Quando eu era pequena, visualizava uma vida interessante, isto é, parecida com a de William Miller, protagonista do filme "Quase Famosos" (Cameron Crowe, 2000). Entretanto, com o decorrer dos anos, percebi que viver é perigoso - o capitalismo, os problemas mundiais e a depressão não te deixam viver do jeito que sonhava. Quando você percebe, vê que se tornou em um adulto melancólico e cheio de dúvidas.
No entanto, com as vivências, é possível questionar, refletir e desenvolver novas inquietações para continuar existindo. É através dessa mistura que surgiu "Vida Desinteressante" (Companhia das Letras, 2021), coletânea de crônicas de Victor Heringer, publicadas na revista Pessoa entre 2014 e 2017. Organizado e apresentado por Carlos Henrique Schroder, a obra traz as associações do escritor com a realidade e as observações da cidade.
Assim como seus poemas e vídeos no youtube, "Vida Desinteressante" conversa com o leitor, transformando Heringer em um amigo. Além disso, ele torna-se um mentor ao relembrar de suas viagens e a mudança do Rio de Janeiro para São Paulo. Enquanto caminhava pelas ruas e/ou entrava em algum estabelecimento, o escritor deu voz e o espaço necessário aos renegados e personas que fazem parte das cidades. Inclusive, as metrópoles auxiliam na construção de suas sensações e sentimentos.
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Inspirado na declaração de Adolfo Bioy Casares, Victor escolhe os livros em que viveria. Dessa maneira, "Viver na literatura" vagueia por James Joyce, Joyce de Sena e Drummond - mas é em Manuel Bandeira que encontrou a doçura da vida: "(...) Nem viveria em nenhum dos meus livros, não sou maluco. Quero é ser feliz. Prefiro viver em Manuel Bandeira e de vez em quando aproveitar umas folgas no vácuo com Brás Cubas e a paranoia de Thomas Pynchon."
A poesia está presente em todo o livro, assim como a nostalgia por um passado que não existe mais. É possível encontrar as duas características em "Os sapatos do meu pai", "A vida é maior", "Breve guia do Rio de Janeiro para o turista carioca" e "Os livros que carrego comigo". Entre uma emoção e outra, é possível rir com Victor Heringer, como acontece em "Clique aqui para fotos de gatinhos" e "Ser português".
"(...) Repare em como os amantes que ainda não se conhecem muito bem costumam arrular uns para os outros: você não existe. Não é perturbador? Tem-se vontade de responder: mas eu existo, eu existo, este é o problema, gradualmente me tornarei uma névoa diante de seus olhos, um borrão, um monstruoso interrobang de fumo, mas não irei embora".
Não sei ao certo se Victor Heringer achava sua vida desinteressante. Entretanto, a obra "Vida Desinteressante" não é nada desinteressante (perceba a repetição das palavras para dar ênfase à minha fala), pelo contrário, a evolução dos pensamentos e de suas angústias são as mesmas que as nossas. Por exemplo: tenho pavor de flores em enterro, por isso, quando morrer, espero que ninguém me deixe nada - a saudade já é o suficiente.
Existem perguntas em "A vida é maior". O escritor escreve: "(...) A vida é maior que a conta de luz? Maior que os teus 27 anos de idade?". Para alguns sim, para outros não. Tudo depende de uma perspectiva. A vida é perigosa (Riobaldo repete constantemente a frase em "Grande Sertão: Veredas"), mas ainda vale a pena viver.
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