Em qual momento nos tornamos adultos? Quando passamos dos 18 anos ou enquanto tudo ao redor está desmoronando? Como encontramos o equilíbrio quando não conseguimos aproveitar os dias em decorrência do trabalho e das mudanças diárias? Enquanto vive uma jornada dupla, Matheus Who busca respostas para essas inquietações em Iconoclasta, seu segundo álbum.
Maduro e reflexivo, o músico compartilha os seus segredos e anseios em experimentações que mesclam o jazz de Getz/Gilberto (1964) e a sensibilidade de artistas como Phoebe Bridgers e Elliott Smith, tudo isso permeado pela rica tradição da música brasileira. Suas canções são os reflexos da mudança do calor do Rio de Janeiro para o frio de Curitiba, afinal, recomeçar uma vida - sentir saudades de casa, reestruturar sua produção musical, ser um artista com acúmulo de funções - não é fácil. Ele ama, descobre novos pontos de vista, enquanto dá de cara com desconfortos, alegrias, confusões e tristezas.
Em 11 faixas, Iconoclasta retrata a sensação de que a vida não anda no momento em que tudo acontece. No entanto, foi a partir das mudanças - trágicas ou não - que Matheus Who conseguiu enxergar quem é e o que deseja ser para o futuro. Ele segue buscando respostas para suas reflexões com a cabeça erguida.
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Você usa who depois do seu nome e é muito interessante pelo significado dele. Como surgiu essa ideia de adicionar o who? Além disso, você sabe quem é esse Matheus ou você tá também em busca dele?
Nossa [risos]. Então, hoje, Matheus Who, pra mim, significa coisas muito maiores de quando eu decidi botar ele pra ser meu nome artístico. Não sei se é uma história tão interessante assim, mas quando eu tinha 12 ou 13 anos, eu usava muito o Twitter, né - o falecido Twitter hoje - e lá eu tinha uma conta que eu era muito fã de Dr. Who [seriado de ficção científica]. Então, o meu nome do Twitter, era Matheus Who, e as pessoas, meus amigos, já me chamavam de Matheus Who de brincadeira… Quando chegou a hora de lançar o meu projeto solo, né, eu tinha uma banda antes [Carmen], e aí todo mundo já me chamava de “Matheus Who”, “ah, o Matheus Who, das redes sociais” - e aí falei “ah, eu vou colocar Matheus Who”; é esse o significado, não é nada muito de filosófico, é só porque eu gostava dessa série, e ficou assim. Só que depois que eu comecei a lançar as músicas, o pessoal veio me perguntar por quê que é e tal, e todo mundo brinca assim “Matheus quem? Matheus quem?” Como o TikTok tem esses algoritmos de proporções malucas, assim, às vezes um vídeo meu sai da minha bolha, e aí todo mundo fala “Matheus Who? Matheus Who mesmo!” Quem é esse cara? É sempre umas brincadeiras assim e eu acho engraçado de ver o tamanho que as coisas tomam. Mas eu acho que tomou esse significado mesmo de busca de quem é Matheus, e querendo ou não, acabou nesse caminho, que foi um pouco filosófico hoje, assim, não sei. Eu também tô na busca de quem é o Matheus. Todos os dias eu acho que minha vida tá indo pra um caminho, e aí eu recebo sempre alguma notícia - ainda mais agora que eu acabei de mudar pra uma casa nova, tô longe dos meus pais já fazem mais de dois anos, então sempre tô recebendo notícias da família, às vezes boas, às vezes ruins, acabei de sair de relacionamento também -, então eu tô meio que sempre me transformando praticamente todos os dias, então querendo ou não, tem um pouco a ver assim. Só fazendo um parênteses: enquanto eu tava fazendo o disco novo, eu achava que tava tudo ok na minha vida, que o disco era sobre isso, sobre esse estoicismo, essa vida parada, e nada acontece na minha vida, e o que eu posso fazer agora, sabe? Não sei. E aí, no meio do disco, minha vida virou de cabeça pra baixo, eu falei “pô, agora eu tenho um motivo pra tentar reescrever uma letra ali”, tentar fazer alguma coisa que converse um pouco… E enquanto eu tava vivendo, enquanto eu tava descobrindo essas coisas, eu tava escrevendo, e o deadline do disco chegando… “Ai meu Deus, será que eu vou conseguir?” E no final acabou que eu consegui fazer essa... Pareceu um retrato, pareceu uma foto da minha vida nesses últimos meses, nesses últimos anos e eu achei isso muito legal.
