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Eliminadorzinho eternamente: entre o ontem e o sempre

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • há 4 dias
  • 18 min de leitura

Voltar a 2016 e ouvir Nada Mais Restará. é revisitar um registro curto, mas cheio de intensidade, que parecia antecipar uma sensação de fim (da juventude) e recomeço (da vida adulta, seja ela o que for). O EP condensa inquietações e sentimentos que, à época, soavam quase como presságios do que seria a eliminadorzinho, um trio que buscaria novos caminhos, mais profundos e intensos. 


Embora lançado em tempos sombrios, Rock Jr. (2021) evoca um diário esquecido no fundo da gaveta: nele estão guardadas as urgências, os excessos e as descobertas de uma juventude que não tinha medo de se lançar ao mundo. O disco de estreia parecia gritar pela vida que havia sido retirada sem permissão.


Agora, chega Eternamente, (2025) - com vírgula após o significado de permanência que dá a ideia de continuidade da eliminadorzinho - traz a maturidade de quase dez anos de trajetória dos amigos Gabri Eliott, João Haddad e Tiago Schützer, mas sem perder a espontaneidade que os acompanha desde o início. Há nele espaço para afetos, desilusões, contemplação e energia — uma síntese perfeita sobre as diferentes gerações que alcançam. Aliás, o que chama atenção nesse percurso é a forma como dialogam com públicos distintos. Aos jovens, oferecem identificação imediata, seja na fúria ou na delicadeza. Aos ouvintes que agora rondam os 30 entregam um espelho: muitos cresceram com vocês e continuam encontrando sentido no que cantam.


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Rock Jr. marcou um momento importante na trajetória da banda. Como vocês enxergam hoje esse disco dentro da identidade/história de vocês?

Gabri: Ah, eu acho que pra gente é engraçado pensar no Rock Jr. como um começo, porque... 

Tiago: Total, eu ia falar a mesma coisa!

Gabri: Porque quando ele saiu, a gente já tinha mais de cinco anos de banda, e a gente já tinha vários lançamentos, né? Ele é o primeiro disco cheio que a gente chamou e tal, e a gente sempre sabia, entre nós, a gente tinha o sonho, desde o começo, de lançar um disco cheio, de gravar várias músicas, pelo menos umas oito ou dez, pra gente poder, de alguma forma, se estabelecer como banda, sabe? Porque eu sinto que as pessoas só levam as bandas a sério quando elas têm um disco, né? Você pode lançar um trilhão de singles, EP… Mas é engraçado isso, porque a gente tem pensado muito nesse começo da banda - o começo pra valer -, em 2016, porque ano que vem vai fazer dez anos, né? A gente tem falado muito sobre isso, que é uma loucura, que se passou muito rápido, teve a pandemia no meio, que lógico fez aí ter um buraco de tempo que parece que voou.

Tiago: Uma dilatada, né? 

Gabri: Exato. Mas, de qualquer forma, eu acho que vale ainda a pergunta, né, porque o Rock Jr. foi em um sentido como um começo - ele foi mesmo, de várias formas, né? Eu acho que nos dois primeiros EPs que a gente teve, a gente tinha um som bem diferente, a gente tinha... Eu compus e gravei, inclusive, o baixo no primeiro EP, mas era uma banda que ia ser meio que só minha, inicialmente, tipo, eu queria compor umas músicas minhas e soltar. Eu chamei o Tiago e o Had, que é o nosso baixista, porque a gente já teve outras bandas juntos; então, eu sabia que eles sabiam tocar comigo, a gente era muito amigo também, já fazia mais de dez anos. Então, eles vieram meio que pra somar no ao vivo, e, eventualmente, a gente foi percebendo que funcionava como uma banda que não era só minha, que era uma coisa de nós três. O Rock Jr. foi meio que esse processo… A primeira vez que a gente conseguiu colocar tudo como uma visão muito do trio, eu diria, né? Não sei se é necessariamente a primeira, mas talvez a mais consolidada. A gente teve um segundo EP que a gente tocou ao vivo e tal, mas o Rock Jr. eu sinto que ele fechou esse ciclo da primeira parte da banda, digamos assim…

