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Renanrenan & Os Amanticidas contam tudo

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • 1 de ago.
  • 27 min de leitura

renanrenan os amanticidas
(Créditos: Antonia Midena)

Após as incertezas da pandemia, a união entre dois projetos musicais — o do cantor e compositor recifense Renanrenan e da banda paulistana Os Amanticidas — surgiu como um gesto artístico e afetivo. Mais do que uma colaboração criativa, o encontro se revela como um manifesto pela liberdade de ser e sentir, pela potência dos afetos e pelo desejo de dar sentido às experiências como maneira de continuar a trajetória.


Juntos, Renanrenan & Os Amanticidas cruzam referências, vivências e uma linguagem marcada pela teatralidade em composições sensíveis e profundamente emocionais. Essa convergência é a espinha dorsal de Eu Te Conto Tudo (2024), álbum concebido especialmente para a voz e a vivência do cantor. O disco percorre temas como não-binariedade, afetos, existências queer e os múltiplos entendimentos entre masculino e feminino. As faixas transitam entre a melancolia e o desejo, entre a sutileza e a intensidade. São canções sem pressa, que se apresentam como paisagens emocionais: espaços onde é possível lembrar, sentir e - novamente - dar sentido às coisas.


Eu Te Conto Tudo, não se trata de um trabalho autoral nos moldes convencionais. O que emerge é um gesto coletivo: Os Amanticidas compõem, e Renanrenan transforma em corpo, voz e presença. A simbiose entre os projetos resulta em um álbum que soa como diário aberto e carta de amor a si e ao outro. Como diz a canção "Bisha": "eu sou imenso."


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As canções foram criadas justamente pensando na voz do Renan. Como foi o processo?

João Sampaio: Olha, foi diferente, mas foi muito legal, foi muito interessante. E a gente tem a sensação de que, mesmo sem a gente ter consciência disso, isso era um pouco um próximo passo que estava faltando justamente nessa nossa pesquisa que a gente faz há tanto tempo, sabe? E a gente nem sabia, mas de repente a gente se viu com esse nível de produtividade, de produção de canções e de qualidade também. Acho que todos nós fizemos algumas das melhores canções que a gente já fez. E a gente atribui muito isso a essa entrada de uma outra voz e de uma outra voz para quem a gente estava compondo. Acho que adiciona até uma etapa a mais aí de critério, né? Antes a gente tinha que fazer músicas que fizessem sentido pra a gente, e a gente mostrava uns para os outros, e se fizesse sentido para a gente, para o projeto, beleza. Agora tem mais uma pessoa para quem precisa fazer sentido já, desde logo, que precisa fazer sentido para a gente e para o Renan e para a voz do Renan. Então acho que isso fez com que a gente também refinasse um pouco o nosso processo e saíssem canções muito diferentes do que a gente já tinha feito e muito interessantes. Esse mergulho, por mais que tenha tido uma pesquisa longa, como vocês falaram, não foi em algum momento estranho também sair de algo e ir para outro?

Alex Huszar: É, foi. Alguém quer falar sobre a pandemia? A gente tava perdido. [risos]

Luca Frazão: É isso, né?! Porque de alguma forma a gente rolou um hiato, né? No período pandêmico. A gente lançou um disco em 2020, no começo de 2020, a gente tinha toda uma perspectiva de circular com esse projeto, né? A gente fez um lançamento no Itaú Cultural cheio, a gente estava super animado e aí veio a pandemia com aquele banho de água fria que muitas pessoas tomaram. E aí a gente passou um grande período tentando entender o que a gente fazia com aquele disco, né? Então a gente ficou meio no standby, assim, porque não dava pra fazer nada, porque o que faltava era justamente circular, né? A gente já tinha passado as demais etapas, e a gente já não tinha nem fôlego, nem dinheiro pra começar a produzir coisas novas, que a gente tinha acabado de investir todos os dinheiros da banda. Então rolou esse grande período de standby que foi durando, foi durando, até o Renan propor pra gente essa aventura. Então, foi louco, porque a gente tava num período de estagnação, então essa virada de chave, foi no final, uma coisa boa, né?

Alex Huszar: Foi só bom.

Luca Frazão: Foi só um grande respiro, uma grande renovação, sabe?

Alex Huszar: Isso porque a gente não ficou parado, né? O nosso standby era se encontrando pelo menos duas vezes por semana, fez programa de entrevista, fez filme, porque a gente pegou um edital pra filmar o show, a gente transformou o show num filme, fez EP [No Meio do Aglomerado III: O Retorno do Rei Momo, 2023] de carnaval de pandemia, mas quando acabou a pandemia ficou [olha para os lados com as mãos levantadas] e agora?

