As inquietações do 43duo
- Michele Costa

- 11 de jul.
- 20 min de leitura
Carl Jung, fundador da psicologia analítica, via a numerologia como parte do inconsciente coletivo, onde certos números funcionavam como arquétipos, ou seja, imagens primordiais que estruturam nossa experiência do mundo. Dessa maneira, o número 3 é associado ao dinamismo, à transformação e ao espírito, enquanto o 4 simboliza a totalidade, a integridade e a individuação. Ao unir os dois significados, o 43duo transforma inquietações existenciais em música, explorando sonoridades que transitam entre o rock e o indie psicodélico.
Formado por Luana Santana (bateria, teclas e voz) e Hugo Ubaldo (guitarra e voz), de Paranavaí (PR), o 43duo vem se consolidando como uma das vozes mais autênticas da cena independente brasileira. Sua sonoridade combina elementos eletrônicos, batidas experimentais e arranjos minimalistas, tudo amarrado por letras densas e poéticas. A discografia da dupla é marcada por reflexões profundas sobre a vida em sociedade, o tempo, os afetos e o papel do indivíduo diante do colapso moderno.
Desde o início - a dupla conta na bagagem o EP 43 (2020) e os álbuns As Pessoas & as Cidades (2022) e Se7e Sonhos (2024) -, o projeto demonstra um compromisso com o pensamento crítico e sensível. O EP Sã Verdade, lançado recentemente, é um exemplo disso: passa por temas como colapso ambiental, consumismo, solidão, e com o olhar voltado para a mudança do pensamento coletivo por meio de práticas e medicinas milenares e psicodélicas.
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Vocês começaram na pandemia. Foi uma maneira que encontraram para lidar com aquele momento sombrio?
Hugo: É, um pouco das duas coisas. A gente é casado, vai fazer nove anos, né, a banda tem cinco anos, né? Então a gente já tinha quatro anos de casado. Eu tocava bateria, a Lu também… Então antes da gente ter um relacionamento, a gente se conhecia aqui na cidade, dela tocar com certas pessoas em algumas bandas, eu tocar em outras. E aí a gente começou a namorar, casou, e a gente sempre gostou muito de viajar, né? A nossa banda é muito viajeira, a gente gosta muito da estrada. Então toda vez que a gente não tava fazendo show, eu com as minhas bandas ou a Lu com as delas, quando dava ela me acompanhava, eu acompanhava ela, se a gente tinha um fim de semana sem show, a gente viajava. Aí a gente sempre ia fazer uma viagem longa, alguma coisa assim, e a gente falava "caramba, a gente podia estar tocando, junto com essa viagem." Depois a gente fez uma casinha no carro, foi pra Argentina, coisas assim, sabe? E a gente sempre via as pessoas tocando em praça, tocando na rua, e a gente ficava "poxa, a gente podia ter um projeto assim." Só que a gente achava que ia ser muito alternativo ou experimental demais duas baterias, né? Ia ser um lance muito diferente, se a gente não vislumbrava. E aí a gente sempre tinha essa ideia. Só que alguém ia ter que passar pra outros instrumentos, né? Que não ia ser o seu instrumento natural. E aí quando chegou a pandemia, a gente falou "não, já já acaba. Ah, vamos ficar aqui em casa, então, fazendo algumas coisas." Nossa casa sempre foi um ponto de encontro, um local de ensaio também. Então já tinha um estudiozinho, tinha cubo de guitarra da galera que vinha ensaiar e tal. Quando a gente viu que ia entrar mesmo, a gente já tinha toda uma estrutura em casa, né? E aí a gente pegou emprestado uma guitarra e falou "ah, vamos pegar uma guitarra e vamos ver o que dá aí." Aí a pandemia não acabava nunca, né? [risos] E aí a gente começou a ensaiar, fazer algumas músicas, as primeiras composições, fez uma, fez outra… Falamos "caramba, acho que vai ser o nosso projeto, tá vindo, né?" E aí foi rolando assim, de uma forma, ele já era pré-pensado, antes da pandemia.
Luana: Só faltava tempo.