Tiago: Foi o primeiro trabalho que a gente começou a olhar mais como projeto que teria que ser mais redondo como um todo - até por ser maior, né? Os primeiros EPs a gente lançou o que a gente tinha… A gente começou a tocar, estávamos tocando ali umas oito músicas no primeiro ano de banda, gravamos as quatro primeiras, depois gravamos as quatro segundas. E aí a gente começou, pro Rock Jr., a compor um pouco mais com propósito, tipo, “essa composição é para o álbum ”ou “vamos tentar compor para o álbum”, tentando achar esses processos. 

Gabri: Até dentro da própria estrutura de álbum também, né? Tipo, de pensar, sei lá, o álbum já tem seis músicas, falta uma para abrir, falta uma para compor o meio do disco… 

Tiago: A Eli já trabalhava em estúdio, mas a gente não era músico profissional, hoje talvez seja, pode-se dizer. [sorri] A gente tinha muita dúvida de como fazer as coisas assim, a Eli fazia muita coisa, sabia umas coisas de produção e tal; mas eu lembro que a gente teve uma ajuda muito grande do Luden [Viana, integrante da banda E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante] que foi produtor de um jeito meio conselheiro… Ele ajudou muito nessa estruturação do negócio como uma coisa mais profissional. Foi diferente dos outros que eram registros mais crus; e também foi um momento que a gente começou a ser chamado pra tocar, em 2019, principalmente, quando a gente tava gravando o álbum. Então foi consolidando essa coisa de mais confiança. 

Gabri: É, e o Rock Jr. serviu muito para isso também, ele veio num momento… Na real, a gente tava produzindo ele num momento que a gente estava ensaiando muito, tocando muito, tipo, antes de lançar mesmo, antes de gravar, na verdade, porque a gente queria gravar ele muito bem, a gente queria realmente estar muito afiado. E aí 2019 foi o primeiro ano em que a gente, como o Tiago falou, lidou como um trabalho: a gente ia para o estúdio duas vezes por semana, a gente ensaiava pra caralho até terminamos [o disco]. A gente tinha muitos planos para lançar em 2020, mas veio a pandemia e a gente só conseguiu lançar em 2021. Até por isso que eu acho que é, de uma certa forma, o lançamento do Rock Jr. fecha esse primeiro ciclo da banda porque era um momento muito diferente do que a gente esteve depois da pandemia, né? 


eliminadorzinho
(Créditos: @pedefeijoao)

Como foi essa ideia de imaginar um projeto solo, com músicos de apoio, mas logo depois, transformar em banda e pensarem que o que vocês estavam fazendo é trabalho mesmo?

Gabri: Ah, eu vou começar falando um pouco e acho que o Tiago vai ter uma perspectiva mais legal. Eu queria ter um projeto solo, mas ao mesmo tempo, eu acho que ele nunca era muito pra ser só eu, sabe? Tipo, eu não... No começo eu não tinha tanta essa clareza, hoje em dia eu tenho mais, mas eu não consigo fazer música de um jeito que eu gosto mesmo, sozinha. Tipo, eu acho muito difícil. Na época eu ainda achava um pouco mais fácil - acho que até porque a minha vida era muito diferente, a gente era adolescente, saindo da adolescência, saindo do colégio, eu tinha muito mais tempo livre, eu gravava músicas… Como o Tiago falou, eu pesquisava sobre produção musical, eu queria ser produtora musical… Então tinha vontade de fazer o negócio sozinha. Eu sinto que depois que a gente começou a tocar nós três - eu já tive outras bandas também, inclusive com eles, como eu já tinha falado - e a fazer shows e tal eu falei “ah, faz muito mais sentido a gente estar tocando ao vivo.” E isso foi inclusive uma coisa que foi muito importante para o que a gente tá passando agora com o Eternamente, porque quando a pandemia chegou foi uma época extremamente… Eu conheço muitas pessoas que compuseram muito durante a pandemia, usaram a música como uma ferramenta pra ajudar a passar por aquele momento tão difícil e eu não consegui. A música quase que desligou da minha cabeça. E aí eu percebi depois que é uma coisa muito social, porque eu só sei fazer se for com eles - [essa ideia] ficou muito clara pra mim neste disco. Quando a gente se colocou pra fazer esse disco, quando juntou as três partes, a gente correu e meio que compôs tudo no decorrer de dois anos.  