João Rodrigues: O que que a gente faz assim, né? Ficou meio... Porque o disco era, por ele ser também pré-pandêmico, no mundo pós-pandemia, ele já não fazia sentido também, tipo "puta, já foi, já foi, infelizmente, perdemos", e aí a gente ficou com o tempo meio girando em falso, sem saber o que que a gente ia fazer, mesmo com o projeto mesmo, assim. Nossa, mas e aí? O que que a gente faz? O que que tem? E aí o Renan apareceu e deu sentido de novo, sabe? Foi bem forte a chegada do Renan, porque ele chegou, ele propôs, a gente trucou [ênfase na palavra], e "então a gente vai compor pra você." Saíram músicas muito boas, e aí foi uma renovação completa de ânimo, de tudo, de ensaiar, de arranjar, de viajar pra tocar, tudo que a gente não tinha conseguido fazer por causa da pandemia, basicamente, e em alguma medida muito melhor, com uma qualidade de canções muito melhores. Acho que é isso que o João falou também, acho que das melhores canções que todos nós compusemos saíram nesse processo pro Renan, os arranjos ficaram legais, enfim, foi tudo, foi uma renovação completa de tudo, foi muito bom.

É muito bonito ouvir isso, porque, a pandemia era sinônimo de morte, período que ninguém sabia nada e nem se iriamos sobreviver ou não; me soa que o Renan veio como salvação, não sei nem se é a palavra certa... Uma pessoa que vem e fala "vamos voltar a viver", né?

Alex Huszar: Ele veio como um médico, ele veio como um médico.

João Rodrigues: Eu acho que é bem por aí mesmo, a sensação é um pouco essa.

João Sampaio: Eu acho que esse projeto deu pra gente uma clareza de sentido que eu acho que a gente tava sentindo falta. A gente continuou trabalhando, continuou fazendo várias coisas, como Alex falou, mas esses projetos menores ou mais pontuais e mandando editais e não sei o que, fazendo... Só que no nosso processo pra o que seria o nosso próximo grande trabalho, que seria um disco, seria um show, que a gente ainda tava entendendo o que ia ser, isso ainda tava engatinhando. A gente tava fazendo, tava pesquisando, mas não tava entendendo ainda no que ia dar. E aí, de repente, a chegada do Renan foi uma... Fazer esse show e receber a resposta que a gente recebeu foi uma clareza de sentido absoluta, onde tava tudo um pouco difuso antes. Não, agora a gente tem um negócio na mão que é muito especial e a gente precisa circular com isso e mostrar pra maior quantidade possível de pessoas e é isso que a gente tem feito.

Alex Huszar: E o poder, essa coisa do poder dos encontros mesmo, que, agora você falando isso, mesmo que a gente trabalhou durante a pandemia ou nesse pós, né, porque foi... Na verdade, a gente fez o show com o Renan em 2023, em 2022, a gente ficou [o ano] inteiro pesquisando, meio preparando essa coisa, que tinham coisas interessantes, a gente viajou juntos, ficou compondo um monte... Então, essa coisa de quando você encontra uma coisa que retroativamente dá sentido, ele foi dando sentido até porque a gente tava vivendo e não sabia pra que que era. A gente tava se preparando pra essa chegada, sem saber.

Vocês conseguem visualizar o que seria da banda sem o Renan? Vocês ficariam mais ou menos seguindo a mesma linha que estavam fazendo ou essa pesquisa também poderia levar vocês pra outros lugares?

Alex Huszar: Difícil, né? [olha para a banda]

João Rodrigues: Olhando retroativamente e tendo o Renan aparecido, a sensação que eu tinha é que a gente ia se enfurnar cada vez mais em rincões mais sombrios. Ia ser uma coisa mais experimental, mais maluca. E em algum lugar o Renan quando ele vem, ele aparece e a coisa fica...

Luca Frazão: Solar.

João Rodrigues: É, ela fica solar, ela fica pop num sentido, sabe? Toda a profundidade que a gente estava trabalhando, ela vira raiz. E o Renan aparece como uma coisa solar e que eu acho que a gente tinha talvez uma tendência a querer deixar muito explícita o quão profundo [gesticula com os braços, levando-os para baixo] a gente estava indo nos nossos processos. O Renan ele chega e fala "gente, processo é processo. Aqui ó, é aqui. [abre os braços] É show." Não sei, a sensação que eu tenho é que se não tivesse o Renan a gente ia estar numa caverna [risos] fazendo pesquisas muito loucas e processos muito malucos que a gente não sabe nem se sairiam para o público.

Alex Huszar: Eu acho que tem algumas coisas, o Renan é muito interessante, que aparecem num caminho contrário ao que a gente estava indo e outras coisas florescem de um caminho muito que é o que a gente estava indo. Já estava começando essa pesquisa dessa estruturação mais dramatúrgica do show. E no único show do Teto [álbum da banda, 2020], que é o disco anterior, teve e foi super potente…

João Rodrigues: É, foi onde começou, né?

Alex Huszar: Sim. E as nossas pesquisas na pandemia foram voltadas para isso, como a gente pode entender o show de uma forma que ele potencialize as canções, de que forma um determinado contexto potencializa uma canção. Não no sentido de necessariamente contar uma historinha do começo ao fim, mas de contextualizar de formas interessantes. Então, às vezes uma canção que você ouviu dessa forma, se você der uma outra chave de leitura na hora do show, você vai falar "nossa, eu nunca tinha pensado nessa música desse jeito." E era um pouco essa pesquisa que a gente estava também fazendo nas movimentações de palco, já trabalhando com uma iluminação bem teatral, de certa forma. No nosso show de lançamento, do segundo o disco [Teto], tinha uma cama no palco, né, a cama estava de lado e depois ficava, a gente subia na cama. Tinha essas brincadeiras.