Hugo: É, faltava tempo, porque não dava, não tinha como a gente parar um tempo significativo pra eu, por exemplo, passar pra guitarra e ter um tempo bom… Assim, eu já era músico há bastante tempo, então assim, meio caminho eu tinha andado, porque eu já entendia como uma guitarra funcionava, né? Mas eu nunca tinha pego pra tocar. E aí na pandemia, o resultado é que eu tinha, sei lá, 18 horas por dia pra poder tocar a guitarra. [risos] Então eu fiz um super intensivo como banda e aí a gente foi colocando o projeto e a maioria das bandas estavam paradas, né? Então aquele começo tava uma brecha ali, né? Principalmente aqui pra gente na cidade e na região. Então quando a gente soltou o projeto, a galera tava com tudo represado, né?
Luana: E a pandemia, acho que começou em março ali, né? E a gente já lançou a primeira música já com o clipe em junho ou julho... Então a gente foi muito rápido assim também, né? Porque como a gente tinha muito tempo em casa, né? Veio acalhar todo esse encontro desse momento. Então a gente já gravou as músicas, já começou a lançar e todo mundo consumindo na internet. Então a gente ficou ali. Quando a gente pôde sair e fazer um show presencial, meio que a gente já tinha uma parada construída, um certo público aqui local, as músicas lançadas, já tinha um monte de videoclipe, né? E daí a gente entrou de cabeça mesmo. E hoje é o nosso projeto principal na arte.
Vocês criaram uma conexão com o público a partir do digital, em consequência da pandemia, mas essa força segue nos dias de hoje. Mas durante aquele tempo, foi um momento de tentar diminuir a saudade das pessoas também?
Hugo: A gente fazia bastante show, sim, antes da pandemia. A Lu estava em uns três, quatro projetos, eu estava em vários também. Então, assim, era raro o fim de semana que a gente ficava em casa, né? Então, a gente sempre tava naquela jornada que as pessoas da arte têm - que eu creio que você tem também, né - a gente tem dois, três ou quatro serviços. Então, assim, é um trabalho constante, né? Às vezes a família chama pra almoçar fim de semana. Você fala "ah, não tô, que eu tô viajando." E falam "ah, mas tá trabalhando?" Domingo a domingo, trabalhando. Quando entrou na pandemia, no começo, foi aquele baque e foi uma forma da gente conseguir represar todo aquele processo nas canções. Então, a gente ficou muito bem integrado dentro disso. E acontecia de muitas pessoas, assim como você, outras pessoas de sites, portais, entravam em contato, porque elas também estavam buscando isso, sabe? De continuar trabalhando, de se tentar manter sadio com a cabeça ativa e tudo. Então, aconteceu muito da gente ter encontros pós-pandemia de shows com pessoas que a gente já tinha um contato bem grande na internet. Tanto pessoas que produzem eventos, como pessoas que tinham blogs, sites e que indicam locais pra gente poder tocar. Então, assim, é até bacana; a gente vai fazer nossa primeira turnê pro Nordeste e a gente vai ter a oportunidade de conhecer pessoas que começaram a seguir a banda na primeira semana que a banda foi criada e a gente conversa com elas nesses cinco anos. A gente posta as coisas, eles comentavam sempre. Teve gente que a gente conheceu no pós-pandemia, né? Começou a rodar mais, mas teve muitos lugares que a gente foi tocar que eram conexões que a gente tinha desse momento de internet, né? E eu acho que, principalmente, a gente tá vendo agora as pessoas mais jovens começando a sair mais, né? Tá acontecendo a gente ir nos shows e ter pessoas mais jovens. Mas foi muito bacana, porque a gente tem quase sempre um contato com pessoas que têm seguido a gente, que têm assistido a gente, às vezes de longa data e a gente consegue ver depois, sabe?
Falando ainda em pandemia, 43 e As Pessoas & as Cidades abordam vivências da pandemia. Agora que não estamos mais naquele tempo, como se sentem ao revisitar as canções? Estão se reconhecendo fora do sonho, como cantam?
