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Entre o riso e o balanço, Papôla estreia celebrando a leveza pós-pandemia

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • há 1 hora
  • 16 min de leitura

Após anos de pandemia, isolamento e um governo fascista, Papôla chega como um sopro de sol depois da tempestade. Com o álbum Esperando Sentado, Pagando Pra Ver (2025), o grupo de indie pop baseado no Recife (PE) entrega um retrato espirituoso de uma geração que aprendeu - muitas vezes à força - a rir do próprio caos. Entre guitarras, samples, synths e letras que misturam ironia e afeto, o disco é uma celebração do riso como resistência, do humor como forma de cura e da dança como reencontro coletivo.


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(Créditos: Clara Lucena)

Com referências estéticas distintas, que aludem ao dream pop, ao city pop, música brasileira oitentista, sintetizadores da new wave, entre tantos outros, o som da Papôla é uma brincadeira legal de se ouvir. Isso porque a banda também diverte o ouvinte aplicando sonoplastias externas aos arranjos, contextualizando a escuta sob movimentos dinâmicos, que te levam de um lugar a outro a cada troca de faixa.


No álbum, com produção musical do debut é de Pedro Bettin (produtor), que integra a formação da Papôla ao lado de Beró Ferreira (guitarrista e vocalista), Matheus Dalia (baixo, guitarra, samples, synths), Guilherme Calado (teclados) e Saulo Nogueira (guitarra), o tom solar se impõe como estética e sentimento. As canções brilham em arranjos que flertam com o pop alternativo, o indie e o rock brasileiro, criando uma sonoridade que vibra entre o lúdico e a reflexão. A Papôla faz rir, mas também faz pensar - e, principalmente, faz querer dançar sem culpa, como se cada faixa fosse um convite para sair da inércia e celebrar o que ainda pulsa.


"Grande parte do disco nasceu em um período de um ou dois meses intensos, no meu quarto. Foi nesse espaço que aconteceram as gravações, a criação das melodias e das letras, tudo a partir de encontros que foram dando corpo às músicas", comenta Matheus.


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A banda foi formada em 2024 e no ano seguinte, vocês lançaram o primeiro álbum. Chama atenção o período curto de um para o outro. Como foi esse processo de formação, processo de disco e o lançamento?

Beró: Eu acho que eu posso atribuir a grande mente por trás disso tudo, que é o Pedro Bettin, que foi o nosso produtor, tambémweb um membro da banda, também compositor. Ele tinha um estúdio em Recife, chamado Secreto Studio, onde tinha ensaio e gravação, eu gravei dois discos lá com projetos diferentes, um com a banda Campo e outro com o meu projeto solo Raio Mata. Ele sempre foi o produtor de todos os discos e tal, e encontrar com o Pedrinho, a gente se encontrar naquele estúdio toda sexta-feira já virou basicamente um ritual da semana, da rotina, era o dia que a gente ia tocar música, ia compor, ia conversar abobrinha e tal, e nisso a gente foi juntando, né? O Pedrinho foi trazendo mais pessoas, eu fui conhecendo o Saulo, fui conhecendo o Matheus Dalia, que é o baixista, e a banda foi meio que nascendo nesse processo. A gente se tornou amigo primeiro, né? E o fato da amizade ter engatado muito bem, acho que virou natural o processo de começar um outro projeto, porque a sina de todo músico, o cara reclama que só se do mercado o tempo todo, mas daqui a pouco ele tá montando outro projeto. [risos] Mas na verdade eles já tinham… Quando a gente começou a se encontrar, eu vi um projeto mais embrionário de Pedro Bettin com o Mateus Dalia e outras pessoas, e era um projeto mais embrionário, que era pra fazer uma coisa mais dançante, mas acabou não dando muito certo, os outros integrantes saíram… Eu já também montando um outro projeto paralelo também, que era uma parada mais Brasil pop assim e tal, e aí ele falou "que tal a gente juntar?" e eu pensei "não, não quero mais outro [negócio] não, outra dor de cabeça não, não quero outra banda mais não." E aí o Pedrinho, um cara com uma visão muito grande, foi chamando as pessoas que ele já sabia que ia casar muito bem com o som, e aí a gente foi mostrando nossas composições, e daqui a pouco tudo evoluiu muito rápido. Primeiro surgiu essas três composições que foram os três primeiros singles ["Canga", "Pé de Coelho" e "Contramão"] - ao invés de sentar pra fazer [outras músicas], a gente já lançou por conta da agonia [risos] e a gente gostou. O feedback foi muito legal, a gente gostou de produzir, então, a gente começou a fazer um intensivão. A gente se juntou - eu particularmente passei quase um tempo morando na casa de Matheus, a gente ia lá pra pensar em composição, ficar batendo cabeça, a gente dormia na casa dele; depois passar outra temporada gravando também… O Saulo pode dar os adendos dele aí do processo de gravação da guitarra também, mas foi um super intensivão, mas acabou fluindo, foi uma dinâmica nova pra mim de composição, mas acho que como a gente se dá muito bem, todo mundo já se conhece, acabou dando muito certo. A gente essencialmente é amigo, a banda veio como consequência, não só do que a gente gosta de ouvir.