João Rodrigues: Todas as falas muito bem roteirizadas e ensaiadas. Tipo, nenhuma fala, não tinha aquela fala protocolar de show, tipo "aê galera, valeu", sabe? Todas as falas tinham momentos de fala que eram falas pensadas, ensaiadas. Então, é isso, era um mergulho dramatúrgico dentro do universo do show e meio que brincando com essas fronteiras aí do que é show, do que é teatro, né? Então a gente estava muito nessa onda.

Alex Huszar: E isso explodiu com o Renan.

João Sampaio: De repente caiu nossa estrela. [risos] Porque é um ator absurdo e uma capacidade de transmitir as canções que é muito impressionante.


renanrenan os amanticidas
(Créditos: Antonia Midena)

No álbum conseguimos visualizar e também sentir pela voz, pelos arranjos, essa parte do teatro, mas os shows também mostram isso nitidamente, né? Como foi trazer essa parte que já estava com vocês, mas se potencializou com a chegada do Renan e como tem sido ter essa liberdade de brincar com as diversas comunicações que a arte conta?

Luca Frazão: Eu acho que tem sido, sobretudo, bom na medida que a gente tem trazido essas coisas pros shows e o público reage sempre muito bem, sabe? Eu acho que a performance corporal do Renan, toda essa questão, ele se torna uma figura magnética no palco, as pessoas realmente ficam vidradas. Essas pequenas pontuações dramatúrgicas, textos, até de brincadeiras, mudanças de lugar… A gente sente que a galera fica tipo "nossa! Meu Deus, o que eu estou assistindo?" E é muito louco, né? Porque a gente não está inventando nenhuma roda, tá ligado? É uma coisa simples no limite. São coisas só marcadinhas e realmente a gente sente que faz uma diferença brutal pra forma como as canções chegam, sobretudo, nas pessoas. Você fazer uma pequena mudança, uma pequena palavra, uma pequena piadinha roteirizada, já acaba soando totalmente diferente. Então a experiência, na verdade, tem sido positiva mesmo.

João Sampaio: Eu acho que, de alguma forma, eu sinto que para as pessoas que assistem o show, isso ajuda a melhorar uma certa fadiga que às vezes rola em shows. Tenho essa impressão, posso estar falando besteira, mas quando o show é só sequência de músicas, uma depois da outra, aí toca uma música, [o músico fala] "obrigado". Eu mesmo assistindo o show eu sinto isso um pouco, porque às vezes dá um cansaço. Dá uma desligada, pensa um pouco em outra coisa e volta. Quantas músicas foram mesmo? Oito, nove? Não sei. E eu sinto que quando a gente faz essa coisa de dar essa dinâmica um pouco maior, troca a formação, aí dois saem e fica só o outro, aí fica uma dupla, aí a gente vai pro banquinho, você entra no banquinho, não sei o que. Isso prende a atenção das pessoas de uma outra forma, dá uma refrescada. Então não rola tanto esse cansaço. Eu acho que as pessoas conseguem assistir o show como uma coisa mais inteira.

Alex Huszar: Eu acho isso tão importante. Eu acho que a gente está num momento não só do mundo, da gente, que é muito fragmentado. Tô aqui conversando com você, chegou uma mensagem [pega o celular e olha], eu estou num outro contexto seríssimo aqui e tipo volto aqui pra um outro contexto sério, aí depois aqui [olha para o lado], um meme que chegou, sabe? A gente não tem muita dificuldade de manter uma linha. E trazer isso pro show que não tenha, a princípio, essa exigência, acho que ajuda nossa, dá sentido - que no final, acho que é a importância do que a gente faz, dá algum tipo de sentido pra alguma coisa.

Luca Frazão: E a gente é tão cuidadoso com a parte de arranjo, a parte musical. Então a gente sempre pensa em variação e contraste nessa parte. E geralmente num show é uma coisa blocada. Quando vai ter a variação visual, vai ser só uma questão de iluminação. Quando tem, então essas pequenas mudanças, como se fossem variações mesmo de um mesmo quadro.

João Rodrigues: Acho que é isso. Intencionalmente ou não, nessa pesquisa que a gente foi fazendo, a gente foi trazendo também todo esse aspecto artesanal que a gente tem dos arranjos, que era super minucioso, que a gente ficava horas e horas escolhendo a nota, não sei o quê… Acho que tinha uma defasagem em relação ao que era um show nosso. O nosso show também, embora a gente fizesse brincadeiras, a gente teve coisa de lojinha, músicas assim, momentos mais cômicos, mas não deixava de ser só uma sequência de músicas tocadas. E eu acho que desde o show do Teto, do lançamento pré-pandemia, essa ideia ficou tipo... A gente deu um ponto de partida. Uma coisa que ficou também um pouco incubada, porque a gente não pôde mais circular, né? A gente conseguiu fazer um pouco mais porque a gente pegou esse edital, que era um PROAC, que era pra fazer uma live e a gente falou "gente, não dá pra fazer live, já estamos indo no meio de 2021, tipo, não tem condições de ter outra live." Então, tipo, a gente tem que fazer alguma outra coisa e a gente decidiu fazer um filme do disco, porque a gente acabou pondo uma dramaturgia também e esquetes, cenas... Então, isso tudo ficou meio incubado, quando o Renan chegou tava muito fácil também, tava muito na mão. Era só "ok, então vamos estruturar, porque a gente já tá no nosso radar", tanto quanto é a nossa minúcia pra fazer os arranjos das músicas e pra compor e tudo mais. Então, acho que foi meio isso que aconteceu. E acho que ajuda a dar fôlego pro show, acho que o show fica mais interessante. As pessoas comentam, falam "nossa, nunca tinha visto um negócio desse." E aí, a gente não tá fazendo nada revolucionário. A gente só, tipo, vamos ficar parado de um jeito interessante [para e todos dão risada] e já resolve boa parte. As pessoas já ficam absolutamente impactadas.


