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A procissão de Pero Manzé

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • 16 de set.
  • 14 min de leitura

Uma procissão vai além do eu um deslocamento físico: representa a caminhada espiritual de um povo que une corpos, vozes e símbolos em um mesmo compasso. Como um cortejo que avança lentamente pelas ruas, carregando fé, memória e coletividade, Ave, Êxodo (2025), estreia de Pero Manzé, revela suas raízes numa infância cristã nordestina, seus deslocamentos, suas paixões e angústias no decorrer da vida. 


À frente, como em um andor sagrado, está a palavra êxodo. Mais do que título, ela conduz o percurso do álbum. Êxodo como saída de Alagoas para São Paulo; como deslocamento de engenheiro para o músico de voz própria; como travessia existencial que une o sagrado da fé doméstica ao profano da experimentação. É Dona Marieta, avó materna do músico alagoano, que conduz essa procissão que é regada por amor. "Me sinto privilegiado por ser a primeira pessoa que minha avó benzeu na vida, seguindo uma tradição que ela aprendeu com a mãe dela", diz orgulhoso. 


Com produção de Lucas Gonçalves, mixagem de Chico Bernardes e a master de Fernando Sanches (Estúdio El Rocha), o cortejo de Pero Manzé é composto por guitarras psicodélicas, ecos do Clube da Esquina, a ousadia de Tom Zé, o lirismo de Fagner e de Zé Ramalho. A abertura de Ave, Êxodo lembra os sinos que anunciam a partida, convidando o público a se juntar à caminhada, como fiéis que seguem atentos ao compasso.


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Natural de Maceió, o artista vive em São Paulo há 13 anos. Encontrou na capital paulista a oportunidade de aliar seu ofício de engenheiro elétrico - "por pura nerdice e necessidade", como ele mesmo explica -, com suas descobertas na música, formando-se sonoplasta pela SP Escola de Teatro em 2024. Atualmente, Pero Manzé também trabalha como operador de som em peças teatrais nos circuitos SESI e SESC de São Paulo.


"Me tornar oficialmente músico depois dos trinta foi uma questão grande pra mim por muito tempo. Hoje, porém, enxergo isso com outros olhos - vejo o quanto essa jornada pela tangente foi essencial, vivenciando o mundo totalmente por fora do ambiente artístico, acessando-o apenas como apreciador e, por vezes, como um 'pretenso artista’. Uma experiência que contribuiu muito para meu próprio processo criativo, enriqueceu meu repertório e inspirações", reflete Pero Manzé, que em 2022 decidiu gravar um disco com as canções que vinha acumulando.


pero manzé
(Créditos: Pero Manzé)

Você virou músico após os 30 anos. Em que momento você percebeu que era músico e como foi construir esse caminho até lançar suas músicas?

Na verdade, eu acho que sou músico desde a sexta série, vamos dizer assim, porque foi quando o meu pai me deu um teclado, viu que eu gostava, percebia bem música assim, ele me deu um teclado. E a partir dali, eu acho que já era músico ali, sabe? Mas na época da faculdade, eu fiquei muito na dúvida do que eu queria fazer. Eu queria muito fazer música, mas eu não peitava muito essa coisa, porque lá em Maceió é muito difícil a vida de músico - aqui em São Paulo já é, imagina lá! Então, eu decidi fazer engenharia elétrica, por incrível que pareça, é uma coisa muito próxima de música, porque eu gosto da área técnica também, né? Então, tem a ver com gravação. Então, fiz algo que me garante um emprego [risos] e daí eu vou seguindo a minha coisa de música pela tangente. Eu tive uma banda autoral ainda em Maceió, com os amigos, na adolescência e no começo da vida adulta, uns 20 e pouquinhos anos, enquanto eu tava em Maceió, mas aí, logo que eu me formei, eu vim pra São Paulo para fazer pós em automação industrial e também, lá no fundo, por causa do lugar, né? Porque a parte musical, artística, aflora, né? Eu vim pra cá com 23 ou quase 24 anos… E aí com 30 anos, fazendo 30 anos, eu tive aquela velha crise [de idade]. Então, foi aí que eu decidi fazer alguma coisa com música. Eu saí do emprego que eu tinha, que eu viajava muito pelo Brasil, pela América do Sul - e foi bom, porque eu conheci muita coisa, em paralelo, né? Eu ia trabalhar, mas dava as vezes pra aproveitar, pra ir pras coisas culturais dos lugares. Então, me ajudou muito, me inspirou muito pra fazer música também. As fábricas me inspiraram muito pra fazer música também. Foi nessa crise que eu decidi largar esse emprego, porque tava me consumindo mesmo. Eu fiz curso de produção musical e fui me metendo na música. Até então, eu não conhecia nada, ninguém. E foi quando, em 2019, no final, eu decidi gravar meu primeiro single - foi quando eu conheci o Lucas Gonçalves online, assim. Eu chamei ele na cara dura. Falei "velho, tu tocaria bateria numa música e tal?" Porque eu adorava as músicas dele. Ele [respondeu] "pô, prazer." Aí, desde então, a gente tem essa parceria, né? Todos os singles que eu lancei ele tá lá e agora como produtor musical, né? Então, foi meio esse trajeto, sabe? Aí eu entrei pra área de teatro também há pouco tempo. Agora eu tô trabalhando com... Eu ainda tô na engenharia, tá? Até às 12h, eu sou engenheiro - tudo online, eu faço tudo de casa mesmo -, depois das 12h eu sou da música. Eu tenho o meu tempo livre pra pesquisar, pra poder curtir as coisas em São Paulo e pra o teatro também, né? 


