As notícias de PC Silva
- Michele Costa

- 10 de set.
- 5 min de leitura
Na Serra Talhada, no interior de Pernambuco, a vida pulsa em encantamentos, procissão e crenças - foi assim, misturando essas características enraizadas, que a música de PC Silva surgiu. É a partir da tradição nordestina, aliada a poesia e ritmos do mundo, que o músico atravessa o ouvinte ao navegar pela memória para a invenção, da saudade para o futuro, da perda ao amor.
Nos álbuns Amor, Saudade e Tempo (2020) e Me Dê Notícias do Universo (2024), o músico revela uma identidade plural, que não se fecha em fronteiras. Se de um lado ecoam baiões, cantigas e repentes herdados da cultura popular, do outro emergem diálogos com o jazz, a canção urbana e os ritmos globais que PC Silva encontrou em suas andanças. Cada faixa soa como se o sertão conversasse com o mundo, sem hierarquias.
O músico compõe como quem escreve cartas: endereçadas ao passado que lhe deu chão e ao futuro que insiste em chamar. Suas canções não esquecem por onde passaram, assim, o sertanejo reflete os sentimentos que sua estrada.
Leia também:
Amor, Saudade e Tempo traz no título três palavras que carregam afeto e memória. O que essas palavras significam para você? Elas se complementam para falar sobre sentimentos?
O desafio de lançar o 1º álbum solo me motivou a escolher o que de mais representativo eu tinha, em termos de composição. Esse disco não foi pensado previamente, música por música, letra por letra ou tema por tema. Quando havia, dentro de mim, a certeza de que o disco iria ser lançado, coloquei todos os nomes das minhas canções em cima da mesa e fui entendendo sobre quais temas elas falavam. No fim das contas, todas aquelas canções estavam agrupadas em três temas: amor, saudade e tempo. Algumas falavam basicamente de "Amor" outras de "Amor" e "Saudade", outras falavam sobre os três eixos, etc. Dessa forma, foi mais fácil decidir pelo título do álbum "Amor, Saudade e Tempo", por ser aquilo que resume esse agrupamento de primeiras músicas lançadas em carreira solo.
Suas canções soam muito íntimas, quase como cartas pessoais. Qual foi o maior desafio em expor sentimentos tão delicados na forma de música?
Por eu me considerar um letrista, antes mesmo de cantor, e por isso o termo "cantautor" me caia bem, acredito que os dois álbuns que lancei, juntamente com os demais singles disponibilizados ao longo do tempo, são mesmo cartas íntimas escritas ao mundo. Na grande maioria das vezes, são pensamentos intimistas e pessoais que acabam ganhando forma de letra e canção. Sempre tento entender se aquilo pode ser parte do pensamento de outras pessoas. Quando isso se dá, a canção ganha contornos de construção coletiva. "Um Frevo Feito Pra Pular Fevereiro" ou mesmo "Adeus, Obrigado e Disponha" e "Meu Amorzim" são canções que, após lançadas, ganharam asas e vôos bem maiores do que aquilo que imaginei quando, intimamente, as escrevi na solidão do lápis, papel, violão e voz nas madrugadas em que as compus. Expor sentimentos delicados é o que sempre procuro fazer, pois isso acaba conectando as pessoas que, de certa forma, também sentem aquilo e isso geralmente é bom.

Seus discos trazem raízes regionais. É uma maneira de contar sobre sua ancestralidade para não esquecer?
O termo "regional" nunca foi um ponto de partida na minha criação artística. Talvez pelo fato de que aquilo que se diz "regional" seja apenas o "natural", tomando como referência o lugar onde cresci e onde vivo atualmente. O termo "regional" me parece muito mais um cobertor classificatório colocado sobre grande parte da produção artística feita em determinados espaços criativos. Entendo o termo "regional" como um carimbo, muitas vezes, do CEP do artista, mas esse artifício também acaba facilitando a compartimentação da criação em gavetas onde, muitas vezes, não cabe o próprio artista dito "regional". Os meus dois álbuns trazem, de fato, o DNA do lugar onde cresci e vivo e das figuras que me moldaram enquanto pessoa e artista. Falam sobre a observação do espaço ao meu redor. Falam de assuntos amplos, do macro e do subjetivo. Discorrem também sobre o íntimo, sobre micro e, de certa maneira, se apresentam objetivamente com a roupa da canção brasileira.
Se todas as vidas do mundo correm pro mesmo lugar, como canta, para onde estamos indo?
Suponho que estamos peregrinando em círculos. Sempre imaginei o futuro como o lugar ideal a se alcançar. O presente que hoje se apresenta me parece distante daquilo que pensei, tempos atrás. Quando penso nisso, quero procurar um futuro parecido com os bons tempos do passado e isso acaba fechando a lata do pensamento que citei da nossa peregrinação em círculos. Se for mesmo isso, caminharemos sempre adiante, buscando um futuro ideal e, quando lá estivermos, vamos querer pintar suas paredes com a tinta do passado. De certa maneira, estamos indo ao encontro do lugar onde já estivemos.
Em "Quem Sabe Não Tem Volta" você diz que planejou futuros. O que espera deles?
Cada vez mais, imagino o futuro como uma extensão do presente, como de fato é. Com filhos no cenário, acredito eu, o desejo de que o futuro seja melhor é inerente a esse pensamento. Trabalho diariamente para que o futuro nos reserve momentos bons, lugares emocionalmente seguros e sorrisos francos, apesar de tudo aquilo que tentará nos esfregar na cara o contrário. O presente é o principal futuro.
Me Dê Notícias do Mundo é dedicado à beleza da vida do aqui e no agora. Ainda é possível ver beleza nos dias atuais?
Se isso não for possível, nada mais é. São tempos difíceis e, por outro lado, as belezas se tornam mais brilhantes por força do contraste. Em tempos intensos como este, há de se encontrar esperança em qualquer coisa que brilhe. Os amigos e companheiros de estrada, para mim, continuam sendo o maior farol nessa busca da beleza, atualmente. É necessário não se sentir só nesse episódio da atual temporada, embora a solitude tenha tamanha importância. A beleza estará sempre pelo caminho.
"Beira de Mar" é uma canção distópica, mas que dialoga com a realidade. Você acha que ainda é possível salvar o mundo? Quais notícias do universo você gostaria de receber?
O mundo não tem salvação e acho que sempre foi assim. As ideias de salvação são tão inúmeras que jamais conseguiríamos chegar a um meio-termo para definir o que seria a "salvação" ideal do mundo. Nossa luta em prol de uma subjetiva salvação é inglória, mas caminharemos pelo tempo em busca dela. Enquanto humanidade, salvaremos uma alma, uma baleia e até mesmo uma comunidade, mas não conseguiremos deixar de assistir o contrário disso tudo também acontecer. O pior (?) de tudo é ter que encontrar a tal beleza no meio disso tudo. Tenho tentado, incessantemente, enviar e receber notícias boas do universo. Que assim seja.




Comentários