Vocês usaram bastante a palavra sentido. Fico me perguntando o que que faz sentido nos dias atuais - ainda mais após uma pandemia e tudo mais. E aí, vocês encontraram algum sentido? E se encontraram esse sentido pra onde vocês querem ir?

João Sampaio: Essa é difícil. [conversam entre eles e riem]

João Rodrigues: Vou falar com a minha terapeuta. [risos]

Alex Huszar: Eu acho que tem uma coisa que sentido, por um lado, é sentido, né? Sem querer fazer joguinho de palavras. [risos] Mas sentido é assim. Por que que tá fazendo sentido fazer um show aqui? Estar fazendo shows muito legais, uns shows muito cheios, outros não tanto, mas sempre fazendo sentido, né? Tem uma música do Maurício Pereira [Um Dia Útil] que ele fala "Às vezes pra ninguém porque é ensaio / Às vezes pra ninguém mesmo não sendo ensaio / Mas sempre junto com meus amigos músicos" é essa coisa de sentir. Mas é muito bom conversar com você e ter esse tempo, porque a gente falando...

João Rodrigues: A gente elabora. É nossa terapia em conjunto. [risos]

João Sampaio: Eu acho que o sentido que a gente encontrou nesse projeto, acima de tudo, foi o que a gente recebeu de volta das pessoas que assistiram. Desde o começo foi muito sobre isso. A gente fez sem entender exatamente o que a gente tava fazendo - tava fazendo canção pro Renan e vamos lá. E aí, desde o primeiro show, a gente começou a receber retornos muito especiais, muito impactantes, muito diferentes de qualquer outra coisa. Então eu acho que o sentido desse trabalho se tornou mostrar esse trabalho. Ouvir das pessoas que esse trabalho é muito bom e muito especial e sentir muita vontade de que mais gente veja. Então, circular e mostrar pro maior número de pessoas possível. Fazer show em todo lugar que a gente puder, porque toda vez que a gente faz, as pessoas falam coisas muito bonitas depois. Acho que todo show que a gente faz, alguém vem falar depois. É muito impressionante isso pra mim. Acho meio surreal, mas... Todo show que a gente faz, alguém depois vai falar "pô, fazia muito tempo que não vi um show tão bonito." É uma coisa muito diferente, sabe? Comentários assim de gente que nunca viu a gente antes. Minha mãe gostou, beleza, mas assim... Pessoas que nunca tinham visto antes e que ficam realmente impactadas de verdade. Tipo, coisas muito espontâneas, muito genuínas.

João Rodrigues: E pessoas que viram muitas vezes a gente e muitos outros contextos. E voltam e falam "gente, vocês são ótimos, mas assim, caralho, o que é isso que vocês estão fazendo aqui agora? Isso aqui é um negócio totalmente diferente." Esses comentários são bem comuns. A gente sabe também o quão difícil é, trabalhando com arte, você ter esse tipo de retorno. Às vezes você tem um retorno desse e poucas vezes... É muito louco, a gente tá trabalhando com esses tipos de depoimentos, eles são constantes. E a gente precisa mostrar isso pra mais gente, a gente precisa fazer mais. A gente precisa que mais gente saiba, porque realmente é uma coisa muito fora da curva de um trabalho. A gente tem que receber esse nível de relato e feedback.

João Sampaio: E mesmo as canções também, de uma certa forma, elas ganham sentido nesse mesmo movimento. Elas ganham sentido em como elas chegam nas pessoas. Então, são canções que são feitas pra voz do Renan e várias até feitas pensando em especificidades da vivência do Renan, mas na hora que a gente mostra pras pessoas, cada um recebe de um jeito e as pessoas interpretam e aquilo bate nelas, aquilo atinge elas de uma forma que não tem nada a ver com o Renan. Pessoas cuja história de vida não tem absolutamente nada a ver com a dele, nem com a nossa. O que é... Enfim, então elas vão ganhando mais sentidos e mais camadas de sentido também conforme elas atingem as pessoas. As pessoas dão outros sentidos a elas pra além do que a gente pretendia ou pra além do que passa pela experiência específica do Renan ou da gente. Isso é uma coisa muito especial também, né?

