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  • Foto do escritorMichele Costa

Marcela Brandão e sua nova música popular brasileira

Marcela Brandão lançou o single "Não Sei Fazer Rock’n’Roll" em 2019. A música foi inspirada em sua sobrinha, fã do bom e velho rock. Marcela prefere a MPB: suas inspirações vão de Chico Buarque a Crioulo. Marcela não precisa fazer rock, com guitarra e bateria - é com o seu violão e sua doçura que a música ganha um novo sentido, deixando com a sua cara. Isso é música: poder fazer tudo.


Ainda sobre a música, a cantora me contou por e-mail como foi o processo de criação: “Foi a canção mais fácil de escrever, mas eu não sei dizer o motivo. Talvez por ela ser um diálogo que traz o convite para a atenção à natureza brasileira, acabou sendo um tema que compus com certa fluidez, pois está no inconsciente, no cotidiano, nas minhas vivências familiares. É uma música com forte apelo autobiográfico”. Mesmo carregando o violão para todos os cantos, ela ouve rock.


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Antes de se jogar na música, Marcela estudou letras por dois anos, mas largou. Foi para gastronomia. Mas como diz minha vó: é impossível fugir daquilo que já estamos predestinados. Marcela percebeu (e aceitou!) que seu lugar é na música. "Aceitei a "veia artística" aos 29 anos, quando pela primeira vez, preenchi um cadastro com convicção do que escrever na parte da função", diz.


No início deste ano, Marcela lançou o EP "Retorno de Saturno", que conta com 5 músicas. Além disso, fez a releitura de "Assum Preto", clássico de Luiz Gonzaga. Recentemente, lançou a música "Sobre Maria", inspirada na música "Maria, Maria" de Milton Nascimento. Separadas por quarenta anos, a Maria de Marcela se inspirou na ancestral, tornando-se uma mulher potente, uma mulher com visão que opina e luta pela sua vida. Somos nós, todas as mulheres. Marcela não para, confirmando sua energia para fazer música.


O seu primeiro single, “Alfabeto”, foi lançado em 2018. O que mudou para você nesses dois anos? Seu modo de ver/fazer música foi alterado?

Tão alterado que nem considero esse o meu primeiro single. Foi uma música gravada aqui em casa, com um equipamento até que bom, mas fizemos ao ar livre, pegou som de fora, vento, barulho de elevador, etc… Além de ser uma música que eu, despretensiosamente, fiz uma releitura. É composição de dois amigos das antigas - sempre gosto de frisar isso para que a música não seja atrelada a mim.

De fato o que considero meu primeiro single, também de 2018, é a primeira versão de "Não Sei Fazer Rock’n’Roll". Sim, meu modo de ver e fazer música foi alterado. Entender a arte atual e trazer minhas influências da década de 60/70 pra cá, com modernidade e sem trair meu próprio gosto, foi uma satisfação. Não foi fácil, afinal a arte também é história, então é preciso estar atento às novas sonoridades, sair da zona de conforto, abrir a cabeça e desconstruir todo um conceito do que é bom ou ruim. Hoje, eu me sinto realizada e finalmente fazendo uma arte presente.


Esse ano, você lançou o seu primeiro EP, “Retorno de Saturno”. Como foi o processo de criar canções, melodias e o nome do EP? Qual o significado do nome do álbum?

O Retorno de Saturno é um fenômeno que acontece a cada 28/29 anos na nossa vida: é, como o próprio nome diz, o momento que saturno completa sua volta ao sol, após o nosso nascimento. Foi, para mim, uma fase muito marcante, senti demais em todos os âmbitos. Costuma ser um divisor de águas, quando separados o joio do trigo e encaramos pra valer o nosso propósito. Sendo assim, resolvi fazer um disco esse título e trouxe para ele o formato que o momento pediu: era preciso ser um EP curto que contivesse músicas autorais e também releituras de canções que me acompanharam até então.

