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Os 103 incômodos de Banana Bipolar

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • 8 de out.
  • 9 min de leitura

Não é de hoje que a banda goiana, Banana Bipolar compartilha seus incômodos com o público. Em 103 (2025), o grupo se coloca em oposição ao conservadorismo e ao fascismo, sob a perspectiva de jovens que buscam outros caminhos para sobreviver. Entre nostalgia, cigarros, amor, vícios, revolta e consciência social, a Banana Bipolar evidencia amadurecimento em uma sonoridade psicodélica


Formada em 2022, a banda amadureceu sua sonoridade ao longo de dois anos de produção, lançando singles como "Cicatriz", que anteciparam parte da proposta estética e lírica do trabalho. O álbum, com nove faixas, não se limita a um único registro: há canções mais diretas, outras atmosféricas e até composições que exploram afinações alternativas, timbres densos e uma paleta que dialoga com a nostalgia dos anos 70, fazendo referência ao passado que está presente na narrativa do disco. 


Com nova formação -  Hatamari (vocais e percussão), Gab Morais (vocais e baixo), Vinni (vocais e guitarra), Júlio (backing vocal e bateria) e Pedro Leon (guitarra solo) -, o trabalho propõe uma viagem sonora intensa, ao mesmo tempo intimista e explosiva — um retrato fiel da dualidade que dá nome ao grupo. 103 tem produção de Israel Santiago e mix e master de Benke Ferraz (Boogarins). Zefo (Josefo e os Para-Raios) assina a produção, mix e master da faixa "103". 


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Conheci a Banana Bipolar em 2023 e tinha uma formação diferente da atual. Como foi a mudança e como impacta a sonoridade do grupo? 

Gab: Em 2023, a gente lançou “Diga à Solidão”, que foi uma música que a gente gravou no começo, uma das primeiras músicas do começo da banda - [a formação] tinha outro baterista. A entrada do Júlio e da Hatamari… O Júlio entrou quando a gente começou a gravar o álbum [áudio corta], foi uma mudança muito radical porque tudo que o baterista antigo fazia, o Júlio pegou e mudou, sabe? Foi a partir daí que a gente começou a amadurecer mesmo. 

Hatamari: Aí eu entrei. A partir de um projeto que a gente tem em comum, eles me chamaram para cantar “Diga à Solidão” e “Cicatriz” nos shows [áudio corta] e nossas energias, assim como grupo, foi muito boa, e acabou que durante um ensaio eu sugeri fazer uma performance em “Espectros”, porque é a única música do álbum que eu não canto. É interessante que quando eu entrei, o álbum tava sendo gravado, a gente nem achou que ia ter muita coisa pra mim, mas acabou que eu participo de quase todas. A gente deu uns toques finais… 

Gab: A gente meio que concluiu todas as músicas, mesmo no processo de criação estando lapidadas. 

Hatamari: Até tem uma música que nem ia pro álbum, que era “Cigarro”, ia ser outra música no lugar dela… A gente foi fazer uma jam pra testar o som, meteu um back vocal e quando a gente ouviu, ficamos “nossa, tá muito bom!” e a gente nem cortou, ela só entrou no álbum. [risos]


banana bipolar 103
(Créditos: Bruno Pauli)

103 levou dois anos em produção. Por que tanto tempo? 

Gab: Eu acho que levou tanto tempo, principalmente, porque a gente escolheu o caminho mais difícil de pegar: entrar no estúdio, gravar, produção… 

Hatamari: E é tudo caro…

Gab: Pagando tudo ali parcelado até onde dava… Acho que [o tempo] foi muito por conta disso, até que no final do processo, a gente não aguentava mais as músicas, a gente já queria partir para outra coisa… 

Hatamari: Não todo mundo, até porque teve gente que chegou depois, né? Eu e o Júlio a gente ficou “a gente adora”. [risos] Mas acho que o tempo foi por conta disso, a gente tava fazendo o disco de uma forma muito independente, pagando tudo do próprio bolso. Lembro que teve até uma época - acho que no ano passado - que a gente ficou uns três meses sem entrar em estúdio porque a gente ficou resolvendo outras coisas. 

Gab: Acho que foi muito importante esse tempo também pra gente amadurecer enquanto músico pra ver como era o processo de gravação. Depois, na reta final, a gente gravou as últimas músicas, a gente tava muito mais familiarizado com o ambiente e tal, a gente já sabia melhor trabalhar as canções, colocar camadas de vozes… Levou tanto tempo porque a gente escolheu o caminho mais difícil, mas foi importante pra gente amadurecer e chegar ao processo que é muito nosso. Hoje em dia, por exemplo, a gente tem em mente uma forma muito mais eficiente de fazer isso mesmo, sabe? 