Você falou de composição e é outro ponto que me chamou atenção: o disco nasceu em dois meses, um período extremamente curto. Como foi esse processo de fazer tudo muito rápido?

Beró: Então, foi doideira, porque eu acho que boa parte disso se deve também a Matheus Dalia, que é um workaholic musical. Ele só chegava [e falava] "olha, eu tenho essa ideia aqui", "eu tenho essa ideia e essa outra ideia" e todas eram muito boas.

Saulo: Todo dia!

Beró: Era quase todo dia. [risos] Ele ficava chegando e vinha a música quase pronta já, a estrutura da harmonia, né? Eu ia lá, botava a letra com ele e tal, então acho que foi grande parte se deve dessa velocidade a Matheus Dalia ir capinando esse lote, esse terreno baldio aí e tal, semeando assim… As coisas acabaram ficando com um estoque, quase de um processo de uma fábrica assim, né? Mas do melhor sentido que a gente pode falar. A gente fazia todos os arranjos e depois a gente foi lá nas melodias, preparou as melodias, beleza, agora vamos nas letras, assim, sabe? E foi tudo, pá, pá, pá, batendo na cabeça… Acho que o Saulo pode falar melhor aí de como foi o processo de contribuir com a composição também, com as guitarras e tal, enfim.

Saulo: A começar, eu ainda lembro de como foi que eu entrei nisso tudo, eu tava indo para o Secreto pra gravar outro projeto de uma cantora chamada Flor de Jacinto. Terminou, já era madrugada, aí os meninos me puxaram "ó, dá uma olhada nisso aqui rapidinho", era [a música] "Contramão", se não me engano.

Beró: Eu lembro disso, inclusive.

Saulo: Foi assim, coisa rápida, me apresentaram a música, a gente passou pela música, assim, meia hora, 40 minutos e tava pronto. Deu um flow muito rápido. [A Papôla] sempre foi despretensiosa, eu acho que essa é uma coisa muito boa; é uma coisa ambiciosa ao mesmo tempo. A gente dá o nosso melhor, mas é uma coisa que a gente tava ali se divertindo, sabe? Sempre aquele clima muito alegre. E depois que o Secreto passou, né, as gravações de guitarra, as minhas, ficaram aqui nesse quarto, aqui de casa. E é como o Beró falou: o Dalia conseguiu sustentar uma linha de workflow de meses, de você chegar com a ideia, grava a ideia, manda pra ele, que era ele quem fazia esse recebimento e coisa de 15 minutos ele mandava uma balsa pra gente. Cara, nem esfriou ainda, velho, aí eu tô lembrando que eu acabei de gravar [risos]. A gente fazia esse papel, esse trabalho de estar refinando as músicas quase que em tempo real. Todo dia a gente avançava alguma coisa, repensava, refazia, aprimorava e a gente conseguiu fazer trabalho de meses em dias, semanas. E com isso, a gente meio que fazia duas músicas por semana. Então, aí depois, obviamente, foi levando um tempo a mais pra gente ir aprimorando, as músicas foram evoluindo, a gente foi levando esse processo… Mas eu acho que o grande segredo era esse… É como se a gente tivesse realmente tirado um tempo das vidas da gente, assim, todo mundo, pra focar exclusivamente nisso. Todo dia a gente tinha um tempo pra poder reservar pra isso. Aí funcionou muito, muito bem mesmo. Não foi exaustivo, apesar de ter sido muito pesado.