Hugo: Nossa, demais, Michele, porque foi justamente o período, né? É o nosso álbum que tem mais canções, porque a gente tinha muitas canções feitas pra poder trabalhar, porque foi bem na transição dessa forma White Stripes mais crua, e foi quando a Lu começou a tocar os baixos de sintetizador ao mesmo tempo, né? Então isso levou a gente de um patamar de guitarra, bateria e voz pra guitarra, contrabaixo, bateria e voz. Daí foi justamente nesse momento que a gente pôde chegar onde a gente sempre tinha desejo de chegar, que era ter mais camadas nas canções, né? Porque além de tudo, o baixo de sintetizador, ele te possibilita colocar mais brilho, mais densidade nesse contrabaixo, né? Ele não é... Esse synth bass, ele é mais carregado. Então a gente olhou e falou “caramba, abriu um mundo na nossa cabeça.” E as pessoas e as cidades têm essa temática de que algumas coisas soam - principalmente a parte das cidades - como fim do mundo, né? Porque por mais que teve a parte boa da pandemia pra gente, nesse quesito, também não teve coisas legais, né, inclusive pra gente também, né? Aí tem esse lado do fim do mundo, da hora “meu Deus, ferrou, o que a gente vai fazer como sociedade? Como a gente vai se reinventar, como a gente vai pensar as questões sobre crise climática” e tudo isso, né? E a parte das pessoas, querendo ou não, as canções que falam sobre sentimentos humanos, elas estão totalmente ligadas a isso, né? Porque, sei lá, como diz o Leandro Karnal: ninguém vai no psicólogo porque a bolsa caiu, né? [risos] Vai todo mundo por outros motivos, né? E é muito legal porque tem todo esse processo doloroso que entra dentro de um sonho, né? Até às vezes a gente acaba nem usando o conceito mais tanto de pesadelo, sabe? Sonhos são sonhos, né? Eles têm só suas nuances, né? E a gente, sei lá, pelo menos pra mim, acho que eu comecei a me reconhecer fora do sonho a partir do momento que eu percebi que tudo tava uma coisa dentro da outra, sabe?
Luana: Desde o primeiro, o EP 43, sempre teve essa questão de conexão da pessoa com você, nós com nós mesmos e nós com o lugar que a gente tá, né? A gente tem músicas, “Caminho Deserto" e " Revolução Mental” - “Revolução Mental” a gente toca muito até hoje, foi uma das primeiras, né? E a gente fala que a revolução vem da cabeça, né? E a cabeça é uma coisa doida do universo. E daí no segundo álbum, que é As Pessoas & As Cidades, a gente tratou de questões tanto pessoais quanto de convívio social. E quando a gente fala de cidades e pessoas, a gente também tá falando da natureza, né? Porque a gente sempre busca criar essa conexão, assim, de que é a cidade que tá na natureza, né? Não é a árvore que tá na minha rua, é a minha rua que tá na árvore, né? Então, a gente acredita nessa conexão. Quando a gente começa a se conectar melhor com nós mesmos, ter uma consciência mais bacana, como os seres humanos, a tendência é sempre a gente passar a se conectar com a natureza, né? Então, eu acho que foi meio que um caminho. E tudo isso tem a ver com o inconsciente, com os nossos sonhos, com a simbologia. E já que você falou dessa música, “Fora do Sonho", a gente fez ela baseada num poema do Sérgio Sossella - ele é daqui de Paranavaí -, e ele foi um poeta bem bacana, publicou muitas obras, e ele usava essa frase “não me reconheço fora do sonho”. E a gente achou que veio acalhar com a ideia do álbum e daí surgiu essa música.
Vocês costumam compor a partir de vivências específicas ou a partir de um sentimento completo que abrange a sociedade?
Hugo: Das duas coisas. As Pessoas & as Cidades, por exemplo, já começa isso, né? Antes também, como a Lu falou, né? “Revolução Mental”, eu estou um pouco afastado, mas por muitos anos eu pratiquei Zen Budismo, então, eu lembro de estar dentro de um processo de meditação e estar sempre ali praticando e praticando… E aí eu pensei “nossa, caramba, seria muito legal poder falar algumas palavras onde a pessoa possa se sentir mais tranquila” ou falar algo sobre caminhar um passo por vez, estar presente no lugar, manter a respiração, perceber que, às vezes, as coisas não estão boas mesmo, mas talvez a gente pode achar um centro, né? E aí aconteceu o que virou um blues rock, mó energético que as palavras são totalmente meditativas. [risos]
Luana: Totalmente zen e é mó animado a música.
Hugo: É mó animado, né? E a gente não para de tocar ela, porque da primeira leva ali a gente sempre é a única que tá.
Luana: E é a música que a gente fecha o nosso show, porque ela é aquela música, assim, que conquista as pessoas, porque ela é bem energética e tal, então ela é uma música muito boa pra se encerrar um show, né? Então, até hoje a gente... Teve show que a gente arriscou não fazê-la no final que a gente sentiu falta, assim, daquele gás.
