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It’s Never Over, Jeff Buckley

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • 22 de out.
  • 3 min de leitura

Existem momentos na vida em que ficamos sem palavras: um amor intenso, a chegada de uma nova vida, a perda de alguém querido, um casamento. Sempre perco as palavras, talvez porque sejam pesadas e impossíveis de transmitir o que desejo. Perdi-as novamente após assistir It’s Never Over, Jeff Buckley (Amy Berg, 2025). Hoje, vinte e oito anos após a morte do cantor — que se apresentou pela primeira vez em público em 1991, no tributo ao pai, Tim Buckley — percebo que Jeff continua emocionando e cativando o ouvinte desde as primeiras notas. Sua voz, arrebatadora e celeste, parecia vir de um lugar inacessível aos demais músicos do pop e do rock.


It’s Never Over, Jeff Buckley
(Créditos: Reprodução/Divulgação)

Em suas canções, Jeff parecia cantar de um lugar onde o masculino e o feminino se dissolvem. Essa qualidade ecoa as influências de Nina Simone, Judy Garland e Édith Piaf. No entanto, o documentário vai além, revelando seu amor e dedicação às mulheres — traço que atravessa sua vida. Criado apenas pela mãe, Mary Guibert, que abriu mão do sonho de ser atriz e pianista para criá-lo, Buckley construiu uma relação profunda com as figuras femininas ao seu redor. Suas ex-companheiras, Rebecca Moore e Joan Wasser, também ganham voz, revelando a influência que exerceram sobre ele. Talvez essa devoção às mulheres tenha nascido do abandono do pai e da ausência de diálogo após os poucos dias que passaram juntos. Inclusive, os pais são antagonistas da narrativa do filme. 


It’s Never Over, Jeff Buckley traz à tona o fantasma de Tim Buckley, que nunca deixou de assombrá-lo, sobretudo após a fama. Seus ídolos e a mídia insistiam em comparações e perguntas sobre o pai. Em certo momento, vemos Jeff responder, com raiva contida, a um entrevistador — prova de que, mesmo tendo encontrado sua própria voz, seguia sendo silenciado pela sombra paterna.


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Narrado por pessoas que viveram com ele, como familiares, ex-integrantes da banda e de nomes consagrados como Ben Harper e Aimee Mann, It’s Never Over, Jeff Buckley é narrado a partir de imagens inéditas dos arquivos de Buckley, diários, mensagens de voz e animações que dão força a história. Dessa maneira, Amy Berg detalha um retrato múltiplo do músico: o Jeff sonhador e intenso, o artista obcecado em traduzir o indizível. Revivemos suas primeiras apresentações no extinto café Sin-é, no East Village, onde servia mesas e tocava nos anos 1990. Um dos momentos mais brilhantes do filme é justamente sua primeira performance, que dá sentido à frase dita por ele: "Decidi fazer da música uma mulher e entregar-me a ela. E, mais tarde, decidi fazer da música um homem e entregar-me a ele."


Durante a turnê de Grace (1994), a depressão e os problemas de saúde mental tornavam-se cada vez mais evidentes. À medida que cresciam a fama e a pressão da gravadora pelo segundo álbum, Jeff mergulhava em longos períodos depressivos — que hoje talvez fossem diagnosticados como episódios de depressão maníaca -, pois não queria perder sua liberdade criativa. 


Nas semanas que antecederam a sua morte, telefonou a amigos e conhecidos, pedindo desculpas, encerrando pendências, como se pressentisse um fim. Uma das cenas mais comoventes é a resposta que dá ao ser perguntado onde se via daqui dez anos: não conseguia imaginar. É nesse instante que percebemos a extensão de sua sensibilidade e fragilidade.


It’s Never Over, Jeff Buckley
(Créditos: Divulgação/Reprodução)

Em maio de 1997, instalou-se em uma cabana em Memphis para se recuperar da turnê e iniciar o processo do segundo disco, porém, nunca conseguiu terminar suas ideias. Ao entrar no rio Wolf, morreu afogado. Mesmo conhecendo o desfecho, é impossível não se comover com os relatos da tragédia. Mas é no fim, ao som de "Hallellujah", que as palavras desaparecem mais uma vez: Mary está sentada diante de uma caixa vermelha aberta, repleta de fotografias e, ao seu lado, um gravador começa a reproduzir a última mensagem de voz que ele lhe deixou: "Estou feliz por ser minha mãe. Estou feliz pelos dons que me deu. Eu te amo. Eu te amo." 


Certa vez, Jeff Buckley disse: "Não quero que pensem em mim como um rosto, um nome ou um corpo, ou o que quer que seja - apenas como música. Porque quando eu morrer… Será isso, e só isso, que há de ficar." Ele tinha razão: ele se foi, mas sua voz continua ecoando entre os vivos, emocionando fãs e novas gerações, deixando-nos, mais uma vez, sem palavras.



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