E mesmo você procurando ele, tentando encontrar quem é ele, com essas mudanças de vida, com o crescimento e tal, o ouvinte consegue também te conhecer verdadeiramente, indo além do que foi feito no Twitter, do que tá sendo no TikTok, e o que tá sendo nas redes sociais?
Sim, com certeza, eu acho. Desde que eu comecei a levar o projeto com um olhar mais, assim, não profissional, né, mas eu comecei a levar ele mais a sério, do que só “ ah, é um projeto, eu sou um músico, eu sou influencer, eu sou…” Desde que eu coloquei isso na minha cabeça, de que eu talvez parasse de investir tanto tempo em ficar fazendo, sei lá, vídeos, e tentar chamar um público que talvez nem goste da minha música, eu comecei a escrever em português também, no meio dessa época, e eu comecei a ser totalmente transparente das coisas que eu vivo, e mesmo que talvez possam parecer letras simples, para as pessoas que às vezes gostam de mais significados e analogias e tal, para mim é muito verdadeiro, e para mim é muito claro, eu não preciso esconder nada, e eu tenho uma regra na minha cabeça sempre que eu vou escrever músicas: eu não vou escrever sobre uma coisa que eu não passei. Eu gosto de escrever histórias, eu gosto de escrever sobre outras pessoas, mas quando é pra minha música, eu tento trazer muito pessoal. Tanto que eu tava notando, nessas ouvidas de três horas de escuta do álbum, quantas vezes eu falo a palavra eu, eu, eu, eu, e assim, é sempre uma coisa muito pessoal nas letras. Eu comecei a ficar com raiva, o próximo álbum não vai ter nenhuma palavra eu [risos].
Como é abordar o que você viveu, o que você tá vivendo, o que você tá sentindo, tratando no eu, que é uma palavra muito forte? Tem que ter também muita coragem de se expor, porque tuas músicas também trazem uma vulnerabilidade muito grande, né? Como é expor isso ao outro?
Olha, pra mim é um pouco fácil, porque enquanto eu tô no processo, eu tô eu sozinho, comigo mesmo, os pensamentos enrolando, e claro, pra, na hora de materializar isso e chegar no ponto que eu quero chegar com as letras, é um pouco… Tem um pouco de ansiedade, tem um pouco de “Meu Deus, será que eu falo isso, será que eu falo sobre exatamente essas coisas, essas palavras?” E quando eu tô sozinho, é mais tranquilo, só que agora, chegando no lançamento [conversamos alguns dias antes da estreia de Iconoclasmo], eu tô pensando assim “nossa, eu escrevi aquilo sobre essa pessoa e ela nem sabe que isso tá no álbum.” É aí que eu começo a pensar, mas eu não deixo isso me consumir, assim, eu acho que é isso… Pelo menos as minhas músicas, elas transmitem muito das minhas vivências, das minhas histórias, então é um pouco entendível também se eu contar algumas coisas que nem sempre vai agradar todo mundo, e eu acho que quando elas lançarem, e as que já lançaram… Eu não sei, eu só deixo viver, acho que é arte. Eu acho que é isso, é um pedaço de mim, e tá ali, né? Pelo menos eu vou, se um dia eu morrer, eu vou saber que pelo menos eu deixei coisas que eu vivi, coisas que eu passei no mundo e não inventei nada nas letras pra parecer maior, pra parecer menor, ou contar de outro jeito.
Quando você percebeu essa mudança do parar de cantar e de escrever em inglês para o português? Também foi durante esse crescimento?