Você usou duas palavras, Saulo, diversão e ambição. E a gente sente isso também durante a narrativa do disco. Como foi poder brincar, mas visando o trabalho da banda?

Saulo: Eu acho que o perfil dos músicos tem muito dessa ideia, porque a gente tem uma coisa em comum: todos são músicos que já têm uma carreira, já estão acostumados com a música, com trabalhar com música… Todos estudaram, todos têm um nível técnico bom, digamos assim, de conservatório e tudo mais. Mas, ao mesmo tempo, todo mundo queria uma coisa leve, uma coisa de fácil absorção, um pop. Mas que, ao mesmo tempo, tivesse aquelas nuances que tinha na década de 60, 70, que dialogavam muito com jazz, dialogavam muito com vários gêneros, aquele fusion da época, a gente sentia falta de ouvir isso aqui em Recife. Existem uns movimentos e tal, mas não da forma que a gente imaginava e a gente queria tomar frente nisso, fazer um projeto. Eu acho que uma coisa muito legal disso tudo é que a gente fez primeiro para nós mesmos. Então, era uma música que a gente queria ouvir. Até hoje eu fico comentando "pô, eu escuto quando eu vou pro trabalho, eu escuto quando eu volto do trabalho" - era exatamente o que eu queria ouvir pra ir pro trabalho, parece que a gente fez para nós mesmos. Eu acho que isso é o que fez a gente poder colocar muita personalidade nessa coisa.

Beró: Eu acho - se eu puder fazer um adendo também - que sobre essa coisa também de ter algumas letras mais descontraídas, não se levar muito a sério… Eu acho que foi até um alívio e respiro nesse lugar de composição, como diria Tom Zé "todo compositor é um complexado." [risos] É uma dualidade: ao mesmo tempo que você que você tá lutando pra conseguir conquistar seu espaço, provar uma pessoa capaz, se provar uma pessoa sensível artisticamente… Quando o artista vai amadurecendo, pelo menos no meu caso foi assim, no caso da gente, acredito também que a gente foi se encontrando, acho que uma boa parte disso foi também da segurança de saber o que é que tá fazendo mais um pouco… E se permitir também brincar de vez em quando e não se levar tanto a sério, sabe? Por conta disso, a gente abre margens e abre possibilidade pra fazer outras coisas. Por exemplo, a Papôla, pra mim, é o projeto musicalmente, harmonicamente mais complexo que eu já estive. Os outros projetos eram mais... Não que fossem simples também, eram complexos, mas você abraçar mais o jazz como uma característica, como potência, da banda foi, pra mim, um desafio. Mas, por outro lado, eu acho que um complementa o outro, entendeu? Assim, você tá ouvindo uma letra, pensamentos, que dialogam com as questões da nossa geração, coisa do dia a dia de uma pessoa querer sair numa noitada e se perder e tal, ao mesmo tempo pensando no amor perdido… Mas, ao mesmo tempo, tudo mesmo dentro da seara, sem nenhum parnasianismo louco de tentar, demonstrar, tentar se provar de alguma forma. Eu acho que o Saulo também falou muito bem, porque no final também tudo fica uma brincadeira. A gente faz brincando mesmo e é isso.

Por mais que seja uma brincadeira, o disco traz a trajetória da banda, dos integrantes, apontando para outros caminhos. Agora que o disco tá aí, o que vocês esperam desses novos caminhos?

Beró: Olha, sinceramente, dependendo de mim, a primeira coisa é trabalhar esse disco, tocar por aí e tal, tocar o máximo que a gente conseguir, mas a gente já conversou isso bastante, o próximo movimento agora vai ser começar a gravar de novo, outro disco. [risos]

Mas já?

