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A arquibancada do sol de Zepelim e o Sopro do Cão

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • há 5 dias
  • 7 min de leitura

Em O Povo Brasileiro (Global, 2015), Darcy Ribeiro busca compreender quem somos, o que somos e a importância do nosso país. Ao longo de 368 páginas, descobrimos que "o Brasil é uma etnia nacional, um povo-nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado para nele viver seu destino." A ideia do antropólogo - a de um país formado por muitos povos - estampa a capa de Arquibancada Sol (2025), novo disco da Zepelim e o Sopro do Cão, ao representar a classe trabalhadora e a "geral" das arquibancadas como símbolos centrais.


zepelim e o sopro do cão
(Créditos: Caio Fernandes)

Com produção de Alexandre Capilé (Suga Kane), o novo álbum é inspirado na arquibancada geral dos estádios de futebol, espaço popularmente conhecido como arquibancada sol. Ocupado por diferentes rostos e histórias, Arquibancada Sol trabalha a ideia de resistência e coletividade em meio à precariedade, dando continuidade a sonoridade iniciada em Caranguejo de Açude (2024), disco intenso. 


No primeiro álbum, ZSC mergulhou em camadas mais densas e introspectivas, explorando o peso das memórias, das raízes e da vida em movimento. Agora, o som se abre: arranjos mais arejados e letras que convidam à partilha revelam uma banda em expansão. As composições da obra nasceram da parceria entre Babu e Dede, que estruturaram instrumentais, arranjos e melodias, posteriormente desenvolvidos com os demais integrantes da banda, Igor Punk, Igor Carvalho e o baterista convidado Petrus Martins.


"O primeiro disco tem muito de nostalgia, [porque] pega muito do início e também pega do ponto de partida que a banda se direcionou até agora. O segundo disco, ele é mais contemporâneo. Ele retrata mais o que a gente vive agora, o que a gente quer viver e expressar no momento. Tanto em questão de maturidade como em questão de musicalidade também. A gente tá em constante expansão de música e tudo e a gente quer expressar, quer jogar isso pra fora", explica Igor Punk. 


"A gente é antropofágico, então, a gente consegue cuspir tudo isso."

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O primeiro álbum, Caranguejo de Açude, trouxe a identidade inicial da banda. Como vocês enxergam esse novo trabalho que traz um novo repertório capaz de ampliar públicos e territórios?

Babu: Eu acho que o primeiro álbum foi muito uma coisa… Porque a banda é de 2006, né? Então, foram oito músicas, metade do álbum é de músicas que foram feitas aí no começo da banda, em que eu nem tava, nem o André tava, saca? Tava aí o dois Igors aí e tal. Então, tipo, foi um álbum que a gente tinha uma herança ali, a zelar também, em que a gente pegou essas músicas antigas, repaginou… Porque, tipo, o processo de produção é isso, né, você lapidar; e tiveram músicas novas, que quando eu entrei na banda eu meio que assumi esse posto mais de escrita e a gente fez junto essas músicas novas, realmente novas, e foi isso, né? Foi uma junção de coisa antiga com coisa nova, mas tudo novo ao mesmo tempo, até porque a partir do processo de produção foi tudo lapidado novamente, direitinho, e aí, acho que foi bem isso, foi um encontro geracional entre eu e o Dede, que entramos depois, e os dois Igors que já estavam. A gente conseguiu fazer isso daquela forma aí, foi mais ou menos isso.


zepelim e o sopro do cão
(Créditos: Dede e Erika Cabral)

Arquibancada Sol se inspira no “geral” dos estádios, podendo enxergar um sol após anos sombrios, diferente do primeiro álbum que soa um pouco dark. O que motivou vocês a trazer esse universo para dentro do disco? 

Babu: É um disco bem político ainda, mas por essa analogia de arquibancada sol é justamente o que a gente quis trazer. Essa coisa dark [do primeiro disco] é cansativo você enfrentar uma ladeira de Olinda no carnaval, mas você ama aquilo ali, né? É dificultoso, mas é gostoso e abre um sol… Carnaval ou futebol são ferramentas políticas. Eu gosto de dizer que não é um disco sobre futebol, é um disco sobre arquibancada sol que tem pluralidade e tudo que tem da mistura social que existe lá dentro, tal qual o carnaval ou um São João pra gente, tá ligado? A gente realmente conseguiu fazer com que esse sol se abrisse, mas sem deixar de lado essa questão política. 

Dede: É um disco mais pra cima. Agora que você falou sobre isso, eu não tinha mais parado para pensar sobre isso, mas eu lembro que quando a gente tava compondo, uma coisa que eu comparava muito - não é que eu acho que o outro é mais dark, mas tem uma coisa mais melosa, tem umas baladas… Por mais que as canções desse disco sejam um pouco pesadas, esse disco é muito pra cima. Esse disco é bom pra malhar, pra correr, ele te deixa instigado pra ouvir de novo - e não foi porque eu fiz. [risos] Tem essa energia pra cima, não tem nenhuma música que eu fico down, tenho vontade de quebrar algo ou de ficar feliz. 

Babu: Até o próprio refrão de "Obter" [canta e abre os braços] dá vontade de dar um abraço em uma pessoa. [risos] 

Dede: Ele tem essa energia pra cima e acho que ao trazer isso, a gente consegue passar essa ideia que você falou. É uma coisa boa porque é uma forma celebratória, é sobre a geral - esse lugar que você passa por altos e baixos, mas tá todo mundo junto, celebrando algo, gastando energia na insalubridade, no carnaval, um cortejo da coletividade… É sobre ter isso. 