Sim, sim, foi. Meu pai sempre me introduziu coisas muito, talvez britânicas, meu pai era muito fã de bandas dos anos 70 e 80 da Inglaterra, e eu cresci ouvindo isso, então, querendo ou não, eu tive pouca influência da música brasileira quando eu era criança. Eu sinto que muitas das pessoas que trabalham comigo, músicos de apoio, todo mundo teve muita vivência de música brasileira na vida… E eu fico “não gente, eu comecei a descobrir quando eu tinha 20, 21 anos”, eu também acho que tem muita coisa ainda para eu descobrir da música brasileira. Enquanto eu tava já fazendo as minhas músicas foi quando eu comecei a ter mais contato, comecei a frequentar shows de bandas independentes, comecei a ver que o pessoal tinha influências mais daqui, eu fui tentando também ficar ligado e antenado nas coisas que aconteciam… E fui meio que descobrindo isso, aí eu fui começando a gostar de ouvir mais músicas em português durante essa época, enquanto eu já tinha lançado, e eu falei “vou tentar fazer pelo menos uma para ver como é que vai ser”, eu tinha lançado um EP em inglês, com seis músicas em inglês, e eu falei “vou fazer uma para ver como é que é” e acabou que essa uma é a minha maior música até hoje e é a música mais simples que eu já fiz. É a primeira [música] em português, eu não queria fazer algo super verdadeiro, mas simples também, que fosse fácil de ouvir, deu super certo, o pessoal super recebeu bem, e eu falei “tá, então vou fazer mais” [risos]. Só que eu tenho muito uma coisa de “tá, eu vou fazer mais, mas eu não vou fazer igual” - vou experimentar com outras coisas, sempre evoluindo, sempre tentando trazer mais elementos, mais referências, tentando melhorar a qualidade sempre das coisas que eu faço, né.
Existe uma diferença ao compor em inglês e português? O que é mais fácil, no final das contas?
Ai, eu acho que as coisas soam menos vergonhosas em inglês. De falar uma coisa super, talvez bobinha, super, talvez até um “eu amo você”, num jeito mais, uma analogia, né, não sei, mas em inglês parece muito mais fácil, parece soar muito mais… Não sei. Em português, eu acho que você tem que ter um peso nas coisas, que nem você falou, o eu tem muito peso, então tem que tomar, às vezes, um cuidado, porque é um pouco mais complicado, pra mim, pelo menos.
E hoje em dia, quais são as suas inspirações, as suas influências na música nacional? Algo que te chame a atenção também, que você queira, não repetir, mas se inspirar pros seus futuros projetos?
Sim. Nossa, eu falei do João Gilberto já, um disco dos anos 60, que até hoje me pega e é um cara com uma voz grossa e um violão e é a melhor música do mundo já feita, pra mim, nesse momento da minha vida. E no disco mesmo tem músicas que eu usei muito, só disso, voz e violão, e tentando trazer sempre referenciando esse disco que eu amo muito. Sobre o pessoal que tá em ativo agora, cara, eu tô ouvindo muito o disco da Ana Frango Elétrico, eu amo o que ela fez com Me Chame de Gato Que Eu Sou Sua (2023), e eu acho muito legal que ela mesmo produz, e eu também mesmo me produzo, então é uma grande inspiração pra mim. E, não sei, acho que todo mundo que se autoproduz sempre me deixa um pouco inspirado, ver que o pessoal, tipo, eles estão rodando no Brasil, eles estão, tipo, fazendo acontecer a arte deles, sabe, isso dá um gás.
Mesmo com todos os problemas, mesmo com os editais que demoraram a sair, com os auxílios, as pessoas estão encontrando força pra continuar, né? E você segue nesse ritmo também, né?
É, um pouco, um pouco, eu... Assim, é muito difícil às vezes ser artista independente, porque até uns meses atras eu tava nessa pira de, tipo, “eu não vou fazer show pra esse álbum, eu acho, porque, ai, é muito gasto, a gente vai ter que recorrer, vai ter que ir atrás, eu não sei se eu tô nesse gás agora”, sabe? Já tô com 26 anos agora, eu não sei se eu tô na mesma pique que eu tava quando eu tinha 19, que eu ia atrás das coisas.. Mas chegando perto do álbum, me deu, tipo… Tem muita gente fazendo muita coisa legal, a própria Ana, eu a vi fazendo a tour, aí eu comecei a me organizar, já tô ensaiando com banda e já tô fechando show também já, pro final do ano, começo do ano que vem, então, tem um pouco disso em mim, mas eu sinto que vai crescer conforme o disco sair, for respondendo as pessoas… Eu acho que vai, só vai me dar mais energia pra fazer as coisas.