Beró: Eu acho que o artista tem que estar sempre produzindo, né? A gente tem a sorte e a possibilidade de conseguir gravar em casa muitas coisas, como o Saulo grava aí na casa dele, a gente grava lá na casa de Dalia também… Isso se deu somente também por ter essa possibilidade de fazer isso, passar quantas horas a gente quiser gravando e tal. Muitos artistas independentes não têm isso, então definitivamente é um privilégio. Mas eu acho que quando a gente terminou de gravar o disco e entrou nesse processo de mixagem, eu não sei os meninos, mas eu fiquei com o corpo quente, tanto é que quando acabou o disco, a gente tinha inicialmente pensado num disco para 12 músicas e duas acabaram saindo, ficaram dez, mas nos dias, nas semanas seguintes, eu, Saulo e Dalia, a gente chegou a compor outras, que a gente pensou "será que dá para colocar ainda?" Mas não dava. [risos] Eu acho que, pelo menos ao meu ver, eu gostaria de voltar naquela coisa de fazer essa imersão e gravar. Até uma forma de manter o exercício constante da composição e também deixar o projeto relevante, sempre novo.

Saulo: A gente realmente gosta de fazer, né? Acho que a essência da banda é essa coisa criativa, essa busca de sonoridade, essas ideias que a gente vai tendo, assim, do nada… É como o Beró falou: o disco tem dez músicas, mas eram doze, depois onze, depois dez… No meio desse processo todo, se a gente juntar entre ideias, beats e melodias, tem quase vinte músicas. Então, se a gente organizar assim, meio que a gente tem um... A gente também fala muito disso porque tem um segundo trabalho que está em potencial, meio que já foi dado um start, em termos de material para isso - a gente já tem material suficiente para continuar trabalhando e, de fato, é o que a gente acaba gostando mais de fazer. Não que a gente não goste de fazer todo o resto, né? Mas eu acho que onde a gente melhor se entende, onde a coisa acontece, o núcleo da coisa tá nessa criação.


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(Créditos: Vinicius Valentim)

As letras também são compostas a partir de vivências geracionais, ou seja, traz aventuras, dramas, amores, mas sempre com uma aura alegre e dançante. Como vocês encontraram uma maneira de lidar e de falar sobre certa situação de forma leve?

Saulo: Eu poderia falar do processo em geral, não focando nas letras. Acho que existe uma conexão com todo o trabalho e, de fato, acho que segue o mesmo raciocínio do que a gente acabou criando nas texturas, instrumentais, arranjos, de haver uma certa complexidade no sentido de zelo com os arranjos, de trabalhar o jazz e todos os gêneros. Mas ao mesmo tempo, é sempre muito claro que a gente quer fazer uma coisa leve. Fazer uma coisa que seja... Sabe quando a gente está cansado? E a gente quer voltar para fora, sabe? Eu acho que vai por aí. E acho que as letras acabaram casando muito bem nesse sentido, de ser uma coisa leve, mas ao mesmo tempo, não deixa de ser uma coisa, digamos assim, adulta - reflete os problemas que a gente tem na realidade como adultos, na nossa geração.

Beró: Pra mim foi um exercício também de composição, porque eu não costumava compor também dessa forma mais livre, né? Livre que eu falo sempre de falar dessa forma um pouco mais descontraída, mas eu acho que, de certa forma, foi libertador. Mas o intuito geral nesse disco, isso não foi pensado conceitualmente no processo da composição, mas foi uma coisa que foi sendo notada ao longo da produção, que as letras tinham certa coerência umas com as outras. Se a gente reestruturasse de uma outra forma que não tá no disco, você consegue ver uma história certinha: de um cara que tá apaixonado e perdeu o amor. Ele entra numa coisa de flertar com outras pessoas - quando a pessoa sai de um relacionamento e tá passando por essa fase de se renovar e tal. Enfim, os desencontros desses flertes acabam levando o cara para uma rotina um pouco mais efêmera de noites e saídas. Aí vem aquela reflexão, aí reflete um pouco sobre o agora e o que é que ele pode fazer para melhorar e tal… Ele meio que encontra uma luz no fim do túnel. "Eu posso trilhar meu próprio caminho, eu não preciso seguir essas coisas. Eu não preciso fazer coisas que não me agradam." Parece que é de noite e uma pessoa tá saindo um pouco frustrada na sexta-feira, tem uma noitada, fica na rua até o amanhecer e aí bate aquela bad. A ressaca moral no dia seguinte [e ele] fala "meu irmão, eu não vou fazer mais isso, isso aí não dá para mim mais, não." [risos] Então, tipo, eu acho que as reflexões, elas se encaixam nesse cenário - a gente foi percebendo isso ao longo do processo das composições e reflete muito sobre o que a gente tava vivendo na época, em certa medida. A questão da coisa mais reflexiva do eu-lírico refletindo sobre os momentos da vida dele quando ele não tava satisfeito com as coisas da vida dele. Eu acho que o disco, inclusive o título, vai mais nisso também. Apesar de ser um trechinho da música "Pé de Coelho" é um pouco disso: ele tá paciente, talvez de uma forma passiva, no "esperando sentado" pode vir algo acontecer com ele, mas ao mesmo tempo, ele tá pagando pra ver, botando a prova o que pode acontecer. Agora, sobre fazer letras alegres e divertidas, parte também do que a gente gosta de ouvir.