Avê, Exôdo! traz suas raízes de uma infância cristã. Como foi revisitar sua história para adicionar no seu primeiro álbum? 

Ah, foi meio que necessário, porque eu tava meio travado, como eu te falei, eu ia fazer uma coletânea de músicas e eu tava meio travado pra compor, porque eu vi que, ao mesmo tempo, eu enxuguei essas cinco [músicas], essas cinco foram as que mais me deixaram feliz e as outras, putz, não era mais eu, já tinha passado, sabe? Talvez eu revisite no futuro, fazendo outras coisas, mas agora não é, sabe? As cinco [canções] citam alguma coisa em comum. “Bambolina” é muito sutil, por exemplo, porque só fala de comadre e mestre - fala “tá curado em nome do Senhor” é a minha avó me benzendo basicamente. Era uma das [frases] que ela dizia enquanto tava com o matinho me benzendo. “Flor da Freguesia” que fala de freguesia tem muito a ver com igreja também, que é o bairro da igreja, ali ao redor da igreja, então, esses termos eu ouvi minha vida inteira, sabe? Fui percebendo que isso era tão natural pra mim, escrever isso, e um momento foi meio difícil, eu disse “porra, eu vou ficar botando coisa católica em músicas”, sabe? Pra mim foi meio difícil, mas aí eu comecei a perceber, porra, o Milton Nascimento já cantou toda coisa desse jeito, Tom Zé… Todo mundo que eu gosto, já botou coisa ali e sempre fazendo uma brincadeira, tipo, Tom Zé com “Valei-me, minha menina Jesus” [de “Menina Jesus”], sabe? Então eu assumi isso e quando eu assumi isso, veio tudo, descarregou tudo. Foi quando eu assumi e quando eu componho vem esses termos porque eu aprendi em casa isso, então vou usar isso, sabe? Eu roubei trecho de oração que eu aprendi com a minha avó e com a minha mãe e botei na música, tipo, trecho literal. Em “Eçaquará (Olhos de Sol)” tem um trechinho que é uma oração da Imaculada Conceição que é um livreto que eu decorei quando eu era criança - tem uma parte que eu sempre achei bonito que é Íris do céu clara, sarça da visão, que é uma das formas que elogiam Nossa Senhora. Eu faço outras citações, indiretas e diretas, durante o disco, e foi isso que me fez me empolgar; aí veio a história da capa, que é a foto da minha avó, e ela só viu no final do final, porque eu já tava desesperado por uma capa, não sabia o que colocar… A minha avó, há muitos anos atrás, pediu pra eu, se um dia eu pudesse, recuperasse uma fotinho que ela tinha dela, que ela adorava, ela jovem, lindona ali e ela queria essa foto de novo - e eu só tinha a foto da foto. Aí o Léo [Leonardo Souzza], um amigão meu, recuperou a foto, a gente coloriu e fez a capa; e fez todo sentido, sabe? Quando eu coloquei a foto da minha avó na capa, fechou o conceito do disco, sabe? Eu não sei se eu te respondi, eu acho que eu até esqueci a pergunta, mas é por aí. 