Alex Huszar: E tem essa coisa de como as pessoas recebem, que não é uma coisa assim, tipo, claro que a gente gosta que as pessoas gostem, mas essa coisa do sentido também cresce quando mais pessoas escutam. Então, tem uma frase que eu amo, que é da Francesca, minha professora de voz, e ela fala assim "falar uma coisa, - mas eu vou usar cantar - cantar uma coisa pra uma pessoa é cantar uma coisa. Cantar a mesma coisa pra dez pessoas é cantar dez coisas." Então, quando você canta uma música, quando você mostra uma música, ela vira o número de pessoas que estão ouvindo, são versões diferentes. Mesmo que seja uma execução só, a mesma execução, porque bate diferente em cada um. E a gente ouve as histórias, "nossa, eu tava viajando, eu vim aqui, e cheguei por acaso no show, e esse show mexeu muito comigo." Minha tia-avó, falando "nossa, esse show me deu saudade de me apaixonar." Não é se apaixonar, se apaixonar pelo trabalho, pelos seus netos, mas se apaixonar no sentido de se namorar mesmo. Sabe assim, mil coisas, você fala e é daí que vem o sentido. De como as pessoas vão, num certo sentido, engordando essa música e deixando ela mais parruda, porque vão colocando o que elas sentem lá, né? E mesmo que não contem pra gente, eu acho que o negócio cresce.



O álbum traz versos sensíveis sobre os múltiplos entendimentos, que vão além das vivências do Renan. Como foi o processo de composição e como tem sido contar e  cantar sobre tudo para o outro? 

João Sampaio: Sobre o processo de composição tem um aspecto específico. A gente desenvolveu dentro da nossa pesquisa um certo método, que também não é uma grande invenção, mas é um jeito que a gente experimentou e funcionou bem pra gente - fazemos isso há muitos anos. Depois que a gente lançou o primeiro disco [Os Amanticidas, 2016], um clássico compilado de tudo que a gente fez até então na vida [risos], a gente selecionou, lançamos e para o próximo [falamos] "vamos partir do zero." Éramos todos compositores, um tanto irregulares, né? A gente precisava arrumar um jeito de compor mais e melhor. O jeito que a gente inventou foi fazer o negócio da composição por disparadores, como a gente chama. Você pega um disparador de outra linguagem artística - uma peça, um quadro, um curta ou um longa -, cada um escolhia um e fazia uma canção a partir desse disparador, depois a gente mostrava e as mais legais ficavam. O segundo disco foi feito todo assim, assim como o disco com o Renan também. A grande diferença é que, dessa vez, teve um disparador extra que era o próprio Renan. Teve música que o disparador veio de um quadro, um filme, mas em todas [as canções] tinham esse disparador extra onipresente que era o próprio Renan. Adicionar essa segunda camada ao nosso método foi muito interessante. 

João Rodrigues: Acho que isso também ajuda, embora sejam composições totalmente diferentes, o trabalho com disparador acaba dando uma unidade para as músicas. Tem coisas que você vai encontrar em mais de uma letra que é essa raiz que não precisa ser revelada, você não precisa saber o que era o disparador para aquela música fazer sentido. Acho que quando a música é bem feita - no nosso caso que trabalhamos com disparadores - é isso, ele não importa, ele não tem que aparecer e você não precisa dele para entender a canção. 

João Sampaio: Ele é uma ajuda para começar a compor, quebrar aquela inércia da fase em branco para ter um ponto de partida pra você fazer o que quiser. 

Alex Huszar: Acho que é um pouco pretensioso contar sobre tudo [risos], mas acho que dependendo do tamanho desse tudo, sim. Acho que tem a ver um pouco com o sentido que tá na música, né? Isso saí de dentro da música, "O Sonho", que é contar tudo da sua subjetividade - é um "vou me abrir." Eu acho que esse disco tem essa coisa de se rasgar - se rasgar? Não, acho que é se abrir - é contar tudo. Senta aqui que eu vou contar tudo que eu tô sentindo. Na música é um pouco da declaração de amor que é sempre um risco também, né? Contar tudo é um risco e uma libertação. Acho que esse nome foi meio [gesticula com as mãos e fala rápido] acabou indo e cada vez mais eu gosto mais dele porque traz um pouco essa coisa do Renan que é a capacidade de se abrir e se mostrar - falar "gente, eu sou isso aqui, que tal?" Essa disponibilidade que caracteriza muito o Renan como ator também. 

João Sampaio: Tanto mostrar a potência, a força e o talento, é mostrar também a vulnerabilidade. Mostrar também coisas muito frágeis, né? Tem essa coisa meio confessional… Acho que talvez é isso que pega nas pessoas, porque é uma coisa muito sincera e não ter medo de se entregar, sem medo de se apaixonar… Tem uma entrega, uma vulnerabilidade, uma sensibilidade e uma intensidade que as pessoas se identificam e gostam. Não sei, não tem fingimento, não tem pose, não tem pretensão. É "eu sou isso aqui, tá?" Agora, faça o que quiser com isso. 

Alex Huszar: E a pose quando ela vem, ela [diz] "gente, vou fazer uma pose agora, olha só." [faz uma pose com as mãos na cintura e olha para o lado, sorri em seguida] Essa coisa do tácito [conhecimento que não precisa ser verbalizado para ser compreendido e compartilhado durante a peça], no teatro: eu vou contar uma história, vou fingir que eu sou um cara que vocês sabem que eu não sou, eles vão fingir que são os caras que vocês sabem que não são, nós vamos fingir por duas horas e, no final, nós tomamos uma cerveja. Essa brincadeira, eu acho, aparece desse jeito. O Renan finge muito bem, ele vai lá e faz, faz a diva, agora é o [faz um barulho com a boca e fecha as mãos, interpretando personagem raivoso] monstro machão, enfim, faz tudo, dentro de uma linha da música brasileira que faz muito sentido. Entende, mesmo que não seja no lugar racional.

