Por 25 anos, Allen Ginsberg e Jack Kerouac trocaram correspondências. Amor é uma das palavras mais utilizadas por Ginsberg - inclusive, ela está presente no poema "Canção": "O peso do mundo / é o amor. / Sob o fardo / da solidão, / sob o fardo / da insatisfação / o peso / o peso que carregamos é o amor". Através de suas visões, o poeta imaginava um mundo livre de guerras, capitalismo e obscuridade, repleto de compaixão. Em uma determinada carta, Kerouac rebate a "visão romântica" do novo mundo do amigo, mas Ginsberg defende sua ideologia: "(...) O que você agora acha que é louco é na verdade o amor e é são", respondeu em outubro de 1948.
O mundo se modernizou, mas os mesmos problemas continuam presentes (e escandalizados!), por isso, é necessário encontrar uma maneira para fugir da realidade para sobreviver - ainda bem que existe a arte. Após a primeira apresentação, realizada em julho, no Bona, Cida Moreira e Helio Flanders se uniram mais uma vez para celebrar a amizade e a contracultura. Dessa maneira, o uivo de Ginsberg - misturado com David Bowie, Bob Dylan, Angela Ro Ro e Sérgio Sampaio - segue presente nos dias atuais.
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As primeiras notas do piano, comandado por Cida, no Sesc Avenida Paulista, exalam a melancolia de "Uivo", publicado em 1956: "Eu vi as mentes mais brilhantes da minha geração destruídas pela loucura, famintas, histéricas, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa". Com atmosfera revolucionária e potente, o público é blindado da banalidade contemporânea, ou seja, naquele cômodo é possível encontrar a tão sonhada liberdade.
Com um repertório que mistura músicas autorais e de outros artistas, Cida Moreira e Helio Flanders apresentam suas referências em um encontro de gerações que seguem com o sonho desvairado de serem artistas no Brasil. A interpretação de "Life on Mars?", de Bowie, é o ápice da apresentação - a crítica segue pertinente. É possível ver o amor dos amigos entre os olhares, trocas e brincadeiras. Lembro da frase do poeta americano: "(...) Tudo é amor. (...) Existe uma só lei, e a maioria dos homens tenta viver como se sua lei fosse diferente, como se eles tivessem um entendimento próprio."
Nunca foi fácil seguir a trajetória, ainda mais em um mundo tecnológico e mudanças constantes de algoritmos, mas é necessário ir adiante, com a cabeça erguida. Como escreveu Kerouac ao amigo: "A vida é o que nos dá desejos, mas não nos dá direitos para realizarmos esses desejos. Isso é bem malvado - mas você ainda assim pode fazer o que quer, e o que você quer é certo, quando você quer de forma honesta. O dinheiro nos odeia, como um servo, porque é falso. Henry Miller estava certo; Burroughs estava certo. Deixe-se levar a si mesmo, é o que digo."
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