No release, você diz que tentou renegar essa influência cristã. Você tentou fazer algo diferente que não fosse muito conectado a você?

É, eu acho que foi isso. Eu acho que eu tentei não ser eu no fim das contas. Aí eu disse “pô, mas vou fazer isso só porque tá na moda?” Aí não dá certo, sabe? E aí eu falo “ah, tu quer saber? Eu vou fazer o que eu sei, né, tipo, o que eu aprendi e tudo mais” e misturando com todas as minhas influências, porque eu acho que é isso, né, o primeiro disco de artista geralmente é sempre um amontoado de influências da pessoa, né? Então, pra mim, é isso, eu peguei o meu amontoado de influência pagã [risos], maravilhosamente pagã, e juntei com a minha influência católica, que eu tenho desde criança, entendeu? Juntei tudo, misturei e deu nisso.


"Essa coisa do êxodo é do ave, da aleluia para o êxodo do que bom que eu sai de mim pra tentar ser músico. Que bom que eu consegui ter essa abertura para ser músico, que bom que eu vim para São Paulo para fazer esse êxodo."

Você acha que ao contar essa narrativa a partir da vivência cristã é uma maneira também de não esquecer suas raízes e dar continuidade à oralidade que foi transmitida pela sua avó e pela sua mãe? 

Ah, sim, de certa forma, sim. É o seguinte, eu acho que há um bom tempo eu encaro essa coisa católica e religiosa da minha família de uma perspectiva, pra mim, que é suportável, vamos dizer assim. Elas têm a crença, elas acreditam naquilo, elas são fervorosamente crentes com aquilo, e eu não. Mas eu acho muito bonito, sabe? Eu acho lindo a forma com que elas levam isso na vida, sabe? E as próprias orações, eu acho muito bonitas. Eu vejo o paralelo que tem nas formas poéticas da música, por exemplo, eu gosto muito de repente e cordel, sabe? E como tem a ver as duas coisas, sabe? Várias orações e tal… Então, é uma forma de homenagear elas, mas não sendo falso, vamos dizer assim, falando “ó, você tem a crença de vocês, eu acho lindo, mas é isso que eu vejo. É essa beleza que eu vejo”, sabe? Esse é o meu olhar pra isso. E eu acho que foi isso que me deixou mais tranquilo, sabe? Foi reconhecer isso em mim - eu não tenho isso, mas eu enxergo dessa forma, sabe? E lá respeito. 

Mas quando você era criança, você acreditava como elas acreditam? Porque eu acredito que quando a gente é criança, não conseguimos ter muita percepção do mundo e vamos comprando a narrativa que os adultos vão colocando na gente, o que é extremamente normal. Mas em algum momento ali na adolescência você percebeu que não precisava ser igual aos seus familiares? 

Sim, foi na adolescência, mais no ensino médico, porque eu sempre participei - eu aprendi a tocar bem violão, o que eu sei de violão, muito por causa de tocar na igreja, sabe? Porque eu toquei na igreja. Eu toquei coral de igreja, junto com as freiras. Eu dei aula para crianças em uma instituição. Enfim, eu sempre vivi ali dentro. Quando eu mudei de escola, que eu cheguei na oitava série, eu fui para o ensino médio em outra escola católica, eu descobri uns colegas que eram uns outsiders, que foi o que eu fiz banda e tudo mais… E foi essa galera que me apresentou Mutantes, porque eu já vinha de antes com a pira com Beatles, e veio a revelação, assim, de rebeldia. Até então era aquilo que você falou, eu não sabia se eu acreditava ou não. Era uma coisa meio... Aí quando eu cheguei no ensino médio eu vi que não era pra mim aquilo, sabe? Até porque eu tive um professor muito bom, o Nilton Rezende, que é de literatura, ele dava a primeira aula no ensino médio dele, ele fazia um conto de Lygia Fagundes Telles, que é Venha Ver o Pôr-do-Sol, e ele interpretava. Meu Deus do céu! O que é isso, sabe? E esse professor era incrível, ele fazia aula de teatro lá, a galera participava, eu fiz trilha pra teatro nessa época. Então, fervilhou a cabeça, sabe? E eu vi que as coisas não batiam muito, sabe? [risos] Parecia que tinha um choque. E aí, pra mim, eu escolhi a partir dali as coisas. Eu acho que eu me defini mais ali, sabe? Mas desde antes eu tinha uns questionamentos. Eu sempre fui um questionador, sabe? Por que eu tô fazendo isso? Por que o sinal da cruz é assim? Por que não sei o que é assado? Aí, eu acho que nunca foi pra mim no fim das contas.


