ele? Essas paisagens que você narra em Canções de Amor ao Vento foram os sussurros do vento que te guiaram na construção do disco?
Eita cara, Caymmi foi a minha principal referência. Sou apaixonado pelos discos de voz e violão dele, a forma que ele escreve, a forma que ele canta, a forma que ele toca. Esse lance do vento… Eu nunca tive muita coisa com o vento, nunca tinha pensado muito nele como um símbolo, mas eu fui fazendo as canções, escrevendo e aí eu fui percebendo essa palavra se repetindo. Depois de um tempo, eu tava lendo a bíblia, eu não sou uma pessoa cristã, mas eu estava lendo alguma coisa do Novo Testamento que citava o vento e no glossário tinha dizendo que os gregos usavam a palavra pneuma para se referir tanto ao vento que sopra, o vento físico, quanto a alma, o espírito. Então, quando eles queriam falar alma, eles falavam pneuma, quando eles queriam falar vento, eles falavam pneuma. Era a mesma palavra, não tinha distinção semântica entre uma coisa e outra. E eu fiquei pensando muito nisso e eu tenho muito essa ideia comigo de que eu não sou eu que faço essas músicas, não sou eu que faço música, eu não faço nada. Eu acho que o artista precisa se reduzir à condição de ser canal, a canção vem de outro lugar e a gente precisa tá com a antena assim [leva o dedo acima da cabeça] para ouvir essa canção e saber transcrevê-la com o mínimo possível de interferências da sua personalidade. Eu acho que o processo de criação musical é muito isso, é muito [sobre] você ter um ouvido, um ouvido e você ter a técnica de saber ouvir e transcrever. Eu acho que isso responde bem sua pergunta, essa minha noção assim sobre o que é o vento, o que é o espírito mesmo. E esse lance de que escrever música é escuta espiritual, que tem a ver com o vento total.
Como é essa escuta espiritual para você? Está presente no seu processo de criação também?
Criação para mim não é fácil, não é rápido, envolve muito trampo e envolve também você realmente se trabalhar internamente para ter esse ouvido aberto total. Envolve técnica, envolve repetição, você faz todos os dias, quanto mais você faz mais você se desenvolve, melhor você fica. É uma técnica, uma prática como qualquer outra, é que nem aprender a dirigir, aprender a escrever, é que nem qualquer coisa, é que nem qualquer coisa. É mágico, mas também é material. Não é "ah, tô aqui e aí o negócio vem, e aí eu vou lá", não, tem um trabalho, um dia após o outro.
"O Vento se Eleva no Horizonte" traz suas memórias e ensinamentos a partir de suas vivências. O que você viu e aprendeu em sua trajetória que te impactou para essa canção?
Tô pensando na música. [silêncio, olha pra baixo] É, essa música foi engraçado fazer. Eu tava nesse processo de fazer esse álbum, já tinha algumas músicas feitas, e aí eu fui sair com o meu amigo Batata, a gente foi dar um rolê, e aí essa frase veio à minha cabeça: [canta] "amigos, eu parti numa viagem, só agora que eu voltei. Fiquei distante muito tempo, trago novidades pra vocês." Como que se você estivesse apresentando o que você tá fazendo pros seus amigos, aquelas pessoas que estão ao seu redor, você sobe num lugar e começa a cantar. Antes de cantar as coisas, como se fosse um prefácio pra o que você vai apresentar. E aí, em dado momento, eu tava escrevendo essa música, eu tava martelando, martelando, martelando, martelando, assim, pra saber o que que eu ia colocar depois, e aí não vinha nada… E aí eu falei com uma amiga minha, e ela disse "desiste, vai fazer outra coisa." E aí eu fui assistir Vidas ao Vento [Hayao Miyazaki, 2014], dos estúdios Ghibli. E aí, o filme é cheio de paisagens japonesas e tal, campos… Tinha essa poesia, esse fragmento dessa poesia de um poeta francês, um tal de Paul Valery, que ele falava "o vento se ergue, devemos tentar viver." Esse tema se repetia em vários momentos do filme, como se fosse o filme tivesse sido feito em cima desse tema. Eu achei isso bonito, esse lance, o vento tá se elevando, a gente precisa tentar viver, acabei colocando isso na música.
Você relembra que é preciso viver, mas viver precisa ter coragem e é tão difícil nos dias de hoje. Suas andanças e observações te auxiliaram para encontrar um sentido em meio às dificuldades da realidade? Você pode compartilhar alguma dica para seguirmos a nossa própria viagem?
Cara, que responsabilidade essa pergunta, hein?! Eu não sei se estou nesse patamar para realmente aconselhar as pessoas… Eu não vivo da forma como eu quero viver, não sei se sou um grande vivente, um grande apreciador da vida. Essa conexão que eu tive com a música aconteceu muito cedo em minha vida, eu acho que tudo que devo de positivo em minha vida é por conta da música e da conexão que estabeleci com essa arte, sabe? Acho que a música me forneceu ferramentas para que eu me entendesse nesse mundo, além de criar música - criar a minha vida de forma que a música seja possível. O meu conselho, sei lá, é aquela coisa mais óbvia, mais simples de toda: escuta teu coração, olha para o que tá acontecendo em volta de você, vê o que você tá fazendo reverbera, sabe?