Hugo: Algumas pessoas pediram também, tinha gente que ia assistir. E tem muita gente que, por exemplo, não a conhece e que acontece hoje. Teve bons degraus, a gente subiu depois do primeiro álbum, outros mais depois do segundo e agora o terceiro a gente tá conseguindo abranger ainda mais as nossas possibilidades de trabalho, convites, né? Então, a gente tá assim conseguindo cada vez que um projeto novo sai a gente tá conseguindo aumentar o patamar de questão de trabalho, né? E acontece muito das pessoas não conhecerem porque às vezes a pessoa vai naquele trabalho pela primeira vez, ouve o primeiro e aí às vezes ela vai ouvir o segundo álbum, às vezes ela vai ouvir o primeiro e às vezes ela vai ouvir o que tem de antes, o primeiro EP. Então, acontece muito de pessoas não conhecerem ou ouvirem ele e achar legal. Mas o nosso processo, ele é bem híbrido, ele é dual, né? Tem coisas que a gente vive e tem coisas que a gente prospecta, sabe? Em uma abrangência de um sentimento, de uma situação. Igual a gente fez uma turnê pro Rio Grande do Sul. Era o primeiro show que ia acontecer em cidades que a gente ia voltar - foi logo depois das enchentes. Então, a gente ia fazer o show em Porto Alegre, em Novo Hamburgo, toda aquela região ali do Vale dos Sinos, onde teve muito problema das enchentes. E aí aconteceu, assim, de a gente criar uma letra, uma canção, que tentou passar um pouco do espírito do momento, de como a gente se sentiu vendo toda aquela situação, sabe? Ele já tava abrindo de novas casas, mas tava num processo ainda de reconstrução, que até hoje tá, né? Mas muito inicial ali. E acho que a gente também tem essa ideia de tentar sempre falar das coisas o máximo poeticamente que der pra falar, né? A gente não... Pelo menos eu que escrevo as letras, né, eu não consigo ser tão literal. Eu gosto muito do Manuel de Barros também, então acabo sempre escrevendo algumas coisas que ao primeiro momento possam não soar com muito sentido, mas se a pessoa pega e fala “vou ler de novo.” “Ah, acho que pode ser isso.” Mas tem coisas que a gente vive, tem coisas que não. Tem frases, às vezes, que a Lu fala que eu acho geniais, eu anoto num caderno, depois eu uso numa letra. [risos] Então, o nosso processo, ele é bem dual, assim, né? A Lu sempre entra na parte da composição da bateria e do baixo, né? Eu faço a gênese da música ali. Eu faço o clássico, né? Um violão com voz, uma guitarra com voz, escrevo ali as letras e levo pro estúdio pra gente montar o resto junto.
"Em todos os nossos trabalhos, a gente vem pensando nisso, no que a gente quer, qual é a verdade que a gente quer transmitir."
Mas é curioso, porque por mais que não seja fácil compreender, o que é ótimo também, porque faz a gente pensar, ir além e tal, acho que vocês dão um suporte para o ouvinte, dizendo que ele não está sozinho e que também sentem o que o outro está sentindo. Mas, no final das contas, o que vocês querem passar de mensagem para o ouvinte?
Luana: Eu acho que... A gente sente muito isso que você falou agora, porque já teve vários shows que a gente saiu comovido, porque a gente ouviu relatos de pessoas que ouviram o nosso show e falaram “nossa, eu precisava muito ouvir isso que vocês falaram hoje”, acontece muito isso. E, na verdade, eu acho que é isso que a gente quer mesmo. A gente acredita em fazer um pouquinho de diferença, contribuir positivamente pra vida das pessoas, no sentido de a gente criar um... Parece meio clichê, meio besta, mas no sentido de a gente criar uma sociedade melhor, onde a gente saiba conviver melhor com a natureza, principalmente, a gente saiba se conectar com nós mesmos, pra gente poder se conectar com as outras pessoas depois disso, né? E ter um mundo melhor, onde a gente tenha mais paz, mais compreensão, menos ódio, menos rivalidade e, principalmente, saber conviver melhor com a natureza, [porque] o ser humano está destruindo sempre, né? E, inclusive, no sã verdade, a gente tentou caminhar pra essa temática mesmo, que é a questão do... Ecológica, né? Através das músicas ali, a gente foi indo pra... Justamente pra esse... Sermos mais sãos com o que está acontecendo à nossa volta - a sã verdade é um contraponto com a pós-verdade, que é esse negócio de fake news e terra plana e não sei o quê. [risos] Ter essa clareza de ideias pra gente perceber que a gente convive na natureza e a gente precisa dela pra sobreviver, né?