Tiago: Tinha um disco que já tava gravado e a gente ficou meio assim, do tipo “tá, mas o que que falta? E tudo meio exaustivo. O que a gente tá fazendo? O que falta? Quando que a gente vai lançar? Mas vamos lançar sem dar [data de] show?” Eu até lembrei de uma música minha, a gente tocou juntos uma vez, mas a gente não lançou que é “Gravidade”, uma música que eu tocava no violão. Por anos eu a toquei no violão, na pandemia eu toquei ela muito, mas ela não tinha letra. Aí passou a pandemia e teve um momento que eu falei “acho que vou escrever” e escrevi ela meio que de uma vez porque eu tava voltando a ver pessoas, tava tendo outros estímulos. 

Por serem uma que precisam do encontro com outras pessoas, como foi lançar um trabalho grande e denso durante a pandemia? 

[breve silêncio] Gabri: O Tiago comentou um pouco sobre como foi, a gente tinha o disco gravado, mas faltava fazer um monte de coisa… Quando começou a pandemia, de verdade, a gente tinha acabado de gravar, então faltava fazer o pós-gravação, a pós-produção, mixar, masterizar e tal. E aí foram coisas que a gente foi demorando pra fazer, porque naquele começo de pandemia a gente não sabia direito o que ia acontecer… A gente tava “daqui a dois meses vai tá todo mundo voltando ao normal”, então foram demorando essas coisas. A gente ficou tanto tempo nessa coisa, tipo, falta mixar, falta masterizar, falta fazer a capa, falta ver como é que a gente vai lançar, o dia que a gente vai lançar, a gente vai lançar como… Foram dois anos ali, o período de 2020 e 2021, em que a gente não tocou e a gente quase não se viu… Sei lá, as coisas meio que parecem perder o sentido um pouco. Por que a gente tá lançando esse disco se a gente não tá tocando? Eu acho que isso não estava tão claro pra gente quanto é hoje, mas o show é a banda! A eliminadorzinho não existe sem show - acho que até por isso foi difícil a gente lançar o Rock Jr.  Parece que foi um período até menos extenso do que foi para quem ouve porque o Rock Jr. chegou no final de 2021 - pra gente, ele tava pronto, de certa forma, no final de 2019. Realmente foram seis anos pra gente poder se alinhar, até por isso que tem tantas músicas novas no trabalho novo - a gente tava com uma energia guardada ao longo de 2022, principalmente em 2023 e 2024, quando a gente voltou a fazer shows.  


Sabendo que vocês são uma banda que precisa de pessoas, de um coletivo para continuar, vocês acham que tem essa missão - talvez essa não seja a palavra certa - de auxiliar o outro, principalmente os mais jovens, a suportar a existência? 