É muito curioso você tocar nesse ponto sobre ter 19 anos, ter gás e hoje com 26 não ter mais, porque realmente, quando você é jovem, você quer absolutamente tudo, você não tem obstáculos no mundo.
Não tem obstáculo, músico, influencer, é...
Exatamente! Você quer tudo ao mesmo tempo, só que depois você tá cansado, as crenças mudam, você quer outra coisa, etc, e aí a gente chega no início da sua carreira. Você se apresentou e apresentou o mundo dos jovens ali, se apresentou crescendo enquanto você vivia a sua juventude, né? Então, como foi ser jovem, apresentar esse caminho e quais as reflexões que você traz daquele período para hoje?
Nossa! Eu acho que eu vivi muitas coisas muito cedo também, eu acho que eu tive uma adolescência muito... Não, tipo, precoce, né? Eu comecei a fazer muitas coisas de adultos enquanto eu era adolescente. Então, quando eu comecei a lançar minhas músicas, quando eu tinha ali 19 anos, eu já tinha vivido bastante coisa, seja de relacionamento, seja de... Eu tava indo no psiquiatra quando eu tinha 13 ou 14 anos. Então, eu tinha coisas pra falar, eu vivia algumas coisas e... Aí quando eu tinha 19 e 20 anos, eu comecei a ir pra esse caminho da música e comecei a receber a atenção das pessoas e aí eu senti que eu meio que me… Não que me fechei, sabe? Eu parei de ser um pouco doido, assim, da vida, comecei a ser mais quietinho, introspectivo, introvertido e comecei a focar só no trabalho. Talvez eu tenha perdido um pouco dos meus 19 e 20 anos porque eu trabalhava demais, né? E talvez também seja esse o motivo do meu cansaço hoje, de certas coisas de não querer fazer mais desse jeito ou daquele jeito que eu já vivi. E talvez até traz muita experiência e traz muito cansaço também ter essa exposição da... Assim, se você pegar todos meus relacionamentos, estão no meu EP, estão no meu álbum, então dá pra saber tudo da minha vida, só você ouvir. Então, é um pouco assim, disposição às vezes cansa um pouco, às vezes o pessoal se mete muito na sua vida, mas isso é outra coisa, outra história de disposição, né?
E não é doloroso, em algum momento, em algum tom, você trazer muito da sua vida pro seu trabalho e ainda mais cantá-las para outras pessoas?
Eu acho que não. Pra mim não tem esse peso, porque é o jeito que eu gosto de fazer arte. Pra mim, talvez não soe tão verdadeiro se eu não fizer desse jeito. Eu sempre levo tudo pro 200%, tudo que eu me proponho a fazer, então sempre acabo indo demais, até se expor, até, nossa, vou... Nesse disco, nossa, tem muita coisa! Mas acho que vale a pena, pela vida.
No começo da sua carreira, você trouxe muitos anseios e insegurança, mas hoje, após os 25 anos, a gente continua com muitos anseios e extremamente inseguros, principalmente no fim do mundo, numa sociedade extremamente cansada, no capitalismo que só avança, no neoliberalismo e etc. Pra você, como tá sendo viver, após viver a juventude e agora encontrar algum sentido?
