Valentim Frateschi: entre mundos, memórias e paisagens
- Michele Costa

- 5 de set.
- 4 min de leitura
A palavra estreito pode ser compreendida como algo apertado, justo; porém, para Valentim Frateschi, a palavra faz alusão aos lugares que o músico já esteve: integrante d'Os Fonsecas, produtor e colaborador em diversos projetos musicais. Dessa maneira, Estreito (Seloki Records, 2025) reflete sua essência ao misturar o que aprendeu ao longo da carreira com sua própria voz, criando um território íntimo e inventivo.
Mais do que uma estreia, Estreito é um convite a percorrer caminhos sinuosos, onde cada acorde e cada ritmo revelam a multiplicidade de Frateschi. É um álbum que não apenas se ouve, mas se sente: como a sensação de atravessar uma ponte entre mundos, entre memórias e desejos, entre o que fomos e o que ainda podemos nos tornar.
Inspirado por nomes como Vovô Bebê, Ana Frango Elétrico e Maurício Pereira, Valentim Frateschi apresenta um disco de experimentação, que se move entre samba, rock, soul e psicodelia. As composições, gestadas ao longo de cinco anos, ganham força com as participações de Nina Maia e Sophia Chablau, reafirmando a dimensão coletiva dessa travessia - como canta em "Pássaro Cinza": "os amigos são a banda / tudo em uma foto só."
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Você faz música desde a infância, participa d'Os Fonsecas e trabalha com outros artistas. Você precisou de tempo para construir seu primeiro disco? Aliás, entre esse tempo para composições, o mundo passou por transformações intensas. Essas mudanças atravessaram sua forma de compor e/ou impactaram na narrativa?
Sim, eu de fato precisei de tempo pra erguer esse primeiro disco. Não só pelo envolvimento com outros projetos, mas também porque cada etapa do processo foi minuciosa e tinha uma certa dose de descoberta, acho que faz parte de ser o primeiro. Sinto que pra cada mergulho que eu dava, precisava de um tempinho de respiro até conseguir mergulhar de novo em uma próxima etapa. Quando a gente fala nas transformações do mundo nos últimos anos, penso muito na pandemia e nesse pós-pandemia que foi quando eu compus a maior parte do disco. Certamente viver um período como esse, pra mim que uso o cotidiano como matéria-prima, atravessou totalmente minhas composições e a narrativa do álbum.
O título sugere algo liminar, de transição. Você enxerga esse disco como um rito de passagem pelos caminhos que passou para chegar na carreira solo?
Não sei se exatamente um rito de passagem, mas o disco certamente conversa com os caminhos que eu passei. Em Estreito eu consegui juntar conhecimentos e pessoas que cruzaram meu caminho em diferentes projetos ou trabalhos, o que prova pra mim que se eu não tivesse percorrido esses caminhos não seria possível fazer esse álbum.
As canções "Mau Contato" e "Falando Isso" contam com as participações da Sophia e Nina. Como foi chegar nesses nomes a partir das características de cada faixa?
As duas são faixas que desde a composição eu imagino a presença de uma voz mais aguda que a minha. "Falando Nisso" é uma faixa recheada de melodias vocais, para além da melodia da letra, e a Nina sabe muito bem usar a voz dela como um instrumento, além de ser uma grande parceira musical. Já "Mau Contato" é uma canção de amor dissonante, torta, um tanto rockeira. E pra mim, hoje, poucas pessoas (pra não dizer ninguém) cantam rocks de amor como a Sophia.
"Pássaro Cinza" traz as imagens da letra, fazendo com que o ouvinte imagine-as e participe. No momento em que se canta "venha ver, venha ver comigo" é um convite para o outro participar deste momento?
Sim! É um convite pra quem tá ouvindo que funciona tanto pro contexto da música, quanto pro contexto do álbum. Venha ver isso tudo comigo!
"FLND", "Colado" e "Novo Espaço" apresentam e/ou dão continuidade às canções. Como essa ideia surgiu?
Depois que as seis canções ("Estreito", "Pássaro Cinza", "Mau Contato", "Falando Nisso", "Corpo Colado" e "Lokotário") estavam prontas, existia a sensação de que faltava algo para dar completude para o trabalho e definitivamente batiza-lo de álbum e não de EP. Somado a isso, eu sempre quis que ficasse claro que se trata de um álbum de produtor. Daí vieram as vinhetas "FLND" e "Novo Espaço" que são sobreposições e manipulações de samples do próprio disco, mostrando um outro lado meu que gosta muito de misturar música orgânica e eletrônica. "Colado", a princípio, era a última parte de "Corpo Colado", mas uma parte que tinha fôlego para virar uma música por si só, o que transformou uma faixa em duas faixas contínuas.
É um disco que aborda diversos gêneros musicais, mas "Corpo Colado" é a única canção que se desloca do álbum. Queria que você falasse um pouco mais sobre o processo e o porquê apenas dessa música seguir um "jazz progressivo".
Desde que eu comecei a compor canções, componho também alguns temas instrumentais que inevitavelmente tem influências jazzísticas. Como "Corpo Colado" já tinha o gancho da letra antes de entrar na parte instrumental, eu achei que ela cairia bem em um álbum de majoritariamente músicas cantadas. Por um lado eu consegui mostrar um pouco desses temas instrumentais no primeiro álbum e por outro sinto que ela ajudou a dar uma profundidade para a narrativa sonora. Acho que não entraram mais músicas assim, porque as outras que eu tenho nesse estilo acabariam levando essa narrativa para um lugar ainda mais distante das outras canções, a ponto de ficar incoerente. Mas elas devem aparecer em algum momento.
Em "Falando Isso" você canta sobre "quem não agiliza não chega" Você quer chegar onde?
Pensando hoje, eu quero chegar no ouvido das pessoas e de alguma forma inspirá-las a viver melhor. Acredito que isso é possível porque a música tem, antes de tudo, esse papel na minha vida.
Com todas as loucuras do mundo é possível parar de ficar depre e seguir suave?
Seguindo nesse caminho, acho que é justamente a música, a dança, as artes, a cultura que ajudam a gente parar de ficar deprê e ficar suave. Se eu parar de acreditar que é possível, eu paro de viver. O mundo tá louco e dolorido, mas meu papel enquanto artista é ajudar a não deixar a peteca cair, inclusive pras pessoas terem disposição para fazer esse mundo melhor.




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