Gabri: Sim, sim, mas eu acho que isso é mais natural do que poderia ser, talvez, porque a gente, como eu falei, é amigo há mais de vinte anos - a gente viveu tudo junto! Tiago é a pessoa que sempre tirava o sarro de tudo, até hoje também [risos], e eu acho que a gente desenvolveu um senso de humor da banda muito doido porque era antes só [entre] os amigos e hoje é de uma banda. Acho que é por isso que é natural, especialmente no Eternamente, porque a gente aprendeu a deixar essa veia meio engraçada, meio humorística, entrar na música. No começo eu até tive alguns receios [risos], às vezes, o Tiago escrevia uma letra que não tinha nada a ver e eu ficava “ai meu Deus, será que a gente tira essa letra?” Aí eu parei e pensava “não, é a parte da música dele” e eu acredito muito no poder da interpretação - mais do que qualquer coisa -, importa muito menos o que a gente tá escrevendo do que a pessoa tá ouvindo. Você fala uma coisa na música e, por conta da métrica, a pessoa vai escutar uma coisa diferente… Eu ouvindo música gringa, eu não presto muita atenção em letras, então, você ouve o que faz sentido para você na hora. Acho que até por isso eu gosto de fazer umas letras mais engraçadas ou que, às vezes, é meio nonsense, porque realmente bate para as pessoas de um jeito que é muito imprevisível e eu gosto disso. Quando a gente lança a música, a música é meio que das pessoas agora, então, ouçam e interpretam. [risos] 

Tiago: Você falou de missão e a Eli já deu uma risadinha - não sei se você lembrou da mesma coisa - [porque] a gente teve um momento ali, quando a gente começou, fechamos o ciclo do Rock Jr. e estávamos vendo o que a gente ia fazer, o Had começou a fazer uns discursos do tipo “não gente, a gente continua existindo porque a gente é bom. A gente tem uma coisa que a gente pode fazer para os outros, para o mundo, que é fazer rock e a gente tem que fazer o nosso rock.” A gente já sabe que a gente sabe fazer isso e essa é a nossa missão, sem poupar esforços, fazendo de verdade e até o fim. Ele falava que era pelas crianças “a gente tá fazendo isso pelas crianças.” [risos] 

Gabri: Justamente porque é quem a gente quer que essas músicas cheguem. Eu sinto que no começo de uma banda, você fica com um pouco de medo de só criança gostar da sua música, você fica “eu já não sou mais criança, quero que as minhas músicas cheguem nas pessoas sérias…”

Tiago: Nas pessoas maduras…

Gabri: É, só que hoje em dia, eu sinto que, até porque tivemos essa mudança de público, a gente ter chego na molecada, numa segunda geração, eu fico pensando que é a melhor coisa que a gente pode ter porque é uma galera nova que tá ouvindo a gente enquanto eles estão conhecendo música - isso vai ser formativo da mesma forma que muita coisa foi formativa pra mim. 


"Eu acho que quando eu comecei a escrever e a gente começou a lançar, eu percebi que parte do motivo que faço isso é para as pessoas se sentirem juntas." Gabri Eliott 

Em “Eu só preciso de um tempo”, vocês cantam “vou me agarrando onde der”. Hoje em dia, vocês continuam se agarrando onde dá? 

Gabri: Ah, sim e não. [risos] “Eu só preciso de um tempo” foi uma música que eu não pensei muito para escrever, ela meio que surgiu no final do disco e acho que foi por isso que ela veio muito sincera. Ela era muito sobre se expor, a letra inteira é meio sobre se ver pelado diante de uma multidão… O próprio começo que fala “os panos caem” é meio como se você estivesse em um palco, a cortina caindo e tá todo mundo te vendo e como você reage com isso? Eu sinto que hoje em dia tá todo mundo se agarrando onde der - é o que a gente tava falando no começo, Michele: segunda-feira, todo mundo fodido, trabalho… De certa forma sim, mas eu ia falar que pra gente, como banda, digo por mim, a gente se agarra muito nos outros - eu no Tiago e no Had e eles em mim. Eu sinto que, de certa forma, essa letra vem desse jeito: o “onde der” não precisa ser uma coisa precária, sabe? Acho que todo mundo tá se agarrando em coisas que são importantes, que estão lá… A gente acha no que se agarrar, né?! Não precisa ser uma coisa ruim isso, se agarra como abraço, sabe? [sorri] 

Tiago: Eu acho que essa mudança da gente crescer e amadurecer, não é que a gente não vai mais falar de coisa triste, continuamos falando de outro jeito - tem um processo de amadurecimento aí. Acho que antes as coisas eram mais cruas, sentimentos crus, uma coisa meio fossa, meio “como um roqueiro deveria expressar essa depressão?”, uma coisa meio tentando entender como isso poderia ficar dentro de uma música de rock… Hoje em dia a gente fala “vamos escrever assim” e a gente escreve, meio que aprendemos a expressar do jeito que vem e entender mais claramente o que tá fazendo.  

