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ImpressĂ”es: O Perigo de Estar LĂșcida

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • 25 de set. de 2024
  • 3 min de leitura

Escrevemos todos os dias: listas, e-mails, mensagens e pensamentos - existe um propĂłsito para cada atividade. Mas o que leva um indivĂ­duo a se dedicar Ă  escrita? AliĂĄs, ele descobre sua profissĂŁo ainda na infĂąncia? A natureza solitĂĄria dos escritores os levam Ă  loucura ou Ă© a loucura que os levam para a literatura? Em O Perigo de Estar LĂșcida (Todavia, 2024), a escritora e jornalista, Rosa Montero, responde essas inquietaçÔes a partir de estudos sobre as ligaçÔes entre a criatividade e instabilidade mental. 


Rosa abre o livro confessando que foi na infĂąncia que descobriu que algo estava "errado" dentro dela, ou seja, carregava sentimentos e sensaçÔes que nĂŁo eram compreendidas por outras pessoas. A angĂșstia, por exemplo, surgiu quando era pequena - a inquietude e o sofrimento a atormentavam; assim como Virginia Woolf: apĂłs a perda da mĂŁe, passou a ter crises, deixando-a de cama por dias. EntĂŁo, os artistas tĂȘm tendĂȘncia a ter transtornos mentais? Podemos considerĂĄ-los estranhos? Mas qual o significado desta palavra? 


Segundo a autora, não existe ninguém normal - e ela explica: "Uma pesquisa do Departamento de Psicologia da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, publicada em 2018, afirma algo que basta pensarmos um pouco para tornar-se óbvio: a normalidade não existe. Porque o conceito de normal é uma construção estatística derivada do mais frequente." Durante sua participação no Roda Viva, Rosa Montero falou mais sobre o assunto: "Vendem para nós a ideia de que a normalidade é sinÎnimo do mais habitual, do mais comum, mas isso é mentira. Na verdade, a normalidade é uma construção cultural, uma construção social, e vem de "norma", de "normativa", é uma espécie de molde que depende da época e da sociedade, e nos obrigam a entrar nele." 


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o perigo de estar lĂșcida
(Créditos: Divulgação/Reprodução)

Durante a leitura, me peguei pensando sobre o que nos leva a escrever. Por que escrevo este texto e tantos outros diariamente para subir neste site? É uma maneira de dar razĂŁo Ă  existĂȘncia? Veja bem, eu nĂŁo sou escritora, diferente de Rosa, porĂ©m, assim como ela, Virginia, Sylvia Plath, Jack Kerouac e Joan Didion, escrevo porque Ă© necessĂĄrio, uma exigĂȘncia. JĂĄ dizia Clarice Lispector: "Sou uma mulher que escreve porque, para mim, escrever Ă© como respirar, faço para sobreviver."


"(...) Quem nunca desejou fugir do confinamento da prĂłpria vida? (...) Quem nunca desejou ser outro? Conter-se dentro de uma sĂł identidade Ă© empobrecer. (...) É por isso, porque os outros sĂŁo uma tentação, que nĂŁo gosto de escrever romances autobiogrĂĄficos. O mais maravilhoso Ă© sentir-se dentro de indivĂ­duos diferentes de vocĂȘ."

Em O Perigo de Estar LĂșcida, Rosa dĂĄ voz Ă  teoria que desenvolveu dĂ©cadas atrĂĄs: o indivĂ­duo escreve por conta de traumas sofridos na infĂąncia. AtravĂ©s de pesquisas cientĂ­ficas e escritores - Ernest Hemingway, Marcel Proust, Emily Dickinson e entre outros -, compartilha a ideia. Em um determinado momento, apresenta a teoria do psicanalista SĂĄndor Ferenczi, onde "diante da dor, a criança cria um cuidador "que sabe tudo, mas nĂŁo sente nada"; e a segunda, que essa criança traumatizada, "passa se defender do perigo representado pelos adultos sem controle, precisa se identificar com eles."" Em seguida, Rosa passa pelo suicĂ­dio, consequĂȘncia das doenças mentais. Virginia encheu os bolsos de pedras e entrou no rio porque nĂŁo suportava mais as vozes de sua cabeça, assim como Sylvia e Ana Cristina CĂ©sar. 


No decorrer das pĂĄginas, conhecemos tambĂ©m o processo de criação de Rosa Montero. A necessidade de escrever histĂłrias surge de repente, como um breve pensamento. E nĂŁo Ă© sĂł isso, a obra tambĂ©m aborda medos e receios de Rosa ao iniciar uma histĂłria, mostrando que escritores tambĂ©m sĂŁo inseguros, assim como nĂłs. "(...) Escrever Ă© sem dĂșvida reescrever; vocĂȘ faz e refaz cem vezes o mesmo parĂĄgrafo, e Ă s vezes joga um capĂ­tulo inteiro no lixo e volta a escrevĂȘ-lo com mudanças importantes." 


"Ser romancista, na verdade, Ă© uma atividade bastante estranha, quase diria extravagante. Consiste em passar uma quantidade enorme de tempo, dois anos, ou trĂȘs, ou o que for, trancada sozinha num canto da sua casa, inventando mentiras (...). E, ao imaginar, vocĂȘ investe o melhor de sua existĂȘncia. Suas horas mais Ă­ntimas."

O Perigo de Estar LĂșcida mostra que todos sĂŁo estranhos e que nĂŁo existe lucidez nos dias de hoje, ou se existe sĂŁo para aqueles que ignoram as vozes e sentimentos que estĂŁo dentro deles. Escrever ainda Ă© o melhor remĂ©dio para criar novas histĂłrias, memĂłrias e calar os demĂŽnios do passado. 

©2020 por desalinho.

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