Eu sinto que eu tô, assim, novamente, eu não sei como vai ser amanhã, mas hoje, sim, eu tô num lugar muito confortável da minha vida, porque nos últimos anos eu criei um ambiente seguro com amigos que eu sei que eu posso contar nos piores momentos. Eu acabei de passar por um dos piores momentos, de término, de vida pessoal, e eles estavam lá pra me ajudar e eu achei, tipo, gente, por que vocês estão fazendo isso comigo, sabe? E, assim, só uma amizade mesmo e apesar de todas as coisas ruins do mundo, né.. É foda passar pelas coisas e ainda ter alguma esperança, ainda mais nos tempos… Não sei materializar em palavras, só sei que, tipo, cansa muito, mas ao mesmo tempo eu fico ansioso pra ver o que que o mundo pode trazer pra gente de volta, sabe? Não só pra mim, mas pra todo mundo, né? Tem coisas muito ruins, a gente vê todos os dias nas notícias, que a qualquer momento pode acabar, mas se isso não acabar,? Fico pensando nisso. Falando pra todo mundo, mas falando sobre mim, agora que eu vou lançar, talvez, um dos maiores projetos da minha vida e que eu tô muito animado pra ver como é que vai reverberar no público, eu tô, tipo, nossa, eu quero muito que chegue logo, o dia que sair, eu quero ver o que que isso pode me trazer na vida, sabe? Porque eu sou músico independente, eu já tive bastante olhos em mim ali uns três anos atrás, hoje em dia nem tanto. Então, como é que será lançar a melhor coisa que eu já fiz enquanto não tô com a atenção toda?! Fico pensando também, será que essa tensão toda que saiu de mim resultou também em um trabalho melhor? Muitos questionamentos e anseios também, que nem você falou [risos].
Aliás, quando você tava em Carmen, também tinha muito olhar pra você e teve muito olhar pra você bem no início, também em decorrência do Twitter, de redes sociais, etc. Como que foi, de um dia pra outro, crescer nesse naipe? Como foi lidar com tantas atenções?
Nossa, foi uma loucura, foi literalmente de um dia pro outro! A gente tinha uma banda de amigos de escola e aí eu fiz um tweet de divulgação sobre a Carmen, minha banda, e ele simplesmente explodiu em 2018, tendo mais de 3 milhões de visualizações no tweet, 60 mil RTs, foi um negócio muito doido, assim, do dia pro outro, muita gente conhecia a gente, uma banda de amigos… Acabou que trouxe muitas coisas boas também, eu consegui fazer o projeto Matheus, talvez por causa dessa atenção que a gente ganhou ali com a banda, mas também trouxe muitas coisas ruins, né? O pessoal que já tava dentro dessa bolha de bandas e tal, e tipo assim, “ah, está chegando um pessoal novo aqui, não, não, não vamos, né, ah, eles têm mais likes que a gente”, sempre foi uma coisa meio assim no começo, mas depois a gente vai crescendo, vai vendo que nada disso importa, o negócio é… Eles viram também que a gente não queria briga com ninguém, a gente queria mais é fazer coisas juntos, todo mundo junto. Eu tenho um espírito muito colaborativo, então quando eu gosto muito de um artista, eu quero muito fazer alguma coisa junto e trazer junto, e eu acho também que essa explosão, abriu muitas portas pra eu trabalhar com pessoas que eu já gostava, dentro do cenário independente, né, tem uma banda lá do Rio de Janeiro chamada Sound Bullet, que eu era muito fã deles, e aí eles viram lá que a gente tava fazendo o burburinho na internet, eles me chamaram pra cantar numa session com eles, foi muito legal. Eu já era fã dos caras há uns três anos, foi muito legal.
E aí depois você tem essa parada e aí você retorna com um novo projeto, onde não temos mais Twitter - ainda bem! -, mas ao mesmo tempo, a gente tem redes sociais em que o algoritmo é muito difícil, é muito difícil pra você se definir pra entrar numa playlist do Spotify, é muito difícil pra você chamar atenção pra outras pessoas, como sobreviver?