Renanrenan: Canto minhas experiências encarnadas e mais do que contar sobre isso tenho me descoberto e redescoberto em relação a minhas masculinidades, minhas questões de gênero e identidade a partir da parceria e composições do Eu Te Conto Tudo. É de fato uma construção com o público e comigo, apesar de o show repetir, é sempre novo. Um novo pacto sempre surge. A sexualidade humana é um universo amplo e percebo a importância de construirmos uma masculinidade mais afetuosa, sensível e honesta. De fato nos reconectar com as forças angelicais e transcendentais que habitam nossos corpos e almas nos torna elevados e plenos nas nossas potências.

Às vezes o palco pode ser assustador, não é? Porque o outro verifica se é bom ou se é ruim. Como tem sido se apresentar para pessoas que vocês não conhecem e mostrar quem são vocês de verdade? Rola uma insegurança ou é sempre uma festa?

João Rodrigues: A minha sensação é sempre uma festa. Acho que eu nunca vou falar que o palco é um lugar de insegurança, a gente se sente muito confortável no palco e o Renan também! Tem a segurança de mostrar o trabalho, mas ao mesmo tempo como esses retornos das pessoas sempre foram tão bons, isso também dá uma confiança pra gente de fazer esse show, porque sabemos que as pessoas vão gostar - e é muito louco ter essa segurança. 

João Sampaio: Tem uma facilidade também, no caso desse projeto, que é o fato de ter o Renan na frente. É muito mais fácil! A gente já tinha a experiência de muitos anos de palco, mas subir no palco com o Renan de frontman é outro nível de tranquilidade, porque, se deixar, ele carrega o negócio ali sozinho com muita facilidade - a presença dele é inacreditável. Eu lembro de reparar, nos primeiros shows que a gente fez, a plateia, em vários momentos do show, e ninguém, nunca, tava olhando pra mim [risos]. Todo mundo tava olhando para o Renan e eu senti um alívio! Eu lembro de pensar "posso tocar a minha guitarrinha aqui tranquilo."

João Rodrigues: Tira um peso, né? 

Luca Frazão: Eu acho importante dizer que parte dessa tranquilidade também tem a ver com a grande intimidade que existe entre nós - tanto a banda de 12 anos quanto a amizade de 15 anos -, entendeu? A gente tá junto há muito tempo e nos sentimentos acolhidos no palco, a gente se comunica… É aquela coisa de pensamento teleguiado: eu pensei uma coisa, olhei ali pro Sampaio, ele já entendeu. A gente se fala no olhar. [risos] 

Alex Huszar: Acho que tem isso, a gente aprendeu a tocar juntos! A gente pensa nas músicas, sabe pensar música, de um jeito muito parecido. Mas, ao mesmo tempo, a gente se complementa muito bem com o Renan num lugar - nesse bom desenvolvimento do show - que é, a gente tem mais esse lado… [olha para os amigos] 

Luca Frazão: Chão, pé no chão. 

Alex Huszar: Pé no chão, mais apolíneo, como diz o pessoal do teatro, que é mais na organização, a margem do rio - e o Renan é água. Não existe o rio, você precisa d’água e da margem e esse complemento é muito bom. É uma tensão interessante que se forma. 


"Eu acho interessante que as músicas de amor do disco são sobre sobrevivências muito específicas e muito autobiográficas. Mas que ao mesmo tempo tem uma universalidade bem grande." Luca Frazão

A faixa "Bisha" faz um recorte sobre a não-binaridade ao evidenciar as múltiplas personalidades que habitam uma mesma pessoa. Pode-se considerar uma música que ajuda na compreensão do outro como indivíduo?

Renanrenan: É surpreendente perceber como todos podemos nos reconhecer bishas para além até das questões de gênero que traz a canção. Reconhecer e cantar nossas imensidões, gigantismos e nossas partes ocultas, silenciadas. Todas nossas partes desencorajadas e encobertas merecem sim ser colocadas à vista e serem cuidadas e louvadas nesse mosaico do ser que somos, dessa colcha de retalhos. Imagino que cantando "Bisha" bem forte, bem alto, você pode sim chegar mais perto de suas percepções sobre que forças habitam nossas profundezas e consequentemente, deixando isso ecoar, conseguiremos acessar e compreender mais nossa imensidão. Somos imensos! Mas especialmente para as bishinhas do mundo, deixem sua grandeza ecoar no espaço, no tempo e na sua alma; é quase uma cura, uma libertação.


"O Menino" é uma  canção que bateu muito, porque reforça a dificuldade em crescer em um mundo onde seus sentimentos não são ouvidos, são ignorados. Acho que todo mundo já passou por isso na vida, principalmente na infância. É possível fazer as pazes com esse menino e, consequentemente, não sofrer pelo passado e encontrar, talvez, uma liberdade para o futuro? 

