Vice is Broken
- Michele Costa

- 19 de set.
- 3 min de leitura
É impossível esquecer a dimensão que a Vice alcançou nos anos 2000: a empresa revolucionou o jornalismo ao falar diretamente com os jovens. Sua influência marcou o público, a linguagem e a própria forma de cobrir eventos. Por isso, a notícia de sua falência soou como uma surpresa — quase uma ruptura simbólica de uma era. É nesse contexto que surge o documentário Vice is Broken, dedicado a recontar essa trajetória.
Dirigido e protagonizado por Eddie Huang, Vice is Broken é um retrato pessoal sobre a vivência do chef, autor e apresentador que integrou o time da revista por anos. Para compor o filme, cenas antológicas da redação são expostas, mostrando a história da empresa que começou em 1994, em Montreal, como uma revista de contracultura, ancorada no humor corrosivo, no espírito punk e na rejeição às formalidades da grande imprensa. Com o tempo, transformou-se em uma marca global que parecia ditar tendências, seduzindo leitores, espectadores e investidores com uma mistura explosiva de irreverência estética e jornalismo arriscado.
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O documentário, no entanto, mostra como essa imagem de ousadia escondia um terreno frágil e cheio de contradições. Se por um lado a Vice conquistou prestígio ao enviar repórteres a zonas de conflito, revelando temas ignorados por veículos tradicionais, por outro cultivava em seus bastidores uma cultura de excessos: denúncias de assédio sexual, precarização de trabalhadores e um modelo de gestão tão agressivo quanto as pautas que cobria. A empresa que se vendia como independente e contra o establishment não hesitou em se aliar a gigantes como Disney e Fox, tornando-se refém do mesmo sistema que criticava.

Outra contradição exposta pelo filme é a relação da empresa com seu público. Inicialmente, a marca falava diretamente com jovens marginalizados, prometendo uma narrativa autêntica e contracultural. Com o tempo, no entanto, seu conteúdo se tornou cada vez mais formatado para atrair anunciantes, diluindo o tom irreverente que a tornara única. A promessa de autenticidade deu lugar ao marketing de estilo de vida, e a rebeldia virou produto.
O auge veio em 2017, quando foi avaliada em US$ 5,7 bilhões e celebrada como o "futuro do jornalismo". O colapso, oficializado em 2023 com a falência, mostra como a empresa não conseguiu conciliar a aura de transgressão com a lógica do capital de risco. Ao tentar ser simultaneamente underground e mainstream, rebelde e corporativa, a Vice caiu no próprio abismo que cavou.
O início de Vice is Broken é promissor, no entanto, com o decorrer do tempo, a atenção cai com a narração de Eddie que segue magoado por não receber os royalties aos quais tem direito por conta do seu programa Viceland. O protagonista conversa com antigos funcionários, mas os diálogos são incompletos, fazendo com que sua mágoa retorne ao ponto central.
Outro ponto negativo do documentário é a diferença de tratamento de Eddie para os antigos CEOs da Vice: ele critica Shane Smith - que não aparece -, mas tece elogios a Gavin McInnes, uma das maiores vozes da extrema-direita mundial, fundador do grupo Proud Boys. Ao se encontrarem, rola até brincadeiras e risadas entre os dois, mesmo Eddie não concordando com seus ideais.
Por mais incompleto que seja, o documentário celebra o movimento e é voltado para quem trabalhou na empresa - exs-funcionários compreenderão as histórias abordadas. Mas Vice is Broken cumpre bem o papel de denunciar o paradoxo da empresa que se apresentava como alternativa terminou refém das mesmas forças que criticava. Ao expor essa contradição, o documentário não apenas desmonta a aura da Vice, mas também levanta uma questão maior sobre o futuro do jornalismo em tempos de monetização extrema da atenção.




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