Tenho a impressão de quando somos jovens, precisamos - com uma certa urgência - falar sobre o que sentimentos. Agora, enquanto envelhecemos, vamos com calma. É engraçado imaginar isso pegando a letra de “Baixo Astral” porque tem a questão dos 30 anos e se sentir para baixo com essa idade. Hoje, anos depois, existe uma maneira de não ser baixo astral? 

Gabri: Ah, acho que tem. Uma coisa curiosa pra mim… Eu escrevi essa música numa aos 21 anos e faltava pouco para os 30, mas eu lembro de um momento - não sei se foi na pandemia ou antes ou depois - em que eu parei de me preocupar em fazer 30 anos como [eu percebi] que, na prática, eu queria fazer 30 anos, sabe? Até o sentido da música mudou muito pra mim, porque, antes, tinha muito esse medo de “estou perdendo a minha juventude” e, depois, pra mim, virou uma coisa muito foda-se, sabe? Eu quero mais é viver a minha vida e chegar nos 30 vai ser uma benção, uma aventura. Por mais que “Baixo Astral” tenha esse sentimento - para uma cabeça jovem - apocaliptico, muito dificil de lidar, ela, inicialmente, era uma música engraçada; eu lembro de rimar pra ficar engraçada, mas teve uma galera que se conectou muito com essa frase e faz sentido; mas hoje já tem outro sentido pra mim.  

A minha interpretação foi um pouco mais pessimista, peço desculpas. 

Gabri: [risos] É engraçado porque lembro que uma pessoa até falou “essa música vem com o peso de quem toma uma cartela inteira de remédio para dormir” e eu fiquei “meu Deus do céu, não é sobre isso!” [risos] É uma música pra ser divertida também, não precisa dar risada e ficar feliz, é uma música sobre coisas difíceis, mas… Hoje, chegando aos 30, eu olho para ela e a vejo como eu já a imaginaria e a gente dá risada porque a gente não sabia de nada. 


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(Créditos: Divulgação/Reprodução)

O título Eternamente, sugere uma permanência, mas tem uma vírgula. Por que existe uma vírgula? Qual o significado do título? 

Tiago: Tem [algum significado]? Eu não lembro porquê tem a vírgula. [risos] Você lembra? 

Gabri: Eu lembro médio. 

Tiago: Ia ser uma frase, né? 

Gabri: É, ela constrói como se fosse um final de uma carta: eternamente, eliminadorzinho - como se a gente estivesse assinando a carta, mas eu não acho que seja a única interpretação que faz sentido e que eu pessoalmente goste. A gente queria que ela fosse assim, mas ela tem uma coisa de - como eu posso dizer? - continuidade, até mesmo a palavra eternamente. A gente lembrou que parte do motivo de termos colocado a vírgula foi porque o nosso primeiro EP, Nada Mais Restará, tinha um ponto final quando a gente lançou, mas acho que nos streamings não tá com esse ponto. Eu sinto que [a pontuação se deve] porque é um disco muito melodramático, ele tinha essa coisa de que nada restará, um nome profético, pesado, porque é um disco pesado - acho que ele é baixo astral nesse sentido. Já no Eternamente, ele tem essa leveza, essa consciência de que ele não acaba quando ele acaba - a gente quer fazer esse disco durar. A gente fez um disco longo e que não segue necessariamente uma trend musical, ele não é uma produção polida, é uma produção muito crua e, nesse sentido, muito nossa porque é uma banda crua. Somos um trio não por acaso, a gente gosta desses espaços vazios, a gente gosta dessa bagunça de três pessoas tentando se encontrar - nesse sentido de eternamente com a vírgula. 

