O grito de Janine
- Michele Costa
- 30 de abr.
- 4 min de leitura
Criado por Tatsumi Hijikata após a Segunda Guerra Mundial, o butoh harmoniza as emoções com o corpo para retratar a dor do espírito e da alma. Os movimentos, em parceria com o rosto pintado de branco, expõem o que pode haver de mais sórdido, solitário e obscuro em uma pessoa. Ao seguir os passos da técnica, Janine representa o reconhecimento da dor velada e de suas vontades submersas em Muda, seu EP de estreia.
Além da guitarra e letras da cantora, Janine compartilha com o público o seu lado cênico: é possível visualizar a representação artística enquanto canta “Largue”: “O olho ele fala de mais, transparente / A alma que vem e que faz / Traz / Atrás de mim ela fala / Largue-me, leve seja / Largue-me, leve seja.” A Muda deságua ao se apresentar.
Kazuo Ohno, mestre do butoh, afirmou que “as mãos são feitas para falar com eloquência, como se quisessem expressar nossos sentimentos. Mas os pés não falam tanto quanto as mãos, porque eles ancoram a vida.” No caso de Janine, as mãos e os pés são substituídos pela voz. Dessa maneira, a personagem - presente na capa do disco - canta para si, sob tropeços e desconfianças de seu pensamento, refletidos no instrumental de Bauer Marín (baixo) e Arthur Xavier (bateria).
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Você se expressa artisticamente há anos, no entanto, só agora lançou o seu primeiro EP. O que te levou a lançar sua carreira solo e porque levou tempo para fazer o seu debut?
Acho que a música sempre foi o fazer artístico mais importante pra mim, e também o mais dolorido por alguma razão, o que me fez esquivar bastante dela. Compor minhas próprias músicas sempre foi um sonho, ter essa destreza, ter fluidez nesse meio. Acho que, por eu ser muito crítica comigo mesma, demorei muito a me permitir finalmente compor canções e sair da fase de rascunho. Gosto de pensar que a minha escrita musical escavou em mim partes minhas que eu não conhecia, a partir de um exercício de aceitação pessoal.
Muda é o nome do seu EP, dando diversas interpretações: uma muda de planta que cresce e vai se transformando; a personagem criada para representar o reconhecimento da dor velada e suas vontades submersas; uma pessoa que utiliza a arte para dizer aquilo que nunca conseguiu verbalizar… Como você lida com as possibilidades de interpretações? Além disso, como foi criar o conceito para o EP?
Acho que nunca pensei previamente o conceito do EP. Ele surgiu de uma vontade de por pra fora e isso acabou, em retrospectiva, sendo o tema: trazer o ruído interno pra paisagem externa também. Tipo se ouvir falar sozinha e levar um susto com o que sai da gente.

Ao se apresentar neste EP, conseguimos saber quem é Janine?
Acho que cada um que ouve o EP pega um pedaço que chama mais sua atenção e cria uma imagem nova a partir disso. Por serem poucas músicas gravadas, ainda não deu pra mostrar todos os rumos que o show ao vivo toma, por exemplo, com algumas músicas mais agitadas e pesadinhas.
A capa foi inspirada no Butoh. Como a técnica apareceu para você e o que te levou a trabalhar com essa expressão no disco? Ao pintar o rosto de branco, como fazia Kazuo Ohno, você consegue expressar suas dores e convidar o ouvinte a esvaziar os sentimentos dele também?
Na capa estou vestida de Muda, que é uma personagem que criei ao longo dos anos estudando teatro. A capa não foi diretamente inspirada no Butoh, mas essa é uma técnica que ajuda a formar a personagem Muda. Fui apresentada ao trabalho de Kazuo Ohno por uma professora de dança no ensino médio e fiquei comovida pela comoção dela, nos mostrando "pessoas dançando os fantasmas de seus entes queridos". Fiquei com aquilo na cabeça, mesmo sem "entender" a beleza que ela via. Mas aquilo ecoou e voltou mais tarde, numa aula de teatro, anos depois. Comecei a pesquisar e só ressoou cada vez mais comigo. Gosto de como Ohno destaca o invisível, o espiritual e a intuição no fazer artístico.
Suas canções são reflexivas. Elas são criadas a partir de suas vivências e observações ou a partir de uma narrativa poética determinada por você?
Acho que as duas acabam se misturando. A maioria dessas composições partem de sensações e subjetividades, então, a meu ver, o corpo e imagens que elas tomam é muito amplo e moldável pra diferentes vivências.
Em "Largue" você canta: "o olho ele fala demais, transparente". Pra você não é possível esconder os sentimentos? Você também diz que "tem que acontecer", o que você quer que aconteça?
Eu gosto de acreditar que a nossa intuição sabe ler as pessoas, se a gente estiver conectado. Mas tem muitas variantes no meio disso. Já me disseram que sou difícil de ler e eu jurava que era óbvia. Sobre o "tem que acontecer" acho que ele fala de uma necessidade de ação, movimento e atitude de forma geral, tipo um Ás de Paus do tarot. Olhando de perto, acho que quando escrevi isso eu provavelmente estava pensando no meu primeiro show, que eu não podia cancelar ele, mesmo estando morrendo de medo, "tem que acontecer".
Já em "Uníssono" você diz que não vê estrelas. O que enxerga?
Uníssono é uma música bem visual, a letra já teve várias versões. Fala principalmente sobre se sentir impotente diante de alguma condição, interna ou externa. Vejo ela nas cartas 8 de Espadas e 3 de Paus, do tarot ilustrado por Pamela Colman Smith, que inclusive foram as imagens que me ajudaram a criar a letra final.
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