"A jornada foi difícil pra me reconhecer, né? Eu fui aos pouquinhos me reconhecendo como músico. Lá atrás era aquela coisa do adolescente que queria ter uma banda autoral. Foi o Lucas que me abriu as portas pra conhecer esse mundo da música, porque ele é, de fato, esse mundo. E aí, foi nessa coisa de me reconhecer como compositor, primeiramente, que me fez me reconhecer como músico, depois, sabe?"

O disco foi nascendo a partir de processos que você teve com o Lucas. Foi a partir deles que surgiu o disco ou já tinha essa necessidade em mente?

Não, ele veio já com a necessidade de fazer um disco. Eu tinha lançado quatro singles, aí até o próprio Lucas ficar falando “pô, Zé, tá na hora de um disco, né? Então, bora pensar num disco aí.” E aí, eu selecionei umas músicas aí, eu acabei vendo uma coletânea de músicas que eu tinha, né, e dessa coletânea, eu comecei a perceber que ali dentro, cinco músicas conversavam, que tinham muito esse tema religioso, católico, nas letras, só que não, tipo, tem, mas não é, sabe? [risos] E aí eu vi, aí foi daí que eu percebi essa coisa, esse legado todo da minha família, de ter vivido num lar católico e tudo mais. A partir dessas cinco, a gente, eu fui compondo mais as outras, mais seis, né? Porque tem uma que é do Lucas, que é “Procissão” e aí, deu as doze músicas, fechou às doze. 

Como foi esse processo de construir essa narrativa? Em algum momento foi difícil? 

Olha, foi sim em vários momentos, sabe? Eu acho que tem picos de “ah, meu Deus, eu tô muito bem com isso” e outras de “eu tô lá embaixo”, sabe? Me sentindo mal pra caramba e tal. Teve vários momentos assim, foi uma montanha russa e foram quase três anos de processo, de gravação, né? Claro que a gente não ficou gravando todo dia, né? Tinha uns espaços longos… Até quando eu juntava uma grana, eu digo até que eu meio que paguei arte com arte, né? A grana, boa parte do disco, eu paguei com o dinheiro que eu ganhei com o teatro, entendeu? Muito legal isso, sabe? Tipo, eu fui, aí, pá, consegui uns trampinhos aqui com o teatro, juntei a grana, opa, vamos lá! Chama fulano, chama se quiser pra gravar as coisas e tal. Então, foi muito essa troca, sabe? E o processo foi esse. Eu acho que foi aos pouquinhos, fui amadurecendo essa ideia de ser músico enquanto a coisa ia tomando corpo. Eu acho que enquanto o disco foi tomando corpo, eu fui me convencendo mais sobre mim, como músico, sabe? 


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(Créditos: Pero Manzé/Sofia Santoros)

Dona Marieta, sua avó, está presente na capa e na narrativa do disco. Ela continua em você? 