Hugo: É, e é doido porque tem muita coisa que a gente faz, que a gente delibera uma ideia, mas a partir do momento que você grava, ela tá no mundo, as pessoas vão achar o que elas puderem, né? O que a Lu falou é muito legal porque acontece sempre, quase todo show alguém vem falar alguma coisa sobre como se sentiu, como falou da letra… Eu lembro do festival que a gente tocou em Buenos Aires e quando terminou veio um senhor, ele devia ter perto dos 60 anos, e aí ele começou a conversar com a gente, ele veio, comprou uma camiseta, aí ele olhou pra gente, assim, no final da conversa e falou “olha, eu não compreendi tudo que vocês falaram, mas eu sei que é algo muito bonito e importante.” [risos] Aí a gente começa a pensar nesse sentido também de como toda a música, sem a gente querer, às vezes ela está dentro desse espectro do que a gente quer falar, né? Aí é muito legal porque às vezes a música ao vivo tem isso, né? Por questões do local, dos timbres e tudo, você compreende, mas às vezes não compreende tanto. A gente é uma banda que ainda está buscando espaço, então às vezes as pessoas vão para o show sem saber as letras, e é normal, né, elas entendem algumas coisas, outras não, mas acontece isso… O que a Lu falou, da pessoa chegar e falar “nossa, vocês falaram coisas que eu queria ouvir”, a gente estava tocando em Cuiabá, uma moça chegou também no final, muito comovida - a gente também ficou muito comovido - e falou “gente, eu não ia vir, mas alguma coisa falou para eu vir. Aí eu vim no show e vocês falaram um monte de coisas que eu precisava ouvir.” É muito legal porque a sensação que a gente tem, não o momento todo que você está fazendo, porque não é algo deliberado, mas sempre você pensa “poxa, eu vou falar o que eu gostaria de ouvir.” “Vou escrever a canção que eu queria ouvir”, né? Mas, ao mesmo tempo, você pensa, tomara que isso chegue em alguém de um jeito legal. Então, quando isso acontece, é muito bacana porque a gente quer realmente isso que a Lu falou: passar uma mensagem legal, bacana. Tipo assim “ó, as coisas às vezes não estão boas, mas a gente é uma sociedade, é um mundo, um universo, um cosmos todo que está junto.” Essas linhas que são os países não existem, a gente é uma coisa só, então vamos tentar melhorar através da nossa conexão entre nós mesmos e principalmente com a natureza, né?
É muito difícil ter esperanças nos dias de hoje, afinal, vivemos no capitalismo tardio e com a extrema-direita ganhando força cada dia que passa; mas vocês passam essa sensação. Vocês acham que é possível mudar a realidade? Existe realmente esperança?
Luana: Eu acredito que sim.
Hugo: Nós somos otimistas - otimistas realistas.
Luana: Uns tempos atrás eu cheguei numa reflexão sobre esse clichê do bem e do mal - sempre vai existir, porque tem hora que a gente pensa "o mundo tá melhorando" e tem hora que acontece umas coisas que você fala "meu Deus, o que tá acontecendo?" A gente entrou num debate e eu cheguei à conclusão que um tem que existir para o outro, sabe? Tem pessoas que vão fazer o bem para o mundo, mas também vai ter pessoas que vão fazer o mal e a gente tem que saber conviver com isso da melhor forma possível. Tem a esperança, mas não acho que a gente vai zerar para termos um mundo perfeito. É o caminho do meio, a constância pra gente sempre ter esse caminho do meio.
Hugo: Acho que também tem a questão da ação, né? Se a gente soubesse respeitar socialmente a liberdade do outro, a gente resolveria inúmeros problemas. Mas acho que a gente precisa ter esperança, porque se não tiver e não buscar ser melhor, principalmente através da nossa própria ação... Uma coisa é a gente escrever as músicas e quando você conhece a pessoa... [risos] O começo tá na gente. Pra chegar em uma coisa global vai demorar um pouco, mas a gente pode começar pela gente.

Na pandemia vocês tinham um tipo de sonoridade, logo depois que saímos daquela realidade, vocês lançaram Se7e Sonhos (2024) com uma nova sonoridade. Como aconteceu essa transformação? A mudança de tempo, a reabertura do mundo, impactou ou foi algo orgânico?
