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  • Foto do escritorMichele Costa

O Cientista Perdido cabe em você

O Cientista Perdido é o alter ego do jovem Rodrigo Saminêz. Ambos estão junto, como o livro “O Médico e o Monstro” de Stevenson. No momento de compor, o Cientista invoca o Rodrigo - e este ganha destaque no momento de gravar os clipes. Suas vidas são interligadas (como disse Walt Whitman, no final, é impossível separar o criador da obra). Não sabemos se será preciso um veneno para matar alguma parte, mas isso não tem importância no momento - trabalhando juntos, a dupla entrega sonoridades diversas.


Outro destaque que chama a atenção nesse projeto, é a palavra cientista. Se levarmos ao pé da letra, cientista significa aquele que é adepto do cientismo - ou seja, “conjunto dos métodos, atitudes mentais, doutrinas ou modos de expressão, característicos ou tidos como característicos de um cientista”. No entanto, o ouvinte não sabe quais são as inspirações, ideologias e métodos que trabalha. Nem mesmo de onde ele veio. Continuamos sem resposta.


Em uma conversa pelo Zoom, o artista me explicou o conceito do nome: “É um espaço, um lugar que essa persona utiliza para escrever, para compor, para produzir, conversar com as pessoas na internet. É uma persona que tem mais capacidade de entender o mundo de uma forma mais objetiva, ou não, no sentido de que ele é mais sensível a esses estímulos - ser mais sensível do que vem de fora”. Agora sim. O termo citado acima é aplicado à ele, ao cientista desconhecido, que é diferente do seu criador.


No mês passado, O Cientista Perdido lançou o single “Não Cabe Em Você”. Foi no início da pandemia, em março, que o músico se atentou a olhar, conhecer e encarar assuntos que eram despercebidos. No meio dessa análise, ele entendeu que aquilo que ele sente e tem a oferecer nem sempre “cabe” no outro.


Seu último single, Não Cabe Em Você, foi escrito durante a pandemia. Como foi o processo? Como você descobriu que a gente não precisa colocar tudo em outra pessoa?

Eu gosto de dizer que essa música é uma música na pandemia e não da pandemia. A pandemia botou uma luta em alguns problemas, universalmente falando, e internamente foi inevitável não olhar. Mas ao mesmo tempo, olhar para essa lupa, para essas questões, foi um processo voluntário. A pandemia deu esse background. Eu sinto que sempre esteve lá, só que foi agora que eu olhei, reanalisei dinâmicas, familiares e como algumas coisas se construíram, foi natural. Claro que foi demorado, porém natural de entender que as coisas vem com o tempo e que o clipe mostra com a frase “ou cresce com o tempo ou morre antes da hora”. E é justamente sobre esse ponto, tem coisas que a gente precisa regar, que a gente precisa plantar, que a gente precisa dubar - se não acontecer dessa forma, não vai dar certo.

Agora quando.. Foi um período de tempo muito grande, porque é uma análise de toda a minha vida, toda a dinâmica que construí até então.


Foi em 2018 que O Cientista Perdido iniciou sua carreira. Ao lançar a música “Cientista”, toda experimental, o músico canta ao ouvinte que espera uma resposta desse profissional: “Cientista traz a resposta / De uma pergunta qualquer”. Por que precisamos de respostas? O Cientista não responde, só te entrega uma experiência através da música.


Em dois anos, muita coisa aconteceu, inclusive ele amadureceu. Quando lançou o primeiro compacto, “Mangata” (2019), O Cientista Perdido já estava em outra. Ele seguiu com os sintetizadores, adicionou o violão, deixando a sonora mais acústica. Destaca-se a música “Vinicius Morreu Na Banheira”, onde Rodrigo questiona o poeta Vinicius de Moraes e não obtém uma resposta.


