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O manifesto de MONCHMONCH no fim do mundo

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • há 2 dias
  • 8 min de leitura

Em meio ao colapso climático, ao desespero urbano e ao abismo entre ricos e pobres, MONCHMONCH apresenta MARTEMORTE (Saliva Diva/Seloki Records, 2025), trilha sonora do fim do mundo. Visceral e caótico, o projeto une a força bruta do hardcore com uma crítica feroz ao capitalismo tardio e seus milionários insaciáveis. Gravado no Brasil e Portugal, o disco traz o grito de revolta diante de um planeta à beira do colapso. 


monchmonch
(Créditos: Marina Mole)

O projeto atravessou transformações sucessivas até emergir como um disco conceitual, construído entre dois continentes e múltiplas linguagens. O conceito em questão é o cenário que engloba o trabalho: bilionários colonizam Marte e, de lá, assistem — e contribuem — para o colapso da Terra. Absurdos do mundo pós-moderno são expostos com humor, ironia e um apego simbólico ao pão de queijo, transformado aqui em alegoria de desejo, poder e banalidade. Esse pano de fundo narrativo é sintetizado na faixa "JEFF BEZOS PAGA UM PÃO DE QUEIJO". 


As faixas velozes de MARTEMORTE acompanham uma HQ com interpretações dos nove temas que compõem o repertório, além do vinil do disco que conta com um lado B exclusivo. MONCHMONCH é um instrumento de resistência e desconforto. 


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Como surgiram essas imagens que você expôs em MARTEMORTE?

Acho que é uma mistura entre o sonho e a realidade. É acordar e ir pensando o que eu quero, né? Porque este álbum tem muito esse lugar do surreal com a realidade, assim, desse mundo hiper capitalista, mas ao mesmo tempo parece que está um pouquinho no futuro, mas ao mesmo tempo parece atual… Esse espaço, com o hipocampo e o cérebro que não dá para distinguir o que é realidade e sonho - a construção ia muito disso. Eu ficava pensando ali com o olho fechado, já meio dormindo ou dormindo, aí acordava, ia já pensando outras coisas agora nesse outro estado da mente… E aí nesse dorme, acorda, dorme, acorda, chegou nesse conceito final que tá lançado.

Você acha que é melhor viver no sonho ou nessa realidade absurda?

[olha para baixo e demora para responder] Olha, eu tenho sonhos muito divertidos, eu sinto que às vezes até nos meus pesadelos eu me divirto, porque acho que, sei lá, eu sou o tipo de... Cada pessoa sonha de um jeito diferente, né? Mas normalmente ou eu não lembro dos meus sonhos ou eu lembro totalmente deles. Só que quando eu lembro totalmente deles é quase como se eu estivesse comendo uma pipoca no cinema, assistindo [o sonho], sabe? Então, sei lá, mesmo nos pesadelos é como se eu estivesse vendo um filme de terror, eu me divirto, sabe? Tem a música do álbum passado [GUARDILHA ESPANCA TATO (2023)], "Netuno", foi totalmente de um sonho. Certamente, se eu pudesse escolher ficar um dia inteiro ali dentro da minha cabeça, sonhando com tudo que for possível seria muito divertido, mas essa realidade daqui é a realidade, é onde a coisa é brutal, mas o mundo está numa situação deplorável… Acho que esse álbum tem muito de tentar falar sobre essa catástrofe do mundo e tentar passar uma mensagem que é radical, de uma mudança mais radical, mas não coloca isso de uma maneira agressiva… Tanto que "JEFF BEZOS PAGA UM PÃO DE QUEIJO" é uma música extremamente anticapitalista, só que ela é, não sei, tem uma coisa palatável aí… O álbum inteiro tem essa coisa do cômico, então acho que esse lugar de o mundo tá acabando e botar essas ideias mais revolucionárias, tem essa carga revolucionária, mas de uma maneira que seja nesse lugar do sonho mesmo. O sonho, às vezes, é um pesadelo, mas mesmo assim você está prestando atenção, sabe? Então eu queria passar a mensagem sem ser tipo "olha aí, mais um falando do capitalismo", sabe? Eu queria que fosse tipo "Jeff Bezos para um pão de queijo há há há" e aí meio que a mensagem entra na pessoa sem ela saber quem trouxe, sabe?


