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Foto do escritorMichele Costa

Impressões: O Perigo de Estar Lúcida

Escrevemos todos os dias: listas, e-mails, mensagens e pensamentos - existe um propósito para cada atividade. Mas o que leva um indivíduo a se dedicar à escrita? Aliás, ele descobre sua profissão ainda na infância? A natureza solitária dos escritores os levam à loucura ou é a loucura que os levam para a literatura? Em O Perigo de Estar Lúcida (Todavia, 2024), a escritora e jornalista, Rosa Montero, responde essas inquietações a partir de estudos sobre as ligações entre a criatividade e instabilidade mental. 


Rosa abre o livro confessando que foi na infância que descobriu que algo estava "errado" dentro dela, ou seja, carregava sentimentos e sensações que não eram compreendidas por outras pessoas. A angústia, por exemplo, surgiu quando era pequena - a inquietude e o sofrimento a atormentavam; assim como Virginia Woolf: após a perda da mãe, passou a ter crises, deixando-a de cama por dias. Então, os artistas têm tendência a ter transtornos mentais? Podemos considerá-los estranhos? Mas qual o significado desta palavra? 


Segundo a autora, não existe ninguém normal - e ela explica: "Uma pesquisa do Departamento de Psicologia da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, publicada em 2018, afirma algo que basta pensarmos um pouco para tornar-se óbvio: a normalidade não existe. Porque o conceito de normal é uma construção estatística derivada do mais frequente." Durante sua participação no Roda Viva, Rosa Montero falou mais sobre o assunto: "Vendem para nós a ideia de que a normalidade é sinônimo do mais habitual, do mais comum, mas isso é mentira. Na verdade, a normalidade é uma construção cultural, uma construção social, e vem de "norma", de "normativa", é uma espécie de molde que depende da época e da sociedade, e nos obrigam a entrar nele." 


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o perigo de estar lúcida
(Créditos: Divulgação/Reprodução)

Durante a leitura, me peguei pensando sobre o que nos leva a escrever. Por que escrevo este texto e tantos outros diariamente para subir neste site? É uma maneira de dar razão à existência? Veja bem, eu não sou escritora, diferente de Rosa, porém, assim como ela, Virginia, Sylvia Plath, Jack Kerouac e Joan Didion, escrevo porque é necessário, uma exigência. Já dizia Clarice Lispector: "Sou uma mulher que escreve porque, para mim, escrever é como respirar, faço para sobreviver."


"(...) Quem nunca desejou fugir do confinamento da própria vida? (...) Quem nunca desejou ser outro? Conter-se dentro de uma só identidade é empobrecer. (...) É por isso, porque os outros são uma tentação, que não gosto de escrever romances autobiográficos. O mais maravilhoso é sentir-se dentro de indivíduos diferentes de você."

Em O Perigo de Estar Lúcida, Rosa dá voz à teoria que desenvolveu décadas atrás: o indivíduo escreve por conta de traumas sofridos na infância. Através de pesquisas científicas e escritores - Ernest Hemingway, Marcel Proust, Emily Dickinson e entre outros -, compartilha a ideia. Em um determinado momento, apresenta a teoria do psicanalista Sándor Ferenczi, onde "diante da dor, a criança cria um cuidador "que sabe tudo, mas não sente nada"; e a segunda, que essa criança traumatizada, "passa se defender do perigo representado pelos adultos sem controle, precisa se identificar com eles."" Em seguida, Rosa passa pelo suicídio, consequência das doenças mentais. Virginia encheu os bolsos de pedras e entrou no rio porque não suportava mais as vozes de sua cabeça, assim como Sylvia e Ana Cristina César


No decorrer das páginas, conhecemos também o processo de criação de Rosa Montero. A necessidade de escrever histórias surge de repente, como um breve pensamento. E não é só isso, a obra também aborda medos e receios de Rosa ao iniciar uma história, mostrando que escritores também são inseguros, assim como nós. "(...) Escrever é sem dúvida reescrever; você faz e refaz cem vezes o mesmo parágrafo, e às vezes joga um capítulo inteiro no lixo e volta a escrevê-lo com mudanças importantes." 


"Ser romancista, na verdade, é uma atividade bastante estranha, quase diria extravagante. Consiste em passar uma quantidade enorme de tempo, dois anos, ou três, ou o que for, trancada sozinha num canto da sua casa, inventando mentiras (...). E, ao imaginar, você investe o melhor de sua existência. Suas horas mais íntimas."

O Perigo de Estar Lúcida mostra que todos são estranhos e que não existe lucidez nos dias de hoje, ou se existe são para aqueles que ignoram as vozes e sentimentos que estão dentro deles. Escrever ainda é o melhor remédio para criar novas histórias, memórias e calar os demônios do passado. 

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