A primeira a entrar foi "Cuitelinho". Desde muito antes de pensar em gravar um disco, eu já sabia que o dia que entrasse no estúdio pra valer, seria pra cantá-la. Para mim, a mais bonita de todo cancioneiro popular do Brasil. Na sequência, um ídolo e minha música preferida de sua autoria: "Baioque", de Chico Buarque. A arte pela arte, uma metalinguagem, um mise en abyme dos mais refinados, com acidez e aspereza, o disco precisava desse chacoalhão que saturno faz quando chega de volta. Nessa ordem, chegou a hora de escolher as minhas músicas que pudessem representar a minha até toda até ali. "Não Sei Fazer Rock’n’Roll" entrou de cara, numa segunda versão que carrega elementos da cultura brasileira, do folclore, até faz um pouquinho de referência ao Gil, como homenagem, nos vocalizes finais. "Dimensões" fala da morte, uma tema que sempre zuniu na minha cabeça. Quando escrevi, em 2012, meu avô tinha morrido e algo em mim estremeceu. Por acaso - ou não -, eu estava lendo “Hiperespaço”, do Michio Kaku. Esse livro meu deu o conforto científico da explicação das tantas dimensões que coexistem aqui e agora. E esse foi o contexto pro nascimento dessa canção que traz somente perguntas, sem qualquer especulação de crenças, dogmas ou respostas. Essa música abre o disco, porque é da morte que se renasce, é a partir do nada que passa a fazer sentido a existência.

Para fechar, escolhi um samba com cara de Novos Baianos. Uma letra que beira o triste samba-canção de Noel Rosa e Cartola, mas vai fazendo o movimento de murchar e desabrochar novamente, como todo ciclo, se debruçando nas guitarras e bateria que vão ao infinito sugerido fade out. Assim, "Filosofia de Botequim" encerra o disco com cara de rock’n’roll.


Você fez a releitura do clássico “Assim Preto”. Qual o significado dessa música para você?

Quando surgiu a ideia de gravar, ela tinha um significado exclusivamente afetivo. Eu queria trazer o mato pra perto, a música regional, trazer o Gonzaga para São Paulo. Fizemos um arranjo que manteve a melodia original da voz, mas "rearmonizamos" para evidenciar essa mistura do rural e urbano. O som ficou mais jazzístico, paulista. Chegamos a mexer até mesmo na letra, incorporando meu sotaque para não ficar forçado e caricato. Com a música praticamente pronta e já ensaiada com data marcada para gravar, veio a pandemia e precisamos cancelar tudo. No início foi frustrante, depois tudo foi ganhando um sentido incrivelmente atual. O pássaro que estava enjaulado sentindo o sol e a beleza natural em volta, era privado da visão. Me identifiquei na hora, como se eu fosse o próprio assum preto, vivendo isolada num "novo mundo" doente, o qual eu não podia tatear. Ele não tinha visão e eu não tinha o tato, então nos restou cantar.


Durante o isolamento social, muitas pessoas estão revendo suas vidas, ideias e planos. Você passou por essa fase? Sua música passou por alguma mudança?

Com certeza! Apesar de não ser lá muito de sair de casa, o fato de ter que ficar, em enjaulou. E claro que tudo foi agravado pelo momento que o mundo vive: é um medo, uma solidão, e uma tristeza sem par sendo retratada dia após dia nos jornais. Isso mexe no macro e no micro, não tem como. As músicas que estão sendo gravadas agora foram trabalhadas nesse momento, então naturalmente estão mais densas, provocativas, críticas e apresentam texturas mais ásperas.


Suas influências contemporâneas vão de Cícero a Criolo. Quais outros artistas te inspiram?

A chamada “nova mpb” tem uma vastidão de grandes artistas. Para o meu trabalho atual, ouvi muito os dois últimos discos da Céu [APKÁ e Tropix] para buscar timbres ousados e modernos. O Dani Black é uma grande referência nas composições e guitarras. A Bruna Caram, minha professora de canto, tem discos que me servem de estudo diário. O Zé Tedesco, meu parceiro e amigo, é influência direta, arranjador das minhas músicas e co-autor de grande parte delas. O Rafa, vocalista da banda Corado, também participa ativamente cantando comigo em “Sobre Maria”. É difícil ficar citando, porque sempre falta alguém, mas acho que falei os principais.


Marcela ainda tem muito a dizer, não se pode calar uma mulher que se inspira em diversas Marias. Após ouvir suas canções, é torcer para que surja uma vacina logo, afinal, sua vivacidade ao vivo deve ser incrível.

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