A música surgiu naturalmente, através dos estímulos em sua volta. Foi na adolescência que começou a pensar seriamente sobre o assunto. “Com o passar do tempo, eu comecei a sentir uma incompletude, se essa palavra existe, no sentido de que a minha reação a música não deveria ser mais passiva. Eu comecei a perceber que não tava me contentando, não estava me satisfazendo simplesmente no ouvir, no consumir. Então, eu comecei a fazer uns “e se…”. “E se eu aprendesse a tocar violão?” “E se eu entendesse como funciona isso aqui?” E eu fui nessa”, ele explica.


Como foi esse processo de se encontrar e lançar suas canções?

Foi um processo de muitos conflitos, porque quando a gente fala de produzir, quando a gente começa a tirar do papel, vem muitos questionamentos inerentes: o que eu quero dizer? Para quem eu quero dizer? Quando eu quero dizer? Veio tudo isso de uma vez e até hoje são questionamentos que a gente tem que se perguntar. Entender como eu vou passar, o que eu tô tentando dizer, como vou me expressar pra ter uma conversa legal.


Quando você começou, na adolescência, você já tinha estabelecido uma mensagem sobre o que você gostaria de falar? Você mudou muito quando se descobriu músico para o momento atual?

Com certeza. Eu acho que tem um processo de amadurecimento que quando é percorrido, quando é tido como objetivo, ele acontece naturalmente. E ele também não tem fim. Então, é um processo que eu consigo me ver muito mais maduro - e que se eu tiver essa mesma conversa daqui vinte anos, eu vou tá falando uma coisa completamente diferente.

Eu consigo ter noções muito melhores, mas ao mesmo tempo, a ideia do Cientista Perdido vem com essa ideia de uma grande mutação ambulante. Se você pegar todos os projetos, todos os singles que saíram com o nome do Cientista Perdido, percebe que são completamente diferentes, tem seus pontos comuns, mas são completamente diferentes. E intencionalmente diferentes, na ideia de também entender a nossa mutação como ser humano, que o tempo passa, que existem mudanças dentro da gente. A gente tem que entender que isso é parte do nosso trabalho. Eu não quero nunca ser… Sei lá, que as pessoas peguem para analisar tudo que tem o meu nome envolvido e falem “putz, tem cinquenta músicas e todas falam a mesma coisa”.


Você consegue separar, em algum momento, o Rodrigo do Cientista?

Não inteiramente. A gente tem que entender que tudo que tem contato, em relação a objetos de arte, são fragmentos. São pedaços que eu escolho, que o artista escolhe publicar, tornar público. Então, eu acho que a gente tem que entender isso. Dito isso, não acho que seja possível fazer essa distinção, mas também não acho que… A gente tem que tomar cuidado para que essa distinção não signifique que a partir da obra de uma pessoa, você conhece essa pessoa. As duas coisas são completamente diferentes.


Você já escreveu canções em inglês também. Você tem mais facilidade em escrever em inglês ou português?

Essa música [Não Cabe Em Você] veio como uma mudança de algumas coisas. O inglês, inclusive, vai ficar um pouquinho de lado, eu quero dar mais espaço para o português, justamente porque eu percebi que o meu contato com a literatura, com a poesia, por exemplo, vem muito do inglês também. Todas as músicas que escrevi, produzi e lancei em inglês foram bem naturais, um processo natural. Só que, pensando em até em questões de logística, a questão em atingir as pessoas, de estudar junto das pessoas, de conseguir dialogar de fato com as pessoas, eu falei “putz, talvez seja uma boa em escrever português para exercitar isso melhor”. Foi no esquema de tentativa e erro. Fui escrevendo, escrevendo, escrevendo, escrevendo… As primeiras vezes foram bem esquisitas, depois ficou uma parada mais legal… Uma vez ou outra escrevo em inglês, mas só como registro, não na ideia de lançar.


Você tem algum processo de criação?

Eu não gosto muito de estabelecer essas regras muito fixas, tem algumas coisas que vem com o tempo e foi que eu percebi… É uma questão de tentativa e erro, você vai tentando de um jeito, dá certo, aí você tenta de outro jeito, não dá tão certo assim.. Você tenta do jeito que deu certo, mas aí você fala “hmm, deixa eu tentar fazer de outro jeito”.