Hatamari: Eu acho interessante que é um tempo não determinado, não foi algo que a gente pensou, mas lembro que quando a gente gravou “Efêmero”, minha música preferida, fiquei muito feliz ao ver que a gente não gravou quando achávamos que deveria ser gravada, porque eu não tinha entrado na música… 

Gab: Deu tempo de terminar os arranjos, de incorporar muita coisa que com o tempo, tocando ativamente, a gente foi entendendo e lapidando, sabe?

Vocês acham que essa maturidade que alcançaram em decorrência desse tempo, contribui, de alguma maneira, para os próximos passos da banda? 

Gab: Com certeza, porque com esse tempo que a gente levou e dentro desse tempo de gravação, a gente ficou parado por um mês fazendo outras coisas… 

Hatamari: Fizemos 24 shows. 

Gab: A gente escolheu coisas que são relevantes pra gente, a maneira que queremos trabalhar para buscar caminhos que vão mais ao encontro do que a gente espera da música… 

Hatamari: Como fizemos muitos shows, a gente sabe o que a gente não quer, tipo, não cansar tanto… Muita gente já conhece, já escutou, chama a gente e tal… A gente quer fazer show assim, a gente quer ir pra fora, queremos fazer tal coisa… A gente teve a oportunidade de fazer uma turnezinha - nós queremos fazer isso! Então, ficamos atrás de fazer. 


O disco traz temas comuns da juventude que se misturam com política. Como foi abordar esses temas na construção das letras? O que sentem ao cantá-las? 

Hatamari: É algo pessoal, são temas que a gente quer falar, mas não foi algo do tipo “vamos falar sobre isso.” Muitas das coisas é por conta do Gabriel e do Vinni, porque eles já trabalharam em alguns lugares muito específicos… 

Gab: Acho que a política veio não como um tema que a gente queria vivenciar, mas acabou sendo incluído porque a gente tava falando sobre o que a gente tava vivendo. A gente tava vivendo situações desiguais, coisas que estavam incomodando, sabe? Acho que a inspiração veio muito disso, uma linha de pensamento muito comum entre eu e o Vinni essa parada de falar sobre política sob uma visão muito pessoal, pela visão de um cidadão comum mesmo. Até quando a gente foi sentar pra fechar um conceito para o álbum, ao redor das músicas, a gente meio que criou esse conceito. Eu acho que falar sobre é importante, porque você fala sobre muitas pessoas e muitas se identificam…

Hatamari: Em relação a como a gente se apresenta, acho que o que tem algo mais específico é com “Espectro”, porque a gente cria um personagem que exemplifica tudo o que a gente vê como corrompido, né, que parece e falam com a capa do disco - e não foi algo que a gente viu, né? [olha para Gabs] “Espectro” foi composta durante a pandemia, então, fala muito sobre nasce gente e morre gente… A performance ao vivo busca tentar causar, de alguma forma, esse tipo de sentimento. 

Gab: Acho que muito dessa abordagem veio muito porque as músicas, boa parte, surgiram em 2019 a 2023, período da pandemia, período de radicalização crítica no país, sabe? Como que a gente tava falando da gente, foi inevitável abordar o assunto.  

Hatamari: Acho que também tem o negócio da banda trabalhar com música, mas não ganhamos dinheiro suficiente, termos trabalhos precários. [risos]  


Vocês possuem 103 palavras de desconforto, porém, existe algo que dê prazer e traga felicidade no meio de todo esse inferno? 

Gab: Muito do começo do álbum é sobre isso. Acho que as relações interpessoais, na amizade, na sinceridade das coisas, a maneira como você se relaciona, é um caminho para você ver que essas questões maiores - realmente existe um mal por trás -, mas quem tá do seu lado é importante, sabe? Fazer alguma coisa… 

Hatamari: Não acho que é só isso… A sensação de comunidade que a gente sente falando sobre isso, apresentando isso ao vivo, mantendo a cena underground, [corte no áudio] encontrando a galera e mantendo isso junto… Na maior parte das vezes não tem lucro, mas a gente ganha isso, sabe? 

Na canção, vocês cantam que estão sonhando e crescendo enquanto dormem. Com o que sonham? Existe a possibilidade de ainda sonhar? 

