Escritos de um Viado Vermelho
- Michele Costa
- 28 de jul.
- 3 min de leitura
A história de James Green com o Brasil teve início em 1973, quando, movido pela curiosidade, liderou um grupo de discussão sobre o país na universidade. Ainda nos Estados Unidos, engajou-se ativamente na denúncia das torturas e prisões arbitrárias ocorridas durante a ditadura civil militar, alertando também os americanos sobre o papel que seu próprio país desempenhava naquele contexto autoritário. Três anos depois, em 1976, durante o governo de Ernesto Geisel — que prometia uma abertura política "lenta, gradual e segura" —, Green desembarcou no Brasil com a intenção de permanecer por apenas seis meses, mas acabou estendendo sua estadia por seis anos. Esse enredo dá o tom de Escritos de um Viado Vermelho (Unesp, 2024), coletânea de ensaios em que o americano combina relatórios autobiográficos com ensaios sobre movimentos LGBTQIAPN+ e os anos de chumbo.

O título provocativo (e até engraçado) não é apenas uma provocação estética, mas a síntese direta da postura assumida pelo autor: um intelectual gay que "tornou-se o poderoso "viado vermelho", internacionalmente conhecido e reconhecido como um dos mais importantes estudiosos do país no exterior e ativista influente", como descreve Benito Bisso Schmidt - coordenador do centro de referência da história LGBTQIA+ do Rio Grande do Sul (Close) - no prefácio do livro. Dessa maneira, Escritos de um Viado Vermelho traz o olhar do militante de esquerda durante anos conturbados: Guerra do Vietnã, ditadura civil militar, o retorno da extrema-direita e os governos de Donald Trump (2017-2021) e Jair Bolsonaro (2019-2022).
Por mais que seja um livro político, James Green vai além: propõe um exercício de análise crítica sobre como a repressão moldou subjetividades, silenciou afetos e marginalizou identidades. Com precisão, Green evidencia, com precisão, como a ausência de políticas públicas voltadas para a população LGBTQIAPN+ naquela época gerou consequências estruturais que ainda reverberam nos dias atuais. Trata-se de uma obra que, antes de tudo, olha para as pessoas.
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Dividido em sete partes, Escritos de um Viado Vermelho reflete o conhecimento e as percepções de James Green, além de abordar a história da homossexualidade masculina, os desafios enfrentados por historiadores ao investigar temas marginalizados, as intervenções dos Estados Unidos no Brasil (em 1962, 1964 e 2016), bem como análises sobre representações de gênero e sexualidades dissidentes em figuras emblemáticas como Sarah Bernhardt, João do Rio e Madame Satã.
"De acordo com a análise que eu já fazia naquela ocasião, se o Brasil não estivesse dominado por uma ditadura militar no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o movimento brasileiro de gays e lésbicas teria se desenvolvido antes do que se desenvolveu. As aberturas políticas na Argentina, de 1971 a 1976, permitiram a criação de um movimento naquele país, e não há razões para acreditar que algo comparável não fosse surgir no Brasil se as condições políticas tivessem sido mais favoráveis. (...)"
Alguns ensaios se destacam mais do que outros. É o caso de ""Abaixo a repressão, mais amor e mais tesão": uma memória sobre a ditadura e o movimento de gays e lésbicas de São Paulo na época da abertura", no qual Green relembra seu primeiro contato com o Brasil, seu engajamento político nos Estados Unidos e sua atuação como "líder da ala de esquerda do "movimento homossexual", como denominávamos nossos esforços no final da década de 1970", como escreve.
O ensaio "Ditadura e homossexualidades", publicado no dossiê da Comissão Nacional da Verdade, destaca as pesquisas conduzidas por Green em parceria com o advogado Renan Quinalha. Já em ""Quem é o macho que quer me matar?": homossexualidade masculina, masculinidade revolucionária e a luta armada brasileira nos anos 1960 e 1970", o autor relata a história de Carlos e Mário (nomes fictícios), dois militantes revolucionários que mantiveram relações sexuais na prisão. O episódio gerou escândalo entre outros presos da esquerda, expondo a homofobia presente nos próprios grupos revolucionários.
Escritos de um Viado Vermelho segue relevante atualmente porque nos obriga a encarar o passado como algo ainda inacabado. Em tempos de ameaças autoritárias (e sem sentidos), a obra surge como manifesto de resistência e memória.
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