Como você se mantém fiel às suas ideias e ideais?

Eu acho que tenho me permitido muito manter esse sonho ativo e muito foi o selo que eu tenho aqui em Portugal e o selo que eu tenho ali no Brasil - a Saliva Diva em Portugal e a Seloki - , eles tem me ajudado muito. É muito difícil a carreira de artista, principalmente o artista que não faz música convencional, experimenta… Acho que ambos me abriram muito sustento de poder estar mais solto, sabe? Pô, a Saliva Diva é isso: nasceu o meu vinil, eles marcaram os meus shows aqui em Portugal, tornou a coisa sustentável de receber pelo meu trabalho e pelo meu material lançado - essa organização, esse coletivo. No MONCHMONCH eu levo a cara, mas é um trabalho de muitas, muitas pessoas. No caso desse álbum, tanto a banda brasileira quanto a portuguesa, toda a equipe visual, o pessoal das histórias em quadrinhos também e o fato de estar todo mundo ali acreditando nessa ideia… Esse sonho com o coletivo de um mundo sem os bilionários [risos], é todo mundo ali acreditando nesse sonho e possibilita muito. Todo mundo que vai nos shows também acredita vai lá comprando no bandcamp, paga os ingressos, curte, pula comigo, pula com a banda… Acho que isso é o que torna a chama acesa pra eu continuar criando e soltando essas coisas na função do delírio coletivo. Eu posso cantar pra um alemão, posso cantar pra um americano, eu posso cantar pra um brasileiro, pra um português, todo mundo ali se encontra na realidade de "JEFF BEZOS ME PAGA UM PÃO DE QUEIJO", porque tá todo mundo sob a mesma maldição.


"O meu espaço de compor é estar com a cabeça enfiada debaixo de um travesseiro, de olho bem fechado. E aí eu faço muitas imagens, uma mistura de imagens com som."

Suas músicas são eufóricas, mas seus shows têm uma camada a mais. Como você constrói essa experiência para o público?

[risos] Eu sempre fui uma pessoa que tive muita dificuldade de dançar em público. A primeira vez que eu me soltei, no sentido corporal, foi uma vez que eu fui num show de rock e um amigo meu me empurrou para uma roda punk e aquilo foi muito bom, porque imediatamente… Não sei, eu costumo chamar - eu e outros artistas - de rock solar ou punk solar, não é aquela roda pra dar soco, mas é aquela roda pra pular junto, sabe? A minha primeira roda foi uma dessas e virei amigo de todo mundo que eu estava do lado… Deu uns 5 segundos, me levantaram, tavam levantando todo mundo - uma hora era uma pessoa, outra hora era outra pessoa [faz gestos com os braços], aquela liberdade corporal e mental instantânea… Eu sempre penso nos shows em tentar libertar essas noias que a gente tem, sabe? "Eu não sei dançar, o meu corpo é feio, sei lá o que..." Mano, só pula aí um pouco e para de pensar um pouco, só pula! Nos meus shows eu sempre tento criar um ambiente - sou meio rígido, falo "gente, não se bate, é pra todo mundo pular junto e se eu ver algum soco eu vou parar essa porra aqui" - sou autoritário pra ser divertido, né. Ninguém vai se machucar! É [sobre] tentar quebrar essas normas, tem shows que eu mostro a minha bunda, entendeu? É um ambiente acolhedor.

Já que não dá pra ser livre na sociedade, o teu show é o lugar para todos serem livres…

Pode tudo, mas não pode qualquer coisa. Não tem espaço pra cuzão! É o amor. Tem rodas punks que são violentas, mas ali é tudo consensual. [risos]

Já que é um espaço libertador, você, ali no palco, consegue ser você de verdade?

Os shows são os lugares que eu sou mais verdadeiro. Eu sinto que quando a gente sonha é quando a gente tá no nosso mais real, quando a gente acorda estamos numa ilusão. Acho que, às vezes, a gente bota... Tipo, isso é o plano real, mas eu acho que a nossa consciência é mais real no sonho... Sei lá, eu acordo e tenho que ser sóbrio, né? A gente tem que trancar as coisas que a gente pensa, agir de tal maneira... Beber dois litros de água, tomar banho, passar desodorante, ganhar dinheiro... Essas banalidades que a gente precisa se calar na realidade. Acho que quando chega a hora do show, eu tô mais próximo do sonho e ali eu miro no meu eu de verdade, sabe?