Tiago: Eu acho que tem uma vontade, dentro das tentativas de escolher nome - não tô justificando nada, só tô falando sobre processo -, a gente tava tentando fazer um nome que fosse diferente também. Eu lembro de passar na minha cabeça em algum momento “a maioria dos nomes de alguma coisa são substantivos” e eternamente é um advérbio, ele não é uma coisa exatamente. Acho que a coisa de colocar uma vírgula é colocar uma sujeirinha mesmo… “Ah, mas os jornalistas vão escrever errado” e que escreva errado - é algo que a gente quer bancar, não é sobre queremos ser diferentões, mas fazer de algo bagunçado, sabe? É original no final. 

Gabri: É engraçado porque as pessoas têm acertado [o nome] e ver que as pessoas estão comprando essa estética. 


Em “A Cidade é uma Selva” vocês relatam que não há nada para fazer para parar de sangrar. Pelo o que vocês sangram e por que há uma perseguição sobre isso? 

Gabri: Tiago, começa você e até se quiser contar como surgiu essa música… 

Tiago: Essa música [surgiu] de um dos processos orgânicos. Assim como cada ouvinte vai criando seus significados para o que ouve, a gente foi criando significados para ela. Acho que [ela fala] sobre alguma situação extrema, de algo que não tem saída e a gente vai morrer nessa cidade e é isso. [risos] É um sentimento de urgência, mas com muita piada - acho que essa música é uma das faixas com mais piadas. Eu diria que é algo mais escrachado, sabe? Algo que parece aquele sangue do Tarantino [mexe as mãos e faz um longo ‘aaaah’], os mosquitos matando a gente e tal…

Gabri: Ela é uma música que exagera essas situações, como, por exemplo, essa coisa de estarmos sendo atacados pelos insetos, mas ao mesmo tempo existe essa outra camada que pode ser mais profunda ou não… Mas eu acho que essa música se usa do humor de uma maneira muito confortável. Eu acho que essa parte do sangrar, eu sinto que tem a ver com essa paranoia de morar na cidade e estarmos o tempo todo preocupados em ser assaltado, alguém vai passar a perna na gente, tentando não ser otário… Pra mim é o tempo todo tentando sobreviver na cidade - e não tem nada que se possa fazer para fugir disso. [risos] 


Em “Cha Chap Chuap Pop” vocês cantam que estão vivendo numa lembrança de um mundo particular, sendo o oposto de “A Cidade é uma Selva”. Como é esse mundo que vocês criaram durante essa canção? 

Gabri: Essa é uma música que eu acho bem legal a construção dela porque a gente foi construindo - eu e o Tiago, inclusive - a letra dela… Acho que é uma música sobre um movimento, sabe? Ela começa, abre a música com uma pista de dança de uma forma melancólica, parece muito - na minha cabeça - estar vivendo essa lembrança, mexendo no celular. Eu acho que esse começo “deixa disso, vem pra cá”, você tem uma transição de quem tá cantando essa música e o que tá acontecendo nessa música. É como se você tivesse parado nessa mesa de bar ou nessa pista de dança, se sentindo desconfortável, se sentindo preso em um mundo particular, essa coisa de vivendo em uma lembrança… Acho que tem a ver com essa inadequação que eu vivi muito - até hoje eu vivo ainda em algumas situações sociais e tal. Ela é justamente sobre esse movimento de você ser puxado disso. No final, é [sobre] viver, vai viver com os seus amigos, conversar com eles, vai dançar, vai gritar. Até essa parte do “chap chap” no meio da música em que a gente começa a cantar juntos, tem um pouco disso: é um coro, uma chamada de “vamos fazer isso acontecer”. Acho que ela se relaciona um pouco com “A Cidade é uma Selva”. “Selva” veio muito de um improviso, tipo, Tiago cantou ela improvisando ao vivo, foi uma loucura como surgiu a música, mas eu acho que esse tema da cidade que a gente constrói em “Selva”, ela vem como uma herança de Rock Jr. que é um disco muito urbano sobre como você se relaciona com as pessoas na cidade. Eu sinto que a cidade é uma selva e meio que progride para o que a gente tá fazendo hoje em dia… Acho que “Cha Chap Chuap Pop” é muito sobre você se ver na frente de uma multidão, essa multidão no centro da cidade, né? Como você age? O que esperam de você? O mais fácil, pelo menos pra mim, foi se retrair e você abre um pouco a mão de viver para não se expor; mas ficar com eles [o trio], viajar, sair, são coisas que vão te ensinando que existem coisas para viver e sair do celular - tô falando do celular como metáfora. O Tiago vai me encher o saco com isso porque eu fico muito no celular… 

