É possível viver dias perfeitos no capitalismo? Com o massacre diário - privação de sono, transporte público lotado, salários inapropriados, falta de qualidade de vida e a correria do dia a dia - esquecemos, constantemente, que a existência vai além das preocupações e contas. Mas como encontrar motivos para sorrir e sentir prazer no dia a dia? Wim Wenders responde essa pergunta (e nos dá esperança) em Dias Perfeitos, lançado neste ano.
A sinopse do filme é simples: em mais de duas horas, acompanhamos Hirayama (Kōji Yakusho), um homem de meia idade que vive sua vida de forma modesta como limpador de banheiros em Tóquio. Admirador da simplicidade, ou seja, silêncio e natureza, essa característica está no filme todo: o seu lar não possui nenhum luxo, tudo é simples e organizado. Aliás, é através dos símbolos que conhecemos o protagonista: músicas, livros e fotografias são suas paixões e são elas que contribuem para que Hirayama continue vendo beleza enquanto existe.
Em Dias Perfeitos, Wenders critica o modelo de vida perfeita vendido pela mídia e apresentado nas redes sociais. Não é preciso ter muito e ser igual aos outros, pelo contrário, há beleza ao acordar sem despertador, conferir a paisagem através da janela, sentir o vento no rosto, ler um bom livro, aproveitar a solidão e limpar banheiros para ganhar o seu próprio dinheiro. Cada dia é diferente, dando a possibilidade de sermos diferentes, melhores.
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Encontrar um caminho (ou seria uma fuga?) na vida moderna é difícil, mas quando conseguimos encontrar uma maneira, aproveitamos o mundo melhor, sob novos olhares - de compreensão, amor e gratidão.
O filme ganha nova potência quando a sobrinha de Hirayama aparece de surpresa na casa do tio. Uma adolescente que veio por livre e espontânea vontade passar uns dias na casa do mais velho. Em pouco tempo descobrimos que existe um conflito familiar: enquanto o homem vive uma vida simples, a irmã é rodeada por riqueza. A sobrinha fugiu de casa por não aguentar mais o ritmo consumista e cansativo? Aliás, é necessário fugir das amarras da família para continuar vivendo dias perfeitos?
Para retratar os diferentes mundos, o diretor utiliza tonalidades que apresentam as variedades vertentes que a realidade possui: os tons claros reforça o esforço do protagonista em seguir uma vida correta; enquanto os tons mais escuros - cinza e preto - despertam a melancolia que persegue Hirayama.
A trilha sonora contribui para que o telespectador reflita sobre sua própria trajetória: quando toca “Perfect Days”, de Lou Reed, lembramos que vamos colher aquilo que plantamos, por isso, é necessário ser uma melhor versão de si mesmo todos os dias.
Lembremos da frase de Thoreau, em Walden: “o homem mais rico é aquele cujos prazeres são mais baratos”. É possível viver dias perfeitos.
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