Renanrenan: Não sei se a gente consegue deixar de sofrer pelo passado, acho que vivo buscando presentificar minha história, mas além do escopo da consciência, as sombras do passado nos habitam e constituem. Penso que perder o medo do escuro não é esquecer. Embalar esse menino, cuidar dele e fazer as pazes, faz com que a gente consiga seguir com mais leveza e consciência, sem ter tantos medos e se permitindo também resgatar esse agir infantil autêntico e transparente. Diria que fazer as pazes com o menino é necessário em algum momento de nossas vidas.

João Sampaio: Eu espero que sim. Acho que "fazer as pazes" é um bom jeito de descrever… Acho que no final das contas, eu acabei entendendo, a partir da recepção dessa música, de como bateu nas pessoas… A música foi feita muito pensando na experiência específica do Renan, mas quando ela chega em outras pessoas, ela ganha outro corpo… Talvez ela fale mais sobre a infância, especificamente uma certa infância. Eu acho que, até certo ponto, é inevitável no processo de socialização, de entender o que é o mundo, o que pode e o que não pode, até onde as coisas vão, a gente sempre perde algo inevitavelmente… Acho que fazer as pazes seja um jeito bom de descrever porque é isso, é sobre estar em paz com o que se perdeu, o que se ganhou, o que ficou… 

João Rodrigues: Às vezes, a gente quer o contrário: é a criança que tem que fazer as pazes com a gente e não o contrário. Eu vou fazer as pazes com a criança? Ela que tem fazer as pazes ou perdoar, sei lá, o que aconteceu depois, embora seja impossível. Tomara que isso seja possível.  

João Sampaio: A experiência de crescer e se tornar um adulto é sempre uma experiência em níveis diferentes, mas é sempre uma experiência, de alguma forma, de repressão, de limitação e de conformabilidade - é a gente tentar entender até que ponto dá para estender a nossa liberdade, contar uma coisa… Não sei, falem! [risos] 

Alex Huszar: Você trazer essa música eu já acho maravilhoso. É impossível fazer uma música que não te toque minimamente - quer dizer, dá pra fazer, mas ela é ruim. Se ela não te toca, não vai tocar em ninguém. As canções vão de uma coisa específica, como a história desse menino, para coisas amplas. Essa sensação de desamparo infantil ao ver o mundo hostil contra ela é geral. Todos os meninos choram por todos os meninos, pelo menino do Renan e pelo próprio menino. Se fosse só "que pena do Renan, tadinho", mas não é só isso, é uma coisa da empatia - uma palavra tão desgastada. Eu consigo me conectar com a experiência e isso acontece em níveis absurdos nesse show. No primeiro show que a gente foi tocar, tocamos a música "Bisha" mal pra caramba, chegou a Maria [Montesanti], que fez o roteiro do clipe depois, e falou "eu sou uma mulher hetero, cis e essa música é pra mim", no sentido de que ela também traz uma coisa, uma determinada potencia que todo mundo já sentiu ou já sentiu falta de sentir ou sonhou sentir… Isso parte de algo mega específica, nessa música, mas dá pra se relacionar com isso. Eu acho que esse "eu te conto tudo" também - voltando para o menino - é sobre essa coragem de se contar tudo, saber contar uma história sua. De novo: construir sentido - e a gente é máquina de construir sentido. A gente é feito pra isso, a gente olha pro céu e vê nuvens e fala "uma zebra" mas é só uma nuvem! [risos] É lindo! 

Esse sentido cresce após as pessoas falarem com vocês sobre como elas se sentiram no show? 

Todos: Sim! 

Alex Huszar: E aí é o máximo. 

João Rodrigues: O ápice é justamente isso, as pessoas trazendo sentidos em coisas que a gente fez. A parte mais interessante é quando a gente coloca alguma coisa no mundo e a gente perde o controle dele. A partir do momento que a gente lança o disco, a gente faz o show, a gente não tem mais controle do que as pessoas vão sentir. As pessoas falarem sobre como se sentiram mostra como a coisa tá descontrolada e aí é o ápice. 

Alex Huszar: É a parte fácil de dar sentido. A pessoa ouve sua música e remete a um momento subjetivo específico… Eu tenho isso com os discos do Caetano Veloso e dos Beatles, mas uma pessoa falar isso com um disco meu… Já tá bom! 

João Sampaio: No fim, o objetivo máximo de trabalhar com canção popular é justamente esse: desaparecer em um certo sentido. A gente quer que o nosso trabalho se torne algo… Que as pessoas se apropriem dele. A música não é mais nossa, é da pessoa que ouviu.  

Alex Huszar: Esse show começa assim: o Renan se apropriando dessas músicas e se apropriando num nível, numa capacidade, que tem muito de ator e intérprete.


O tempo é um personagem antagonista do disco. Através deles, vocês navegam pelo passado até chegar ao presente, além de reforçarem que o tempo é curto, como a música "Peito Largo" aponta. Por que o tempo é curto? O que vocês ainda querem fazer para aproveitar todo esse tempo? 

