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Formas de Voltar Para Casa

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • 10 de jul.
  • 3 min de leitura

Qual é o significado de casa? Por que, quando crianças, sorrimos ao reconhecer o caminho de volta, mas, já adultos, sofremos ao retornar? Seria a memória um sinônimo possível para "lar"? E os familiares de presos políticos — conseguem, de fato, voltar para casa? Em Formas de Voltar Para Casa (Cosac Naify, 2014), Alejandro Zambra busca refletir sobre o sentido do lar enquanto revisita os escombros do passado. Tendo como pano de fundo a ditadura chilena, o autor entrelaça lembrança e ficção na tentativa de compreender o ontem enquanto escreve, no presente, um romance.


formas de voltar para casa

Seguindo o tom íntimo de seus primeiros livros — Bonsai e A Vida Privada das Árvores (ambos publicados pela Cosac Naify em 2012) — Zambra posiciona sua família no centro da narrativa. Mesclando entre o autobiográfico e a invenção literária, Formas de Voltar Para Casa parte de um terremoto ocorrido em Maipú, em 1985. O narrador, então uma criança, aproxima-se de uma menina chamada Claudia, que o encarrega de vigiar seu tio Raúl — missão que ele aceita sem entender. Ainda que inocente, o gesto remete diretamente ao clima de vigilância instaurado pela ditadura: o monitoramento de "suspeitos" fazia parte do modus operandi dos militares. Com delicadeza, Zambra investiga a memória, a culpa e o silêncio de uma geração que cresceu à sombra do fascismo de Augusto Pinochet.


Mas este está longe de ser um romance político nos moldes tradicionais. A obra se constrói como uma reflexão íntima sobre os legados invisíveis que atravessam pais e filhos, o público e o privado, a História e as histórias pessoais. 


"Agora não entendo bem a liberdade de que gozávamos na época. Vivíamos numa ditadura, falava-se de crimes e atentados, de estado de sítio e toque de recolher, e mesmo assim nada me impedia de passar o dia vagando longe de casa."

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Composto por quatro capítulos — "Personagens secundários", "A literatura dos pais", "A literatura dos filhos" e "Estamos bem" —, o livro desestabiliza o leitor tanto pela estrutura quanto pelo conteúdo. Ao tentar entender o silêncio dos pais e os traumas de quem sobreviveu, Zambra nos oferece respostas (ou seriam reflexões?)  em espelhos fragmentados, sugerindo que retornar ao lar é, antes de tudo, encarar fantasmas, silêncios e dúvidas. Como ele mesmo escreve: "Prefiro permanecer, habitar esse tempo, conviver com esses anos, perseguir longamente imagens esquivas e examiná-las com cuidado."


Há uma sensação constante de deslocamento. O narrador adulto tenta compreender seu papel como testemunha passiva de um tempo brutal. Sua relação com os pais, com a ex-companheira, com o reaparecimento de Claudia e com a literatura serve de espelho para uma geração órfã de heróis, sem grandes causas, que tenta reconstruir o passado com fragmentos frágeis.


"Um dia desses essa casa não vai mais me receber. Queria habitá-la de novo, ordenar os livros, mudar os móveis de lugar, arrumar um pouco o jardim. Nada disso foi possível."

Com uma linguagem econômica, lírica e precisa, Zambra evoca um Chile introspectivo, onde o trauma coletivo reverbera em gestos cotidianos e silêncios densos. O silêncio, aliás, é quase um personagem — ele molda a narrativa, ou seja, é o material com que o autor constrói a ficção. É nessa ausência de ruídos que Zambra encontra sua voz e, por meio dela, volta ao passado para tentar apaziguar suas inquietações.


Talvez retornar à casa do passado possa parecer uma condenação. Mas, nas mãos de Zambra, esse retorno se transforma numa possibilidade: a de reconstruí-la sob novas perspectivas. Ao escrever sobre si mesmo e sobre seu tempo, ele escreve também sobre a nossa dificuldade em habitar o passado — e sobre como a escrita pode ser, se não um retorno definitivo, ao menos um reconhecimento daquilo que restou.


"(…) Recordamos, mais propriamente, os ruídos das imagens. E às vezes, ao escrever, limpamos tudo, como se desse modo avançássemos para algum lado. Deveríamos simplesmente descrever esses ruídos, essas manchas na memória. Essa relação arbitrária, nada mais. Por isso mentimos tanto, afinal. Por isso um livro é sempre o reverso de outro livro imenso e estranho. Um livro ilegível e genuíno que traduzimos, que traímos pelo hábito de uma prosa passável."

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