Tá, super! Tem outra questão com a minha família, porque sempre foi muito difícil pra mim essa questão de ser artista pra minha família. Quando eu falo família, é pra família de parte de mãe, porque eu fui muito mais criado na minha família parte de mãe. Meus pais se separaram meio cedo e o meu pai sempre me apoiou… É engraçado, meu pai, porque teve um tio artista que era pintor, um cara que veio pro sudeste e tudo mais, um cara que viveu de arte mesmo, Luiz Coelho Neto, meu pai aprendeu muita coisa com ele… Mas era difícil pra mim conversar com a família da parte da minha mãe assumir isso de ser músico, sabe? Mas acho que era um pouco vergonha minha, sabe aquela coisa que você acha que se falar pra pessoa, a pessoa vai te odiar mas no fim das contas, não?!  “Que bom que você é músico, meu filho, vai lá agora porque eu sei que é difícil.” Então era muito difícil, porque a minha mãe queria o melhor pra mim, só que ela não entendia que o melhor pra mim era ser músico e me lascar financeiramente. [risos] É isso, sabe? E tudo bem. Mas aí a minha avó, não, a minha avó sempre foi a influenciadora. Dizia “não, meu filho, você tem que ser músico mesmo, vá atrás do seu sonho” e não sei o quê… Ela sempre foi a que me incentivou e minha avó sempre foi meio artista, sabe? Ela canta muito bem - como minha mãe fala: ela é muito mulher de frente. Ela sempre foi uma presença muito forte na comunidade, de gostar de ir pra frente e peitar as coisas. A minha avó é muito foda! Ela sempre me incentivou, de querer seguir essas coisas, principalmente quando eu vim pra São Paulo. Ela sabia que eu tava começando a me mexer com essa coisa de música, ela sempre deu total apoio. 


"No Dia em Que Tom Zé Vier Lhe Visitar" foi inspirado no encontro com o cantor baiano, mas soa como uma oração. Você acha que a palavra - assim como a visita - cura? 

Ah, super, muitas músicas do Tom Zé já me curou - ele e outros artistas que admiro. Acho que ele tá muito presente em minhas composições, nas minhas inspirações… Lá atrás, Beatles era algo pra mim que me despertou para fazer doidera, mas, agora, Tom Zé é a referência principal para fazer coisas fora da caixinha. Esse encontro não foi comigo, foi com a minha companheira e ela falou “ele tá me chamando de comadre e tá me contando várias coisas”, no mesmo dia que ela falou isso, baixou essa música pra mim, sabe? É muito pela palavra. Eu me orgulho muito dessa música porque eu consegui imprimir nela a influência que ele me deu da palavra, fazer jogos de palavras inspirados com repente e um tipo de embolada de coco, tudo misturado ali e a viola como um sample de violão e não como a viola em si, sabe? É um sample como ele gosta de fazer. Ele tá me inspirando o disco inteiro mesmo. 


O amor está presente no disco, tem o desejo, o amor fraternal, o amor de neto pra avó, enfim, várias vertentes desse sentimento. Como foi aplicá-lo em diversas vertentes no disco? 

Olha, acabou que eu não pensei nisso, foi natural, sabe? Acho que foi muito natural do disco… Até no começo eu ficava pensando “pô, será que vai caber música de amor romântica aqui?”, no fim acabou que coube, pelo menos eu acho que coube, porque todas acabam amarrando um pouco a narrativa de algum jeito. Por exemplo, “Eçaquará (Olhos de Sol)” é uma baladinha tipo Beatles no piano, porém, tem ali aquela coisa do Íris do céu, sarça de visão que tá comentando alguma coisa que veio da religiosidade, então amarra de algum jeito. No começo eu achei um pouco difícil amarrar isso, mas depois eu fui aceitando e vendo que fazia todo sentido, sabe? Até porque, por exemplo, a música mais carnal que eu posso dizer das músicas é “Chamego Dela”, que é a única música que não tem termo nenhum católico, então, é coisa carnal pura, desejo mesmo. Então é até bom, porque é um contraponto aquilo, sabe? O disco todo ainda tá meio ali na coisa religiosa e tem esse [bate palmas] momento mais carnal. Foi difícil no começo, mas depois eu fui aceitando e conseguindo colocar na sequência as coisas. Quando eu comecei a colocar as músicas na sequência, eu aceitei melhor, sabe? 

Você traz a imagem da paixão no disco. É possível viver a paixão sem ser crucificado? 

Acho que não, de certa forma, não, porque você vai sofrer, você vai levar uns pregos ali nas mãos e no coração de algum jeito, mas de outro jeito, esse não ser crucificado é meio que viver de um jeito livre sem que ninguém julgue, sem que os outros te crucifiquem por aquilo. Tem várias interpretações disso. 


"Esse disco foi uma libertação. Ter feito essa obra é dizer "tô aqui, sou músico, sou pecador e tô vivendo." Trago comigo as coisas boas e ruins dessa criação católica.", reafirma Pero Manzé após a procissão acabar. Ave, Êxodo!



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