Aproveitando que você comentou sobre o título, ele é muito ambíguo. Vocês ficariam sentados e pagariam pelo o que?

Beró: Caramba, meu Deus! [risos] Com certeza faria as duas coisas por diversos motivos, mas se eu fosse escolher… Eu acho que isso é pra gente, não como conceito do disco, é uma aposta do projeto, sabe? Vamos ver o que é que dá isso aqui. Pra mim é isso - não falo pelos meninos, só por mim -, mas ele [o título] tem imagens como você pontuou pra gente ter essas diversas interpretações. Aquela que eu tinha citado do disco é uma que me cabe também - se alguém pergunta sobre o título. A gente não queria colocar nenhuma música como título do disco porque automaticamente aquela música passa a ser a música que representa aquele disco. Vai ser um título que complemente um pouco a ideia. É mais um texto que dialoga com a aposta do eu-lírico de querer se perder na noite para esquecer dos problemas, mas com o chegar da manhã, não é a mesma coisa, os problemas não foram embora, ele vai ter que enfrentar de alguma maneira. Eu estou pagando pra ver - acho que todo artista independente faz os dois.

Saulo: Eu acredito que esse título do álbum funciona como uma filosofia mesmo - acho que o álbum foi feito nessa filosofia, os integrantes que participaram e participam tem essa filosofia.

Beró: Todos filósofos! [risos]

Saulo: Repito: é despretensioso, a gente espera sentado, mas é ambicioso. É algo que eu prezo muito, que valorizo muito e que a gente não perca esse espírito de ser despretensioso, não se deixar tomar pela ansiedade ou qualquer sentimento nesse sentido, mas ao mesmo tempo, sem perder a ambição no sentido de querer sempre fazer, de dar o melhor, estar sempre exercendo a arte.


Em "Contramão" vocês cantam que já passou o tempo de correr e a ideia é alcançar o agora. O que vocês querem alcançar agora?

Beró: Esse contexto fala comigo a partir da minha trajetória como artista independente. Desde que eu aprendi a tocar um instrumento, no ensino médio, eu sempre tive bandinhas de escola e todo mundo que toca um instrumento - pode falar que não, mas é um pouco verdade - tem essa ânsia de um dia trabalhar com isso em algum momento ou, pelo menos, ser reconhecido pelas criações e composições. Eu comecei a pensar seriamente um pouco mais sobre o meu futuro quando eu comecei a gravar meu primeiro disco, em 2019, e foi interrompido pela pandemia, e foi um processo de reflexão muito intenso e forçada, né? A gente teve que aprender e conviver com as nossas angústias e nem sempre a gente chegava em uma conclusão - acho que tem muita gente sequelado da pandemia até hoje, inclusive eu. A música… Eu posso tá mal ou estressado, mas eu vou tá sempre me voltando pra composição, gravação… Esse tempo foi importante pra ver as coisas da minha vida mudando, a gente foi envelhecendo, você vê dinâmicas diferentes e pessoas com um incentivo maior de gravadoras e tal e [você se pergunta] "será que isso vai acontecer comigo ou será que eu vou ficar assim pra sempre?" Além de ser músico e compositor, você tem que ser um pouco de tudo hoje em dia, né? Pra mim é isso. Eu lancei esse disco, eu vim desse lugar de frustração, de sofrimento, não tenho capital… Eu percebo que não importa o quanto você se preocupe em fazer uma boa composição, procurar ser um bom compositor, ser um bom instrumentista, se você não procura uma fórmula daquilo chegar nas pessoas. A composição de "Contramão" foi feita quando a banda era muito embrionária, a letra falava mais do indivíduo que tá numa crise existencial, questões reflexivas do eu-lírico mesmo que pode ser uma questão amorosa ou com dinheiro ou com trabalho… Acho que cabe uma reflexão positiva para diversos momentos. Eu fico feliz com o reconhecimento, apesar de pequeno, da Papôla e o que eu almejo para o futuro, além de gravar e continuar fazendo o nosso trabalho, é que esse som chegue em mais pessoas. Quero tocar mais por aí, me aperfeiçoar como músico e compositor… Ter uma espécie de futuro financeiro também, por menor que seja.