Eu não tenho resposta pra isso, eu também tô tentando descobrir. Uma coisa que eu sei que eu não quero fazer mais é ser esses músicos influencers que criam conteúdos todos os dias sobre a música e tal. Nada contra eles, eu respeito muito quem consegue fazer, mas assim, não é pra mim, eu... não que eu tenha tentado seguir por esse caminho, mas eu comecei ali no TikTok e tal, mas é muito desgastante você fazer a arte e você cuspir o seu coração fora numa coisa que você acredita muito e além disso tudo, desse desgaste emocional que você teve que passar de trabalho de... você ficou dois meses fazendo uma música e aí tem que ainda fazer dois meses de divulgação de TikTok, de reels, sabe? Essa parte eu não me vejo mais fazendo assim, e por isso eu tento encontrar novas formas todos os dias, de tentar fazer as pessoas chegarem nas minhas músicas sem parecer tipo “ai, gente, por favor, venham aqui, sabe, ai, três fatos curiosos sobre mim”, e de novo, nada contra essas pessoas, mas eu não me vejo fazendo isso daqui pra frente da minha vida. Eu quero realmente tentar descobrir essa fórmula de como fazer - e eu sei que não tem uma fórmula, né, é uma coisa que a gente vai construindo todos os dias e mais difícil ainda se você não vai junto com a maré e tenta ali se sobressair no algoritmo, nas coisas… Mas é muito complicado. Eu tenho muita sorte de ter feito, de começado a fazer música lá em 2018, 2019, porque eu acho que se eu tivesse começado depois do TikTok, depois de 2021, 2022, eu não sei se alguém escutaria as minhas coisas, porque tem muita gente fazendo música, tem muita gente talentosa, muito boa, que às vezes nem é reconhecida por causa do algoritmo, por causa das redes sociais, isso é muito triste… Às vezes eu mesmo acho uma banda que tem lá, tem duzentos seguidores e é muito boa, é muito melhor do que as coisas que eu faço e eu fico “nossa” - é doido pensar nisso e eu não tenho uma resposta a como sobreviver [risos].
Isso lembra muito o single que você lançou, “Mais Nada”, onde você retrata duas vidas diferentes com jornadas de trabalho. Como foi chegar nessa parte sem um esgotamento? Ou como encontrar uma saída para não ser engolido por um bournout?
O segredo é que eu tô sempre ali na beira do bournout, mas sempre tento manter a cabeça erguida, né. Não só o trabalho CLT que paga as minhas contas… A música traz dinheiro sim, ganho todos os meses, mas não paga as contas, não paga o aluguel, sabe? É muito difícil. Os streamings pagam muito mal… Enfim, eu tive que recorrer ao trabalho CLT para conseguir manter todos esses planos, mesmo estando lá, de segunda à sexta, das 7h às 18h, sempre tô com o pensamento “tô fazendo isso pelo o que eu amo, pelo amor a música e onde a música pode me levar.” Música é o meu foco principal!
Em nenhum momento você quis abandonar tudo?
Todos os dias! [risos] É isso: olhar para a folha de pagamento e cantando a letra, mas eu tenho muita coragem de expor meus sentimentos nessa música, mas eu não tenho muita coragem em tomar grandes passos e me demitir do nada, sabe? Isso traria consequências irreversíveis, ainda mais nesse momento da minha vida.
Você consegue me responder qual é o seu significado de música e o porquê de precisar tanto dela?
[breve silêncio] Vou dar uma viajada, mas eu acho que música é um sentimento universal. Percebi que quebra a barreira da linguagem, tem pessoas que me ouvem e nem falam português. É uma coisa que existe, todo mundo consegue conectar… Amo [ênfase na palavra] essa ideia, tipo, existe uma coisa no mundo, nesse plano terrestre que a gente vive, que você consegue se conectar com pessoas na Rússia e que tá em outro lugar no mundo e que todo mundo entende! E entende o sentimento que tá passando, mesmo você vivendo vidas completamente diferentes. Entender, só essa palavra… É por isso que eu não consigo deixar de amá-la [a música]. É uma coisa tão complexa… É um sentimento que vive dentro de mim e que nunca vai se apagar dentro de mim.
"O que eu quero causar com esse álbum é o elemento do choque, não só com as músicas e a produção, é algo muito diferente do que eu já fiz. É um som muito mais maduro e quero que venha essa surpresa com as músicas."
Repare na capa de Iconoclasta: vemos Matheus Who melancólico e cansado. Quem não está desse jeito? Agora, olhe para você no espelho - o que você vê? Por isso é fácil se identificar com o cantor: sentimos as mesmas sensações, mas seguimos com a cabeça erguida, pois ainda existe beleza no caos, na vida.
Seu novo álbum é intitulado Iconoclasta, um título forte. Existe uma história por trás?
