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  • Foto do escritorMichele Costa

Desalinhando Akira Kurosawa: o samurai sentimental

Em 1910, o Japão oficializa a anexação da Coreia através da assinatura do imperador Meiji, fazendo com que a colônia permanecesse ao império japonês. No mesmo ano, em Tóquio, nasceu Akira Kurosawa, filho de Shima e Isamu Kurosawa. Ao lado de mais sete irmãos, o caçula da família cresceu ouvindo as histórias de seus descendentes, antigos samurais que participaram da história do país.


Durante sua vida, Akira foi um pouco de tudo: pintor, ilustrador de revistas, publicitário e assistente de direção; mas foi no cinema que encontrou o seu caminho. A sétima arte entra em sua vida através da influência de Heigo, um dos irmãos mais velhos, que era apaixonado pela arte e trabalhava como Benshi, algo parecido como narrador de filmes do início do século no Japão. Após o suicídio de seu irmão, Kurosawa decide transformar aquele "hobby" em sua profissão.


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Akira era um grande fã de literatura, por isso, o diretor trabalhava arduamente em seus roteiros. "Um roteiro bem trabalhado é o ponto de sustentação de um filme", dizia. Kurosawa escolhia as palavras certas para os diálogos, "casando" com as imagens que filmava. Inclusive, dizem que o diretor interrompeu diversas vezes as filmagens de seus filmes até que estivesse satisfeito com atores, tempo e utensílios utilizados nas cenas. O perfeccionismo levou Kurosawa a ser um dos diretores mais importantes do século XX.


O primeiro filme de Kurosawa, "A Saga do Judô" (1943) mostra as ambições do iniciante diretor. Baseado no romance de Tsuneo Tomita, o filme retrata a vida de Sanshiro, um jovem que viaja para a cidade para aprender Jiu-Jitsu, porém, após a sua chegada, conhece o Judô. Em sua estreia, o diretor chama atenção pelo domínio com a imagem e enquadramentos, além de transmitir os sentimentos das personagens e enfatizar os movimentos. Não demora muito para que Kurosawa fique conhecido por sua habilidade de retratar o cotidiano em seu país, além de suas marcas, como o uso de Wipes, transições de imagens de uma cena para outra. O filme foi um sucesso, tornando-se influente na época e ganhando uma sequência, em 1945.



""A Saga do Judô" foi meu primeiro filme como diretor. Em filmes anteriores como "Uma" [do diretor Yamamoto], exercia tantos encargos que já me sentia como diretor. Seja como for, em "A Saga do Judô" não me senti como estreante. Entretanto, o pessoal que trabalhava comigo na ocasião me contou que, quando gritei pela primeira vez “câmara, ação”, minha voz parecia muito estranha."

Akira Kurosawa ganha destaque no mundo do cinema quando começa a fazer filmes de samurais. O vencedor do Leão de Prata, "Os Sete Samurais" (1954), mostra a continuidade da ideologia que o diretor sempre defendeu: suas raízes e a cultura do seu povo. Em uma entrevista, ele declarou: "Eu nunca faria um filme para um público estrangeiro; se o filme não tiver sentido para o público japonês, eu - como artista japonês - simplesmente não estou interessado nele".


Após uma crise econômica, onde não conseguia financiamentos para seus filmes, o diretor recebeu o apoio de cineastas norte-americanos como Francis Coppola, Martin Scorsese e George Lucas; com eles, o diretor obteve recursos para dar continuidade ao cinema.


Em "Viver" (1952), Kurosawa trabalha profundamente com o sentimento humano. O protagonista do filme, Kanji Watanabe, um idoso descobre que está com câncer no estômago e que deve morrer em breve. A partir da notícia, ele tenta encontrar o significado de sua existência. No início do filme, o narrador nos dá uma pista sobre Kanji: "Ele está morto há vinte e cinco anos", ou seja, Watanabe precisa dar um significado para sua existência - e não é isso que estamos fazendo? Tentando encontrar uma definição para nossa vida.



De acordo com o diretor, o indivíduo devia olhar de frente para todos os podres que a humanidade fez e fará, porque o ser humano é isso, uma podridão. Alguns conseguem modificar a vida, dando felicidade, bons sentimentos aos outros, porém, o ser humano já nasceu sabendo o significado da maldade. Sabendo disso, Kurosawa traduziu muito bem as mensagens do mundo ao nosso cotidiano, mostrando que somos livres para fazer nossas escolhas.


Em uma entrevista, perguntaram para ele o que ele mudaria na sociedade, se tivesse o poder de influenciar os outros. Ele respondeu: "Daria o melhor de mim para aproveitar minhas habilidades como artista. Eu me sinto responsável, verdadeiro e honesto com minha profissão e estou consciente disso. Eu estou, primeiro, lidando com a sociedade japonesa e tentando ser cândido ao lidar com nossos problemas. Eu espero que você entenda isso sobre mim quando ver o filme. Como um contador de histórias, não tenho segredos".


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