Hugo: Nessa saída a gente conseguiu iniciar o processo de shows, fazer shows por todo estado e em outros estados e nesse processo, a gente gosta muito de começar a aplicar as canções novas - inserindo-as em doses homeopáticas - nos shows; a gente vai apresentando, as pessoas vão falando e a gente vai vendo o que funciona e o que não funciona. No Se7e Sonhos, a gente foi para um processo que queríamos muito: não fazer a maioria das coisas em home studio...
Luana: Ter uma opinião de fora.
Hugo: Ter uma pré-produção maior e ter uma produção em estúdio mais consolidado. Eu tinha lido uma biografia do Pink Floyd e eu tinha achado super sensacional aquelas coisas que a gente ouve "sete meses fazendo o disco", sabe? E [falamos] "vamos fazer isso!" Tínhamos bastante canções para poder escolher as setes, tínhamos quase 40 canções... Fomos fazendo a pré-produção delas e depois passamos para estúdio com o Felipe Scalone, produtor de Londrina. Nós queríamos fazer assim: trabalhar durante meses, ensaio, grava tudo, vai pra casa e ouve, seleciona, vê se põe mais camadas... Fomos para um lugar que gostamos bastante no álbum... Justamente essa abertura para o mundo foi muito grande para o que a gente queria fazer. A gente fez um álbum que a gente adora, mas ao mesmo tempo tem muitas coisas que a gente não toca ao vivo porque no disco elas estão muito carregadas, porque passamos pelo processo de colocar o que a gente queria - tem orquestra, tem muita coisa! [risos]
Luana: A gente se empolgou bastante com a produção. Foi colocando sonoridades, coisas que ao vivo, entre duas pessoas, não conseguimos reproduzir. Acabou que foi um disco que abriu novos horizontes para nós, foi um degrau, sabe? É um disco que a gente gosta muito, é aquele disco que a gente ouve e pensa "a gente nunca vai tocar isso aqui ao vivo" desse jeitinho que tá gravado por conta de uma incapacidade física de como ele foi feito. Não é aquele tipo de música que é consumida ao vivo da mesma forma que é consumida no digital.
Hugo: Aconteceu bastante de matérias que saíram... A pessoa foi assistir o show em algum festival e comentar "eu ouvi o disco e ao vivo é muito mais pesado."
Luana: É, ao vivo é muito mais legal. Quem tem essa tendência ao espírito mais roqueirinho sempre gosta. Eu brinco que a gente gosta da psicodelia, mas temos a alma de roqueiro - ao vivo, a gente sempre vai para esse lado.
Hugo: E aconteceu porque é uma forma de pensar... Eu gosto muito de ficar estudando essa parte de ouvir tal disco da banda aí vou no show e você percebe que todo mundo coloca mais distorção para compensar a ausência de camada. A gente sempre compensou essas canções que foram muito bem produzidas, são lindas, mas tem muitas coisas e a gente sempre compensou e acaba se tornando uma versão. Não tem um problema especificamente nisso - tem pessoas que já falaram "ouvi o disco e isso aqui não tá." Já aconteceu da gente executar o show e a pessoa falar que adorou, mas que esperava ouvir tal música... Se ela tá nessa leva de mega produção que a gente não consegue reproduzir ao vivo, a gente sempre fica [dá um breve sorriso e olha para baixo].
Vocês não tem medo de ousar!
Luana: De mudar o estilo - não mudar, mas... A gente é muito ousado porque, às vezes, a gente fica pensando "quem é 43duo?" [risos] A gente gosta de fazer o que a gente sente prazer. Claro que temos um objetivo [ao fazer um disco]. Em Se7e Sonhos tínhamos o objetivo de ser mais aberto e chegamos ali. Em Sã Verdade tínhamos o objetivo mais certo, mais fechado e conseguimos chegar nele; mas a gente sempre debate isso, artistas que passam a carreira inteira lançando a mesma coisa e não me vejo assim: 5 anos de carreira, três álbuns lançados... O nosso terceiro é muito diferente do primeiro... A gente não se prende nisso não.
Sã Verdade: a potência do 43duo
Depois de um ano de estradas, experimentações e shows, o 43duo apresenta Sã Verdade, um álbum que condensa a potência do palco e a inquietação das ideias que movem a dupla. As sete faixas foram criadas entre o fim de 2023 e o início de 2024, e chegaram ao estúdio depois de meses de testes ao vivo — um processo pensado para que as canções ganhassem corpo diante do público antes de se tornarem registro.
