Anos atrás, uma amiga me disse que eu deveria ler Natalia Ginzburg. Concordei sem prestar atenção e confirmei que faria isso em breve - uma promessa que não aconteceu, já que na época estava obcecada por Joan Didion. No entanto, recentemente, terminei a leitura de "Não Me Perguntei Jamais" (Âyinê, 2022) e compreendi suas palavras: Ginzberg desperta sensações logo no primeiro parágrafo.
Os elementos que compõem "Não Me Pergunte Jamais" estão na capa: a procura da casa com jardim, o abajur da juventude e a solidão da infância. Além disso, a nostalgia está sempre presente. A obra reúne os textos que foram publicados no jornal La Stampa e contos divulgados no Il Giorno e no Corriere della Sera. Em "Advertências", última parte do livro, justifica a ordem cronológica escolhida: "Jamais consegui ter um diário, esses escritos talvez sejam algo semelhante a um diário, no sentido que fui anotando pouco a pouco o que ia lembrando e pensando; e por esse motivo, a ordem cronológica é a mais correta."
Revivendo os momentos de sua vida, o tempo de Natalia Ginzburg é interrompido para que o leitor preste atenção aos detalhes. Explico melhor: em "Bigodes Brancos", a escritora conta sobre sua infância, ou seja, a ida à escola sozinha, a inveja das colegas de classe e as novas amizades. Enquanto lia, tive a impressão de que o tempo parou para que eu pudesse prestar atenção e reviver a minha própria infância e o desconforto em conviver com crianças diferentes de mim. Ao relatar o seu passado, Natalia nos transforma em uma só pessoa para mergulhar nas imagens que cria.
"Não Me Pergunte Jamais" não é somente sobre o passado, mas também sobre a escritora italiana e nós. Ao compartilhar as diferentes épocas, Ginzburg apresenta suas facetas e suas ideias sobre o mundo e a existência, com humor e o ácido necessário para sobreviver, assim como a resignação de uma mulher que passou pelo governo do Mussolini e viu seu pai e irmãos sendo presos pelo totalitarismo.
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Em "A Casa", texto que abre a coletânea, conta sobre os dilemas que viveu com o marido para a compra da primeira casa: a procura recorrente por um lar que agradasse os dois e os filhos, a necessidade do jardim que lembrasse a casa de sua infância e os anúncios nos jornais. No entanto, o escrito vai além de uma edificação: "Ou será que na verdade eu não queria viver em casa nenhuma, nenhuma, porque o que eu odiava não eram as casas, mas na verdade era a mim mesma? E será que todas as casas, todas elas, não eram boas desde que outra pessoa morasse nelas, e não eu?".
"(...) Pelo resto da vida guardaremos aquele grito nos ouvidos, mais forte que o grito do vento e o estrondo dos rios; pelo resto da vida continuaremos ridiculamente a nos perguntar o motivo do grito e a responder que não importa; pois os fantasmas da angústia não têm nome e nem voz, os questionamentos da angústia estão fadados a permanecer sem resposta, os lugares da angústia estão não se sabe onde, em uma paisagem de nossa alma onde não sabemos se queima o verão ou o inverno. (...)"
Penso que Natalia Ginzburg era corajosa ao se colocar tanto em seus escritos, afinal, mostrar-se completamente não é fácil. Sua nostalgia e o amor pela literatura/escrita são contagiantes. Inclusive, são eles que dão o tom em "A Velhice", que como o título já diz, aborda a honestidade sobre o envelhecimento: "Me parece ainda mais piegas, e ainda mais censurável, a postura inversa, ou seja, que nos obriguemos a amar e seguir toda novidade que aparece. Essa é uma ofensa ainda maior à verdade. Pois significa ter medo de mostrar como estamos agora, ou seja, cansados, amargos, já imóveis e velhos".
Após despertar a atenção do leitor, queremos saber cada vez mais sobre os pensamentos da italiana que escreveu sobre diversos assuntos - e temos isso em "Não Me Pergunte Jamais". Ginzburg aborda o papel da crítica, o amor pelo livro "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez, religião, filmes e peças. Não é possível concordar com tudo (ainda bem!), mas é possível aprender e refletir sobre o nosso papel e ideais no atual momento da vida.
"(...) Na infância eu não conhecera a tristeza: conhecera apenas o medo. E agora eu enumerar para mim as coisas que haviam me assustado muito na infância: um filme em que um homem chamado Cian aparecia sentado com uma faca; a faca era usada para cortar o pão, mas depois matava alguém; e como meu pai muitas vezes falava o nome do reitor da universidade, que se chamava Cian, e que ele não sofria porque era fascista, toda vez que ele dizia <<Cian>> eu via o pão e a faca e sentia um arrepio. Também tinha medo dos fascistas: de suas camisas negras, das faixas verdes que usavam nas pernas, de seus caminhões; e da canção <<Giovinezza>> e da Câmara do Trabalho, que fora incendiada; e de um chapéu masculino ensanguentado e empoeirado que uma vez vi ao lado de uma bicicleta estropiada, à beira da estrada; e de uma mulher que corria chorando e de um homem que a perseguia. (...)"
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