Existe, existe. Por estar no meio desse caos da minha vida - trabalho CLT consumindo meu tempo, pessoas na internet se metendo na minha vida pessoal e a vida continuar acontecendo, pessoas indo embora, pessoas chegando - percebi que eu tava preso numa imagem de mim mesmo que talvez não fosse aquilo que eu realmente sentisse; eu tava sendo uma pessoa que eu fui construindo durante os anos. Então, eu me distanciei desse Matheus Who, ainda é o Matheus Who, mas senti que quebrei essa imagem e eu queria trazer esse nome para esse projeto que é totalmente sobre isso, sobre todas essas coisas. Eu achei [o título] em um livro que eu tava lendo e tinha essa palavra iconoclasta, aí li, fui pesquisar o significado e falei “esse é o nome do meu novo álbum”. Faz todo sentido e é uma palavra tão chocante, grande e que tem um peso. Eu nem pensei muito, foi muito mais sentimento.
Interessante, porque a capa do álbum diz muito também. É o seu rosto, com os olhos cansados e com uma certa melancolia. Você pensa primeiro no visual ou você pensa primeiro nas letras? Existe um processo de criação?
Eu acho que no caso de botar o nome no álbum, nesse caso em específico, eu meio que já sabia o que eu tava procurando, só estava faltando a palavra. Eu tinha essa música, que estava sem nome, e hoje se chama “Iconoclasta”, diz muito sobre esse momento - a energia é muito cativante, o refrão fica na cabeça… No dia que eu defini o nome do álbum, comecei a pensar no visual, como seria esse mundo que eu queria criar em volta desse projeto em torno dessa música… Comecei a pensar em texturas, papéis rasgando, fotos destruídas pelo tempo e eu precisava muito que a capa representasse um pouco disso. Tem uma artista aqui de Curitiba, a Magu Bistafa, que faz artes com técnicas de textura, aquarela, carimbo, com papéis rasgados… Aí falei pra ela “Magu, o que você acha de fazer a capa do meu álbum?” e ela super adorou, super pirou. Expliquei pra ela que queria que fosse minha cara e que ela a destruísse, essa foi a única direção que dei pra ela.
Antes você abordava a juventude, hoje você fala sobre a vida do adulto - seja lá o que isso signifique. Você conseguiu encontrar alguma resposta para não nos perdemos nessa fase?
É uma busca diária, né, mas sempre seguindo em frente. É seguir em frente e tentar não surtar a cada momento. Como falei, eu tô há um passo do bournout, mas respira, toma um café e tenta relaxar… O que eu tenho feito nos últimos anos é parar um pouquinho quando existe algo que tá me estressando muito. Paro tudo, fico quinze minutos deitado e tento não pensar em nada. Não é sempre que dá pra fazer isso, mas quando dá, faço.
Metade de Iconoclasta foi reescrita no fim das gravações. O que você encontrou no meio do caminho para que essa rota fosse alterada?
É meio irônico, porque você começa a escrever um disco sobre como a sua vida tá parada. Aí você escreve o disco, tá gravando, quase saindo uma música, mas a vida fala pra você “você não queria mudanças? Toma!” Aí vira a cabeça pra baixo em todas as áreas da minha vida. Eu falo muito sobre a minha verdade, por isso, não posso lançar um disco que não passe o que estou sentindo. Foram mudanças grandes em tão pouco tempo, então, eu acho que era uma coisa que valia a pena arriscar esse lado, em refazer, reescrever e regravar… E eu sabia que não ia me perdoar se deixasse tudo isso para um próximo projeto.
Em decorrência dessas mudanças, você está preparado para os próximos passos da vida?
Acredito que tô, tô preparado e de cabeça erguida. Também tô muito aberta para todas as oportunidades que talvez apareçam pra mim. Acho que isso tem muito a ver com a questão da maturidade, quando eu era mais novo, em relação a música, eu era muito mente fechada, mudo de pensamento muito raramente, então eu tinha alguns ideais que não me deixaram aceitar algumas propostas, sendo que hoje isso não aconteceria porque eu tenho mais maturidade em analisar uma situação e ver o peso que isso traria.
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