Saulo: Pra mim não é muito diferente. Primeiramente, a gente ficou muito feliz em saber que o álbum contagia. É um álbum que funciona - vamos usar uma palavra bem pragmática -, chega nas pessoas e causa uma reação… A gente esperou sentado, agora a gente quer pagar pra ver. [risos]

Beró: Exatamente! Agora a gente tá com o disco na praça, qual vai ser doidão?

Saulo: Surgiu essa circunstância do disco funcionar… A gente consegue criar um nicho de pessoas que querem saber o que a gente vai fazer, que gosta do que a gente faz e quer acompanhar… A partir daí é difícil não criar uma expectativa, né? Acho que todos nós temos uma missão para além de só tocar - a gente quer mais e mais tá envolvido com música e viver nisso.

Beró falou sobre pandemia e me fez lembrar de "Jardim das Delícias Terrenas". Vocês dizem que é possível ver nos olhos o faro da solidão. Estamos tão ferrados assim?

Beró: Aí tu me pegou... Uma pergunta que não tem resposta. [risos] Sabe quando a gente sai de um filme que move muita gente? A gente sempre saí com aquela sensação de tudo estranho, ninguém sabe a sensação que eu acabei de viver… Eu ainda estou assim! Passar dois anos e meio, três anos dentro de casa com risco de morte presente é algo que a gente desaprende a viver naquele momento… Eu entendi que em 2023, a gente deu uma virada de um mundo todo que queria viver intensamente, sabe? Foi o melhor carnaval, aconteceram muitas festas onde as pessoas celebravam que estavam vivas… Essa composição reflete nesse lugar do eu-lírico de querer extravasar, querer se embriagar nas sensações e nas coisas que o mundo possa oferecer. A letra foi também pensada na hipocrisia das pessoas que apontam a vida de outras pessoas - pessoas fundamentalistas - não vou dizer caretas -, pessoas que não se arriscam. O eu-lírico aponta para essa solidão cravada na tristeza em ver outras pessoas se divertindo, procurando coisas para se sentirem vivos… É um pouco da solidão e da hipocrisia dela estampada no rosto dela, sabe?

Vocês acham que a Papôla também surgiu com o objetivo de celebrar a vida após tantas perdas, tristezas e o retorno do fascismo?

Beró: Com certeza! Tem até aquele meme do Thie Rock "eu não quero saber de depressão e coisas pra baixo no rock." [risos] Mas é isso mesmo.

Saulo: Quantas vezes não usamos isso na produção do disco?

Beró: Exatamente, aqui é alto astral! [risos] Eu realmente acredito nisso. Veja, eu posso tá falando asneiras, mas eu acho que existe uma coragem muito maior na gente - não só a gente, mas artistas que abraçam isso - em fazer coisas alegres - propositalmente alegres. Abraçar a felicidade e o desejo de ter coisas boas na vida como uma coisa válida. Tanto como a poesia é mais rebuscada, acho que falar de coisas tristes e melancólicas pode se tornar uma zona de conforto. Eu não sou fiscal de nada, tô falando da minha perspectiva. Pelo menos pra mim foi uma coisa interessante assumir canções alegres e querer dançar ao invés de ficar nessa coisa de bad… Foi importante pra mim fazer isso.

Saulo: Você chegou em ponto que acho que é importante, porque era algo que a gente queria ouvir um som assim. A gente não fez isso sob medida, a gente não fez pensando em termos de demanda, a gente pensou em termos de necessidade. Era uma lacuna pessoal.


Com Esperando Sentado, Pagando Pra Ver, a banda marca sua estreia com frescor e autenticidade, mostrando que é possível transformar as ansiedades de uma geração em algo luminoso. Em tempos de cansaço e excesso, a Papôla surge como um escape, que aposta no bom humor e na música como pontes de afeto - e que faz do riso um gesto de esperança.



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