"As composições refletem a visão de mundo que cremos, e como vivemos. Só adicionamos um pouco de psicodelia e um olhar onírico. Nos sentimos muito bem ‘mandando’ algum tipo de mensagem, é uma coisa que traz sentido para nós mesmos, e nos motiva a seguir a caminhada artística", comenta Hugo.
O disco foi financiado com recursos oriundos da Fundação Cultural – Prefeitura de Paranavaí, Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura, Ministério da Cultura – Governo Federal.
Sã Verdade traz a sonoridade quando tocam ao vivo, mostrando também a mudança do primeiro lançamento, 43. Como vocês pensam nessa história que foi traçada? Vocês chegaram na sonoridade desejada?
Luana: Eu acho que o nosso terceiro álbum é um mix de tudo que a gente fez. Aí a gente peneirou e ficamos com aquilo que tá funcionando para nós hoje. A gente começou com um som cru, com poucos recursos - uma guitarra emprestada, White Stripes ali - aí imigramos em As Pessoas & as Cidades que já desenvolveu um pouco mais as camadas, descobrimos que eu conseguiria tocar o sintetizador e a bateria ao mesmo tempo então começamos a mirar nisso... Em Se7e Sonhos, a gente [faz um barulho com a boca e sorri] tem um milhão de possibilidades sonoras aqui e vamos colocar tudo porque vai ficar tudo muito lindo. Ai no Sã Verdade não - vamos fazer agora o que cabe na nossa realidade que é [a partir do] começo que é mais roqueirinho com sintetizadores e com a psicodelia de Se7e Sonhos. O Sã Verdade a gente veio muito "vamos fazer um álbum e vamos consegui-lo tocar na íntegra a forma que ele foi gravado" - parece meio óbvio falando assim, mas quando a gente lançou o Se7e Sonhos, a gente não tinha essa possibilidade, né? Falando por mim, eu fiquei levemente frustrada nesse sentido. Tem também a questão de que as pessoas gostam muito dos nossos shows ao vivo e eu acredito que essa é a nossa verdade que também veio a calhar com o próprio nome do álbum, onde fizemos essa reflexão recentemente pra esse trabalho com a temática do pós-verdade, mas ele traz a verdade mais crua do 43duo que é essa sonoridade. O Sã Verdade só poderia ter sido lançado agora, não tinha como ele ser lançado antes - tudo que a gente fez foi para chegar nele.
Hugo: Como a Lu falou, às vezes, foge um pouco do nosso olhar... A gente, como ser humano, repete histórias - inúmeras bandas falam sobre isso. Temos muitas possibilidades e sabemos que a linguagem do álbum é uma linguagem e que ao vivo é outra coisa. Esse caminho do primeiro ao terceiro [álbum] é um pouquinho de tudo que teve de legal no primeiro e no segundo e que está no terceiro. A gente tá super feliz!
As letras do EP abordam colapso ambiental, consumismo e solidão - resultado do capitalismo e globalização. No fim, vivemos entre tantas pessoas que não existem mais sementes para lançar?
Hugo: Essa frase [da música "Navio de Sonhos"] é uma homenagem para uma banda da nossa cidade que se chama Gralha Azul que existe desde o fim dos anos 60. Teve um festival aqui na cidade, que leva o nome da banda, que fomos convidados pra tocar uma música deles e eles tocarem uma música nossa e demos a ideia de fazer uma versão, apresentamos para o pessoal da produção e eles acharam super legal e tal; essa música tem essa frase que a gente usou em loop, como se fosse um overdubbing da frase. A gente tá numa região que se tem mais conflitos com os assentamentos do Sem Terra, então, é um lugar que tem bastante violência por luta por terra... A gente fez essa turnê pelo Centro-Oeste e pelo Norte e você via pedaços abissais de terras inférteis, onde ninguém fazia nada, sem plantar comida de verdade. Acho que parte da urgência que o mundo tem é entregar terras. A gente precisa ter mais mãos de pessoas que lancem sementes - e que não sejam sementes de soja. [risos]
Turnê de Sã Verdade
No fim de abril, o 43duo iniciou a turnê do último disco. Confira as próximas datas da turnê abaixo:
18/07 - Maringá, PR - Tribos Bar
23/08 - Novo Hamburgo, RS - Outro Mundo Acontece
Para mais informações, acompanhe a dupla pelo Instagram.




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