Você não está vivendo? 

Gabri: É. Inclusive, quando a gente escreveu a música e mostramos para a Fabíola, namorada do Tiago, ela falou “você escreveu essa sobre a Eli, né?” e ele “não, foi ela que escreveu essa parte.” [risos] Eu sei quem eu sou, mas hoje em dia, eu não sou a pessoa que fica mais no celular da banda - eu e o Tiago não vamos citar nomes, mas… [risos] É muito louco você trazer essas músicas porque depois de um tempo é possível ver que elas permeiam a ansiedade social, né? 

Tiago: Total! 

Gabri: É uma coisa que eu me identifico um pouco. Eu tive muita dificuldade [no passado], mas hoje em dia tá muito mais resolvido pra mim. 

Tiago: Sabe o que isso me lembrou? O celular aparece em até outras músicas, mas é usado como uma metáfora me lembrou o cara que posta muito sobre música nas redes sociais, o Peretsky, que antes era o La Meme Young. Ele fala sobre muitas coisas e uma das coisas que ele tem falado muito é sobre críticas e como as pessoas estão consumindo música hoje em dia, como o Spotify tem sido um acelerador desse tipo de consumo… Ele tem postado muitos vídeos, principalmente no Tik Tok, das pessoas fazendo música, muito mais como uma resistência ao que a gente tá submetido. Ele postou esses dias uma coisa do tipo “eu vejo vídeos de pessoas jovens falando que queria ter nascido nos anos 70 ou 80 para fazer uma banda de garagem” e ele fazendo um texto sobre “vocês tem tudo o que eles tinham pra fazer uma banda, vocês só precisam tentar com o coração até fazer sentido.” 

Gabri: Acho que é isso, é um chamado essa música. Ela tá no final do disco até um pouco pra isso, para a sensação das pessoas saírem desse disco com [vontade de] dançar, cantar, façam suas bandas, saiam do celular. Não é que o celular é o grande vilão de tudo, mas não dá pra ficar só no celular, sabe? Até o Peretsky fala que o celular é ótimo para encontrar pessoas, criar… Você tem um mundo inteiro de gente para conhecer e formar uma banda, mas você precisa dar um passo a mais, você tem que ir cara a tapa de verdade. 


eliminadorzinho na estrada

Após o lançamento do disco, o trio se prepara para os shows. A estreia acontece em Belo Horizonte, no dia 11 de outubro, com participação de godofredo. Na semana seguinte, eliminadorzinho se apresenta na Casa Rockambole com show de abertura de Matheus Who.


“O show vai ser emocionante. A gente tá muito animado porque a gente tá vivendo essas músicas há mais de quase anos e só de ver a resposta da galera tá sendo muito satisfatório, muito legal. Tem tudo pra ser o melhor show do ano", finaliza Gabri.



Esta carta termina com um reconhecimento: a eliminadorzinho consolidou-se como um dos trios mais consistentes do rock independente brasileiro. Ao longo de quase uma década, construíram uma identidade, atravessaram gerações e reafirmou o espaço ocupado. Um percurso que prova que não se trata apenas de permanência, mas de força (e boas pitadas de humor).


Eternamente,

Michele

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