Gab: Eu acho que sonhar é… 

Hatamari: É necessário… 

Gab: É existir, sabe? 

Hatamari: Acho que sem sonho, a esperança morre e a gente acaba entrando numa situação suicida. 

Gab: Acho que a única coisa que continua alimentando essa vontade, enquanto, no dia a dia, a gente tá crescendo, envelhecendo, fazendo as coisas, cansando, o sonho tá sempre ali te empurrando pra cima e te conduzindo a fazer mesmo. 

Hatamari: Nós sonhamos em poder viver de música, não tocando só, mas fazendo algo, sabe? Fazer nossa arte e poder fazer algo com ela que não precise trabalhar em outra coisa para conseguir me manter viva, sabe? 

Gab: Todo mundo da banda tem muito bem [desenhado] o sonho, onde quer chegar e como fazer [para alcançar]


banana bipolar 103
(Créditos: Olly)

“Cicatriz” é uma canção que expõe as dores do crescimento. Vocês acham que é possível se reencontrar para curar as dores? 

Gab: “Cicatriz” é sobre isso. Foi a primeira música que a gente escreveu nessa formação, em conjunto; é sobre olhar pra trás e olhar para as coisas ruins e boas que te movem, sabe? Era a música que ia abrir o álbum, mas a gente colocou a introdução, porque é meio que um encontro da banda, sabe? É uma canção feita por todo mundo e que aborda a infância, o que você falou.  

Hatamari: Não sei se tem como fazer as pazes com a infância. [olha pra baixo e ri] Acho que a gente tá numa fase da vida que a gente começa a entender os problemas que teve na infância e escreve isso no desejo que um dia a gente consiga estar em paz com a gente mesmo. 


“Cidadão Comum pt. 1” e “Cidadão Comum pt. 2” criticam o capitalismo e o neoliberalismo. Vocês lembram que a vida não possui nenhum valor. Como continuar com um coração superior à esse tipo de gente?

Gab: Com certeza! Eu acho que… 

Hatamari: Uma das letras especificamente pessoais do Gabriel. 

Gab: Ter o coração superior é diante disso tudo, você replicar o modus operandi da coisa… Quando você vê [corte no áudio], por mais que você seja mais uma engrenagem, você sempre vai se destacar nessa multidão pelas coisas que você faz, o que você acredita, por ser você… 

Hatamari: Lembrar que eu sou uma pessoa, sabe? Que eu não sou o trabalho. 

Gab: É interessante porque “Cidadão Comum pt.1” traz esses questionamentos, você ser a engrenagem e tal, mas a partir de “Cidadão Comum pt. 2”, você não se coloca no coletivo, mas vê que é uma pessoa falando sobre o dia dela, como todas as coisas da vida não levam a nada no sentido de, tipo, você tá dando tudo de si pra viver com o mínimo, sabe? A ideia mesmo é evidenciar o que todo mundo passa e instigar para ver o que a gente vai fazer com isso, sabe? Ficar com esse questionamento na cabeça. Acho que o aspecto dela é transmitir essa revolta, mas não direcionar o que é certo ou como se deve lidar com isso. 

Hatamari: Falar sobre a revolta do trabalhador é extremamente importante porque a gente tá num momento claramente péssimo - pejotização, uber, ifood - e realmente chegou em um ponto que a gente tem que fazer algo sobre. 


“Haha” abre o disco falando que nossas vidas não valem nada. Em “Espectro”, última canção, vocês questionam sobre o significado de viver. O que significa viver nos dias de hoje? Existe uma maneira de transformar essa realidade que vivemos? 

Hatamari: Para transformar a única forma é algum tipo de ativismo, seja cantando sobre ou está organizado… Acho que atualmente o melhor a se fazer é se apegar às pequenas coisas. A gente tem que se educar politicamente, se colocar no lugar de trabalhador mesmo como artista, saber o que tá acontecendo no mundo, no seu país, pra ter uma noção do porquê a gente tá vivendo mal e como isso pode mudar. Ou é isso ou você vira gado.

Gab: Buscar arte na cidade, sempre tem algo, por mais fodido que seja, dá pra achar - mas se não achar, vai lá e cria. 



Após um disco político como 103 é, Banana Bipolar se prepara para dar início à um novo processo de criação, deixando a realidade um pouco para trás e dando espaço para ficções e a imaginação. Independentemente da narrativa, continuará mostrando sua força.

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