Babu: É sobre ter arte de uma forma espontânea. É onde a arte nasce de verdade para, depois, o mercado tomar pra ela e ganhar dinheiro. 

Igor Punk: A tua interpretação do primeiro disco ser mais dark é pertinente porque ele veio de uma carga muito pesada do início da banda e foi meio, pelo menos pra mim, uma questão de honra em dizer “bicho, tudo que a gente construiu, a gente não pode deixar perdido, não deixar dez anos ir de água baixo.” Então ele tem uma carga muito pesada nesse sentido porque era um peso nas costas e o processo de gravação muito conturbado, né, foram quase três anos… 

Dede: Durante a pandemia. 

Igor Punk: Foi muito difícil! Querendo ou não, por mais que as músicas sejam felizes, [corte no áudio] tem críticas ali e que me causam, de alguma maneira, um momento de introspecção. Querendo ou não isso passou e muitas pessoas tiveram essa interpretação; já em Arquibancada não - a fase que a gente vive, a gente tá mais confortável, mais confiante a se garantir em qualquer coisa que a gente quiser fazer. Não temos amarras do primeiro disco, a gente tava mais ciente de que isso realmente podia ser bom, a gente foi pro estúdio sabendo que ia dar certo, que as músicas tinham bastante potencial - isso refletiu em todo processo de gravação que também transparece. 

Igor Carvalho: Acho também, Michele, que ela aborda esse tema talvez no substrato que ela pegou… O Arquibancada Sol é solar pelo fato de ser uma realização artística nossa, né? Tendo novos contatos, caçamos um bom produtor, melhores estúdios… Acho que é meio uma realização artística nossa, por isso, talvez, tenha aquela luz amarela [leva a mão no rosto] que vem ao rosto, né? [risos]


"Acho que esse foi o foco da gente [com esse disco] é alcançar mesmo mais gente, sair da bolha de Campina Grande, porque Caranguejo de Açude foi muito a gente na nossa cidade, tá ligado? E eu acho que é muito importante isso, porque a gente conseguiu fomentar a cultura na cidade e criar um público na cidade, antes de qualquer outra coisa, acho que criar público na própria cidade é algo importante demais pra quem quer se vender para o restante."

"Vivendo no Limite" é um manifesto sobre como produzir cultura fora dos grandes centros. Vocês tem esperanças que o grande eixo, um dia, seja reduzido e consumido de maneira igualitária? 

Babu: Rapaz, eu acho um negócio tão difícil. Não tem como Campina Grande deixar… Não consigo imaginar Campina Grande fazendo parte da barra cultural que essas cidades compõem. Você chega em João Pessoa é uma coisa, você chega em Recife já é outra coisa e quando você chega em São Paulo [abre os braços] já é uma coisa mais abrangente e você faz “caralho, não imaginava isso”, tá ligado? Acho uma coisa tão complexa… Mas eu gosto de manter a esperança. A gente é totalmente dependente do eixo, né? 

Dede: No final das contas é uma questão fora do nosso controle. Realmente, se a gente fosse tudo milionário e se a gente pudesse fazer algo, nessa sorte, nessa coisa de 1%, que conseguiu chegar lá e fazer algo, eu faria, mas é uma coisa muito mais política, né? 

Igor Punk: Sempre foi assim, eu não vejo como teve uma melhora… Teve através da internet - a gente consegue chegar lá por outros meios, não fisicamente, mas conseguimos chegar lá de alguma forma. Só que existem muitas barreiras culturais e regionais tanto de lá pra cá quanto daqui pra lá - se a gente já enfrenta barreiras de Campinas pra João Pessoa, quem dirá de Recife pra São Paulo?!? 


O que vocês esperam transmitir ao público com esse novo trabalho: mais pertencimento, mais força ou mais revolta? 

Babu: O que a gente quer transmitir? Existe música fora do eixo, tá ligado? Como enfrentar essas dificuldades fora do eixo… A gente faz música do jeito que dá aqui, como a gente consegue, vislumbrando coisas que a gente nem sabe se existe, tá ligado? Nosso intuito era fazer um disco que realmente chegasse com os dois pés na porta da cena como um todo, tá ligado? Ser visto, ser notado, não só a gente, mas a cena que a gente quer representar e estar juntos. Eu gosto muito como a gente consegue dialogar com a juventude, com o pessoal LGBTQIA+ e com o movimento negro. É [sobre] se comunicar com todo mundo.

Dede: Se puder trazer uma mensagem sobre isso... Falar sobre o seu lugar, que é o que Chico Science inspira muito na gente, mais do que querer ser outra coisa. O bairrismo é ruim, mas ele é bom...

Igor Carvalho: É autoestima.

Dede: É, a gente tem que ter essa autoestima. Pra gente ser um país unido, não que a gente tem que semear as diferenças, mas tem que valorizar as diferenças porque são com as diferenças que a gente tem uma coisa só. O mundo só vai ser unido quando as diferenças do mundo também forem valorizadas. Eu gosto de me sentir um cidadão do mundo, mas eu só posso ser um cidadão do mundo quando eu for um cidadão brasileiro, um nordestino, um paraibano e um campina grandense. É mais sobre valorizar a gente.



Há em Arquibancada Sol uma urgência que se equilibra com serenidade. O disco fala sobre precariedade e resistência, mas também sobre convivência e afeto. Essa dualidade — entre o peso da realidade e a leveza da esperança — é o que o torna tão potente. É como se a Zepelim e o Sopro do Cão encontrasse no caos urbano um motivo para cantar junto, lembrando que a beleza também nasce do que é coletivo. Impossível não celebrar o povo-nação.

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