Alex Huszar: Eu não tinha pensado o tempo como antagonista, vou precisar ouvir o disco de novo. "Peito Largo" tem uma história singular: eu comecei essa música antes do projeto existir e acabei depois do projeto existir. Ela não tá no grupo das músicas que a gente fez para o Renan. Eu fiz essa música para o Renan, mas em outro projeto que estávamos nós dois e fizemos um mini laboratório de composições pra ele compor uma música e eu compor outra. Eu fiz o começo do "Peito Largo", os dois primeiros versos e o refrão. Nisso, era pandemia, Renan morando em Recife e ele me mandou um disparador - não que isso importe -, uma foto de um casal, amigos nossos que já não era um casal, na praia. Eu fiquei tão assim com o disparador que ele mandou, eu desgostei tanto [risos]. Eu não reparei que era esse casal de amigos, pensei que era apenas um casal… Aí me veio um desconforto da praia, essa coisa da pele grudando, sabe? Então pensei em começar por uma imagem esquisita, ideia de que tá grudento. Essa coisa do "tempo curto, pouco tempo" acho que é aquela dinâmica básica do tempo: quando tá bom passa rápido e quando tá devagar passa devagar. É aquele momento que você tá apaixonado e que você abre a mão de tudo, você falta, você não e quando você vai é muito sofrido. Tem algumas músicas nossas que vão para esse lado do tipo "eu não acredito que eu tenho que sair daqui. Queria que o tempo acabasse", mas é quando o tempo passa mais rápido. Acho que é uma experiência universal. 

João Sampaio: Fiquei aqui pensando, repassando as músicas e pensando nelas nesses termos de temporalidade, eu nunca tinha parado pra organizar dessa forma. Tem canções que falam de coisas que já passaram, como "Limbo", "Alta Costura" e o próprio "O Menino"... 

Alex Huszar: Mas "Limbo" é um pouco uma oposição, não é? É aquele lugar que não sai… É aquela coisa que não passa, a relação já tá ruim… 


"Imagino que cantando "Bisha" bem forte, bem alto, você pode sim chegar mais perto de suas percepções sobre que forças habitam nossas profundezas e consequentemente, deixando isso ecoar, conseguiremos acessar e compreender mais nossa imensidão. Somos imensos!" Renanrenan

Em "Vestido Pra Você", Renan canta: "mesmo depois de eu morrer / de mim, você vai lembrar." Acho que depois da pandemia, conseguimos falar mais sobre a morte. Como vocês querem ser lembrados, baseado no projeto musical? 

Alex Huszar: Eita porra! Caralho! [risos] 

Luca Frazão: Conta sobre a música, Alex, pra gente chegar lá na frente.

Alex Huszar: Tá, até pra dar uma quebra. [risos] Essa música é uma das músicas, de todas que eu fiz para o Renan, é a única que eu sinto que eu fiz [ênfase na palavra] para o Renan. No sentido de eu me vejo falando essas palavras para o Renan. Foi uma das primeiras músicas que eu fiz e a parte engraçada da coisa é que eu sou um pouco hipocondríaco e esse dia eu não tava com nada, mas com um pouco de ansiedade, sei lá, talvez um pouco gripado e eu comecei a fazer essa música e começou a me dar aquela coisinha da hipocondríaca que eu pensei "vou morrer" - é uma coisa que eu tenho volta e meia. Mas nesse dia eu falei "vou mergulhar nisso e vou me rasgar." E deu nisso! É muito uma música para o Renan e da nossa relação. O Renan foi pra Recife por causa da pandemia, ele é médico, tava na linha de frente, e eu tinha alguns projetos com ele aqui em São Paulo… Quando ele foi, foi um dos grandes baques da pandemia pra mim [porque pensava] não vai voltar igual, não tem como voltar igual. Aí fiquei lembrando dos shows que fizemos juntos e um desses shows tinha a música "Ai Que Saudade D’ocê" do Vital Farias que fala sobre mandar um passarinho para dar um beijo… Pegar essa imagem é muito sobre a nossa relação. Eu entrei nessa onda que eu ia morrer e fiquei pensando o que eu gostaria de falar para o Renan misturado com tudo isso - fazer uma música para ele cantar, a perspectiva pra ele voltar pra gente fazer um show juntos, de estar retomando o mundo… Tinha muita coisa e [a música] saiu assim. Eu acho que essa coisa "de mim, você vai lembrar" é num lugar [olha para o lado e depois pra baixo]... Não sei, [é sobre] as relações verdadeiras, sabe? No final eu acho que é um pouco isso - você vai lembrar de mim porque eu sei que eu fui importante pra você. A música é como um presente: eu fiz um vestido, mandei um beijo e fiz uma canção. Esse disco é um presente de músicas para o Renan. Agora respondendo a pergunta, acho que não tem como a gente não querer outra coisa a não ser ser lembrado pelas pessoas que a gente também vai lembrar. 

João Rodrigues: É engraçado o lance da morte porque ela é um fim e tudo que é o fim meio que marca a existência toda, tá ligado? Em alguma medida, penso e não penso sobre, porque a lembrança tá no dia a dia… Não sei. É sempre uma coisa que me pega muito. 

João Sampaio: Volta um pouco para o que a gente disse anteriormente. Pensando especificamente neste projeto, quero que ele seja lembrado por ter feito parte da vida das pessoas, eu não quero que as pessoas lembrem de mim, mas das canções e o que as canções significaram para elas. 



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