Qual é o pior momento da realidade?

Acho que o fato da gente poder tá aqui, fazendo uma entrevista, fico até... Não sei, enquanto a gente faz a entrevista, tem pessoas que estão sendo bombardeadas. Nesse sentido, qualquer coisa ruim parece banal. Eu ainda tenho a possibilidade de fazer o meu sonho, ainda tenho a possibilidade de sonhar, falar sobre isso... Tem pessoas que não conseguem escapar disso. Acho que consigo responder essa pergunta na minha maneira, mas esse álbum é muito mais sobre o mundo do que a minha realidade. O meu sofrimento não importa.

Você acha que existe uma maneira para melhorar?

[breve silêncio] Eu falei sobre isso em uma entrevista anterior. Acho que no caso do Brasil - eu não sou cientista político e nem nada - mas aquele lance de opinião [risos]... Acho que a gente tá numa situação... Indígenas morrendo, comunidade negra morrendo, políticos... O governo liberal... A estrutura do Brasil meio que torna essa única possibilidade. A gente precisa começar a enxergar que a esquerda só pode ser radical, tem que ser diferente do capitalismo. Se não for radical, o mundo acaba. Olha a questão ambiental, a gente não tempo mais! Como você muda um sistema onde o dono da bola domina o estádio, os jogadores e o juiz?


Caso você veja o Jeff Bezos, você realmente pediria para ele um pão de queijo ou mandaria ele para o inferno?

Eu arriscaria a minha vida... [risos] No final do álbum, assim como os quadrinhos, eu começo acreditar nas pombas e nos alienígenas, é um futuro para além do humano, porque é um buraco... Como a gente sai disso? Você vê a realidade e percebe que precisa ter algo mais radical. No álbum, eu coloquei um futuro para os bichos e para os alienígenas porque eu não sei pra onde vai esse buraco de minhoca... Eu não queria ter colocado esse final, obviamente eu quero outra coisa, mas é o mais real. Eu quero ver as comunidades crescendo e terem as luzes que merecem.


"Eu quero mais é criar conexões, sabe? Chegar num show e uma pessoa falar "pô, eu me conectei muito com essa mensagem" e a gente conversar, tomar uma cerveja juntos. Ou daqui 20 anos, eu ver um vídeo meu tocando pros meus amigos, sabe? Chorar... É isso que importa, o coletivo."

Você apresenta MARTEMORTE como "a trilha sonora do fim do mundo e os ecos de uma realidade interplanetária." Você acha que é possível adiar esse fim e se vingar dos bilionários? 

Precisaria organizar muitas coisas [risos]. Quem sabe um dia eu estarei com uma espada e uma cabeça nas mãos? Acho [que é continuar] cantando o que dá pra ser cantado, tentar entrar nessa mesma sintonia com os outros... A melhor coisa que se tem pra fazer é se desenvolver nas suas respectivas comunidades, ficar amigo do seu vizinho e conversar com ele... Tá no lance muito do olho no olho, sabe? A galera foi demitida?! Então vamos fazer uma greve. Tá com problema de comida? Vamos tomar uma horta. Não acho que nasci pra começar a fazer isso, mas ajudar o próximo e determinar o inimigo certo é importante.


Em "HOMEM MÁQUINA" você diz que o show tem que continuar, mas como é possível sendo que eles vão para marte e nós para morte, como canta em "JEFF BEZOS"?

Ao longo do álbum, eu coloco nas mãos dos aliens. Eu realmente não tenho a mínima ideia, tudo que eu posso fazer é tentar conversar ou brigar, mas não fique com essa falsa democracia, porque não tá certo.



MONCHMONCH em Portugal

Após se apresentar no Brasil, MONCHMONCH segue com a turnê em Portugal, acompanhado por sua banda. Confira as datas:

05.07| Lúcia-Lima Associação Cultural – Cantanhede

06.07 | Bragança – Museu do Abade de Baçal

12.07 | Festival ROCKinBARCO – Guimarães 

14.07 | TBA


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