Em "Os Caminhos da Cidade" você canta que tudo faz morada em você e que faz da cidade o seu caminho. Do início de sua carreira até agora, como tem sido essa caminhada, você continua se transformando através das diferentes moradas que são feitas em você?
Essa música veio da melodia e aí eu fui tentando entender quais sentimentos que aquela melodia trazia pra mim para escrever a música. Fiz várias tentativas até ouvir uma poesia do Walt Whitman "Havia um menino que saía" [que traz a imagem] de um menino saindo e as coisas que ele via iam se tornando parte dele - um poema gigantesco escrito em cima dessa ideia. Fiquei encantando com isso e quis fazer uma coisa parecida. Eu lembro… Eu era muito louco! Eu saía com o violão no ônibus e ficava cantando que nem um maluco mesmo, foda-se, e escrevendo… As minhas paisagens preferidas vieram das janelas do ônibus: você sair, olhar pela janela e ver árvores… Maceió é uma cidade que tem muita natureza e asfalto também, sempre uma guerra entre o asfalto e a natureza.
"Esse álbum fala sobre mim, sou eu diante do espelho, falando comigo e tentando encontrar forças para permanecer vivo."
Alguns signos estão presentes nas canções, como sonho, lua e estrelas. O que elas representam para você? O sentido continua o mesmo?
Acho que a minha busca nesse álbum foi usar palavras fortes, palavras que vão ter significados quando uma pessoa escuta no interior de Minas Gerais; se eu falo em 2025 e se acontecer um zumbi apocalíptico entre celulares e etc, as pessoas vão escutar minha música e pensar "as estrelas existem", sabe? Eu quis fazer um álbum com figuras abrangentes. É muito louco, acho que é muito pela minha falta de fé na humanidade, porque eu não conseguia olhar para a maneira que o mundo tá evoluindo e ter uma esperança de que isso vai perdurar, sabe? Acho que os nossos símbolos do mundo moderno são, cada vez mais, efêmeros. Símbolos mais antigos são mais fortes, têm mais força de conexão.
Você fala de sonho e vida repetidamente, mas você consegue sonhar nos dias atuais?
Acho que é nos dias de hoje, por conta de tudo isso, é mais difícil sonhar, mas é mais necessário também, sabe? É muito importante pra mim ter o campo dos sonhos vivo pra conseguir ver sentido na vida, cara. Ter sonhos muito vivos realmente é muito difícil, mas eu preciso trabalhar pra ter sonhos, para conseguir sonhar, ter esperança. Sonhar é ter esperança, sabe? Esperança de que as coisas que tu quer fazer vai dar certo e você vai conseguir fazer. É importante sonhar! Acho que toda pessoa que é artista precisa ter o campo dos sonhos regado.
"Meu Canto Nesse Mundo" fala sobre a saudade baseada em memórias, conversando com o sentido de casa e morada, que falamos anteriormente. Como foi revisitar essa história e olhar em volta e perceber as mudanças, mostrando que a casa não é mais a mesma?
Essa música teve um processo muito diferente de todas as outras músicas, ela não é exatamente uma música pessoal, apesar de que parece, né? Todas as músicas são pessoais e quando você chega nela [vê que a narrativa dá continuidade]. Não foi a intenção. Eu tinha uma amiga que cresceu no interior de Alagoas, uma cidade chamada Ouro Branco, e eu fiz essa música pelo olhar dela, pela saudade que ela sentia. Eu olhava aquilo e achava bonito e pensava "poxa, eu nunca tive esse tipo de vivência", mas por outro lado, pensando que tem um lugar que eu sinto falta também. Todo mundo já foi criança e acho que todo mundo sente falta de um lugar, de um abraço, de um acolhimento, por mais que a gente não consiga explicar o porquê. Pensei muito também em "Asa Branca" de Luiz Gonzaga, essa música que fala sobre esse sentimento… Pensei o que eu poderia dizer sobre mim que converse com esse sentimento dela que seja algo em comum entre nós dois? [breve silêncio] Aí escrevi essa música e canto - mostro tudo na música. Cantar me faz lembrar e faz com que essa coisa se mantenha acesa.
Você relembra que a vida é uma passagem e que um dia voltará para o seu lugar. É um desejo seu ou era enquanto fazia essa canção?
Muitas crenças aí, né? Acho que isso mexe muito no campo das crenças humanas. Eu sempre fui uma pessoa sem crença, porém, sou uma pessoa que se encanta profundamente pelo mundo das crenças. Acho encantador como as pessoas conseguem acreditar nas coisas e saber formar grupos e conceitos sobre. Eu acho que essa crença de que um dia você vai voltar para um lugar é uma coisa tão cristã, né? Eu não sei se tenho isso muito mais em mim esse lance, acho que hoje eu prefiro nem pensar muito nisso. Nessa época eu era muito espiritualizado, hoje eu tô muito mais focado no agora - não sei pra onde eu tô indo, sei lá [risos e faz silêncio]. Eu acho que esse lance de que um dia você vai voltar para o lugar… Você pode acreditar que é uma crença do eu-lírico, uma coisa que mudou. Se eu vou voltar pra algum lugar? Sei não. Tenho pensado muito nisso não, a vida é muito caótica.
Assim como Caymmi, ao trazer o vento para suas composições, Eduardo Pereira canta sobre o tempo: o que passa, o que escapa, o que permanece apenas na memória e no coração. Seu vento é sopro de eternidade. Tomara que ele consiga alcançar outras pessoas.




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