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O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • 16 de jul.
  • 3 min de leitura

O significado de cinema para os diretores pode variar, mas na maioria dos casos se refere à arte de criar narrativas que consiga transmitir emoções, ideias e histórias ao público. Alguns cineastas escolheram retratar os males do mundo; outros, preferem explorar distopias. Para François Truffaut, o cinema foi uma forma de salvação — como ele próprio dizia —, e sua obra se nutriu da própria vida (que, de certa forma, também é a nossa) para emocionar e tocar os espectadores. Baseando-se em escritos inéditos do cineasta, O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut (2024) explora a ligação entre seus filmes e as correspondências para construir o filme com ângulo intimista. 


Dirigido por David Teboul, o documentário busca provar que, para esse cineasta crítico da Nouvelle Vague, vida e cinema formavam um único roteiro. Dessa maneira, o filme avança cronologicamente pelas fases do diretor – infância, formação na revista Cahiers du Cinéma, consagração internacional – enquanto intercala trechos de Os Incompreendidos (1959), Jules e Jim (1962) e A História de Adèle H. (1975), além de fotografias e entrevistas que revelam o homem por trás da câmera.


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O início de O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut retrata a "infância clandestina" do cineasta. Criado pelos avós maternos devido à negligência da mãe e à violência do padrasto, Truffaut foi uma criança rebelde, marcada por pequenos furtos e expulsão da escola. Essas vivências deram origem ao seu primeiro filme, Os Incompreendidos, e inauguraram um cinema profundamente autobiográfico, onde o diretor reflete sobre sua própria existência. "Sempre preferi a reflexão da vida à própria vida", afirmou em entrevista à Anne Gillain.


O filme ganha intensidade sempre que expõe a infância dolorosa – a ausência do pai biológico, os castigos no centro de reeducação, o acolhimento transformador do crítico de cinema André Bazin – transformada em matéria-prima para Antoine Doinel, seu alter ego nas telas. Ao se expor, Truffaut dá ao cinema um sentido íntimo e existencial, revelando-o como um espelho de sua própria trajetória.


Mas é quando Teboul faz das cartas e dos diários o eixo da narrativa que o longa revela um Truffaut inédito: hipersensível, inseguro, atormentado por medos de fracasso artístico e afetivo. Duas vozes se intercalam para ler as correspondências enviadas aos pais, as filhas, a tradutora e cinéfila Helen Scott ou a cúmplices cinéfilos, expondo dúvidas sobre paternidade, paixões não correspondidas e o pavor de repetir a negligência que sofreu na infância. Esses escritos, ora encenados, ora projetados como fac‑símiles, dão densidade emocional ao retrato e sustentam a tese de que a escrita íntima foi laboratório para diálogos e personagens de seus filmes.

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(Crédito: Pierre Zucca)

Essa escolha estética tem custo: ao insistir no "menino ferido" e em vícios da nostalgia, O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut reduz temas decisivos da maturidade do cineasta – a relação turbulenta com Jean‑Luc Godard, seus impasses políticos ou sua evolução estética pós‑1980 – a rápidas menções, deixando lacunas que um olhar crítico sente falta de preencher. 


Apesar de algumas falhas, a obra vale a pena — especialmente nos momentos em que aborda o casamento com Madeleine Morgenstern. Ao se tornar pai, François Truffaut se empenha em romper com o padrão de abandono e violência que marcou sua infância, demonstrando afeto genuíno por suas filhas, Éva e Laura Truffaut. Em um dos trechos mais sensíveis do filme, após ser diagnosticado com um tumor cerebral, o cineasta faz um pedido comovente: que possa viver tempo suficiente para conhecer a filha que espera com a atriz Fanny Ardant, sua segunda esposa. É um momento delicado e profundamente tocante, que revela a dimensão mais humana de Truffaut. 


Não sabemos se a vida é como um roteiro, no entanto, François Truffaut vivia entre realidade e ficção.


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