Por exemplo, nessa música [Não Cabe Em Você], nessa vibe de repetir o que dá certo, essa música veio toda no violão. De início ao fim, ela veio no violão. O EP anterior, que saiu no finalzinho do ano passado, ele surgiu todo no computador. A produção dele foi todo na composição. Quando mais eu repassava ali, eu via todas as camadas, aí você tira e vai colocando outra coisa e a música ia se construindo assim. A maioria das músicas daquele compacto surgiram assim. Daqui pra frente, eu percebi que não quero mais isso - tava se tornando um ciclo vicioso. O produto final tava sendo afetado por isso. É mais uma questão de olhar para aquilo e ver o que precisa - é um respeito à composição, ao trabalho de olhar para aquilo de uma forma, da forma que ele merece ser olhado. E isso vai variando com o tempo.


Você acha que a pandemia impactou de uma forma ou outra o seu processo, ou o seu não processo de criação?

Ela impactou de uma forma mais prática do que eu gostaria. Na semana que a gente começou a quarentena especificamente em Brasília, eu lembro que foi no dia 12 de março, eu nunca vou esquecer isso; no dia seguinte eu tinha uma gravação para um projeto futuro. A gravação era com uns amigos, íamos fazer uma parceria, uma colaboração de uma música que vai sair… Eu tava com a ideia de trazer mais pessoas, entendeu? E aí aconteceu isso e a gente perguntou “e agora?”. Só que foi muito legal também de ver essa questão da pandemia, porque a gente teve que repensar algumas coisas. Esse lançamento foi o lançamento mais colaborativo que o Cientista teve! Antes era muito eu e desde então, eu tava tipo “pelo amor de deus, chega! eu quero trazer outras pessoas”. Enfim, eu quero colocar outras caras, eu não quero que fique só a minha cara nisso aqui, porque no fim das contas sou só eu que perco. Foi uma maneira legal de ver que dá certo mesmo se não tivermos presencialmente. Óbvio que seria mais fácil, mais legal inclusive.


Quando você percebeu que queria outras pessoas no seu projeto?

Foi um processo muito natural e de cansaço, sabe? Musicalmente falando, meu projeto já sou eu e com o passar do tempo quero que isso mude, quero outras pessoas na produção também. O tempo foi passando, eu fiz meu primeiro single, eu fiz o segundo single e o clipe, eu fiz o terceiro single e o clipe, aí eu fiz o EP e… Chega! E aí eu fui ver que isso tava interferindo no processo criativo mesmo, no resultado. E não era nem por uma questão de estrelismo, “eu quero que meu nome esteja em tudo”, não, era muito da minha cabeça de tentar fazer tudo mesmo. Aí eu desapeguei. Ver as minhas influências, daqui de Brasília e de fora, ver como o pessoal tava trabalhando eu vi que podia ser diferente.


Já que você quer trabalhar com outras pessoas, com quem você sonha em fazer uma parceria?

De uns anos para cá eu acabei ficando mais próximo do trabalho do Tuyo e acabei conhecendo um pouco da galera que tá junto com eles, no meio da produção. O cara que eu sondo muito, inclusive vai que ele vê isso aqui [risos], é o Gianlucca [Pernechele Azevedo], produtor do primeiro álbum da banda. É um cara que eu troco muita ideia e que me inspira muito, principalmente nos próximos projetos e também o próprio Machado, que faz parte do trio e que agora também tá produzindo. É uma galera que tá fazendo um trabalho excepcional e que serve muito de inspiração. E uma questão importante é que eu conheço Tuyo antes de ser Tuyo e a gente tá muito próximo nesse sentido de se apoiar, de se incentivar.

E de cena, quem não queria trabalhar com Baleia?! Nem que seja só para sentar, só para bater um papo, trocar uma ideia.


Mesmo com a pandemia, o Cientista Perdido continua. Seu próximo EP está em fase de produção e contará com “uma grande mistureba”, como ele me contou. Se prepare para música acústica, beats, sintetizadores e guitarra.


Conheça o trabalho dele, clique aqui.


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