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  • Foto do escritorMichele Costa

Os embalos de Thays Prado

Após participar de corais e projetos musicais, a cantora porto-alegrense Thays Prado apresenta sua nova fase, em carreira "solo" - entre aspas, pois a banda que toca ao seu lado, faz parte dela -, a canção "Vals de los Abuelos", homenagem aos seus avós. Inclusive, foram eles que incentivaram a música na vida da cantora: seu avô, quando jovem, tocava violino em uma orquestra de tango e ouvia música com a neta pela casa. A primeira aula de música foi graças à inscrição que o avô fez em uma escola. O raio caiu duas vezes no mesmo lugar, mudando apenas a geração.


Thays fala comigo através do hangout do Gmail. De camiseta vermelha e com duas plantas atrás dela, a jovem é tímida e solta algumas risadinhas nervosas quando pergunto sobre inspirações, crescimento e a cena independente de Porto Alegre. Ela demora um pouco para se soltar, mas quando isso acontece, não para mais.


A cantora tem uma vasta bagagem artística e com o conhecimento criou sua faceta musical, que é embalado pelo ritmo argentino, uruguaio e o folk-pop, envolvendo o ouvinte rapidamente.


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Como a arte entrou em sua vida e quando você percebeu que era artista?

Olha, a compositora foi recentemente, mas eu canto desde os 9 anos em coral da escola e dos 15 aos 18, eu cantei na OSPA. Estudei canto lírico, cheguei a estudar para solista, mas acho que sou tímida demais pra isso. Sempre gostei de música, meu avô toca violino, então, a música foi sempre muito presente - a gente ouvia música alta em casa e participei de algumas bandas de amigos também. Em 2017, eu fui demitida do emprego que eu tava e chamei o João [guitarrista e produtor musical] que tocava comigo de brincadeira e a gente resolveu colocar um som na rua, precisava fazer um troco. Junto com isso, a gente começou a trabalhar coisas da banda, ele virou meu produtor musical e meio que só foi.


Como foi se descobrir compositora?

Eu fazia parte da banda de uns amigos e dava alguns pitacos nas coisas autorais dos outros e comecei a observar como as pessoas compunham, às vezes aparecia uma melodia que… Às vezes aparecia uma letra e como é que eu consigo isso aqui? Eu comecei a me dar conta dos processos e pensei: "Bom, acho que consigo cantar" e aí eu fiz um monte de músicas que eu não gosto [risos], até que apareceram algumas das quais senti orgulho e vontade de mostrar, mesmo que desse uma timidez. Começou aparecer alguma coisa que me representava nessa brincadeira e aí… Quando eu comecei a tocar nos bares, tinha essa coisa de tocar cover ou autoral e o João é um incentivador da cena autoral, meu violeiro… Então, foi sendo um misto de brincadeira com incentivo dos outros e daí quando vi, as pessoas estavam dizendo "Mas isso que você escreveu é legal!". Foi assim.


Como você consegue dizer o que é bom e o que é ruim? Como é se soltar na carreira solo, depois de tocar em algumas bandas?

Bom, primeiro a primeira parte sobre o que é bom: eu acho que o gosto é um exercício também e aprender a gostar do que a gente faz em relação a tudo que existe também é um exercício. Eu acho que a sensação também diz… Sei lá, às vezes acontece de tá escrevendo alguma coisa e me surpreender com o que saiu, que uma rima levou a frase para um lado que eu nem sabia que ia vir. Então, quando isso acontece, eu fico bem empolgada… Acho que bom nem é a palavra, porque o gosto também é super pessoal, subjetivo, relativo. Acho que tem a ver com o que mais gosto e as que gosto menos, mas considero tudo um processo também! Se soltar é um processo constante, né. Na verdade, dentro da banda eu me vejo diferente do que já fui em termos de performance, timbre de voz e qualquer coisa. É claro que o gênero musical importa - já fiz parte de banda indie rock e era uma coisa de vocalzinho bem lá no fundo e aí, de repente, vem pra música latina, outra região, outra cabeça… Mas minha participação em "As Tubas" [projeto musical], por exemplo, foi uma coisa que me soltou bastante em termos de performance e de entender também de onde vinha minha timidez de certa medida… Não foi solo na verdade, sempre envolveu muita gente - quanto mais eu me jogo sozinha, na frente, mais significa que tem muita gente respaldando, porque se não, nem conseguiria fazer [risos].


É bem difícil se mostrar, cantar uma música autoral e ficar ali, no palco, de uma forma meio que "nua" para todo mundo…

Sim! Eu tento não pensar na nudez como algo tão expositivo, mas não deixa de ser um se mostrar, né.


Você passou por outros projetos musicais. Como foi sair de um projeto para começar o seu, com outro estilo?

Eu meio que não planejei, na verdade. Essas coisas foram acontecendo, acho que a banda também foi um projeto bem importante de aprendizado. Depois de um tempo, eu procurava outros sons e um espaço que eu experimentava mais - na banda, eu não tinha muito da visão do papel do compositor. Conseguir fazer o que as pessoas querem que a gente faça, é uma alegria… Depois de um tempo, foi meio natural e teve a ver com outros incentivos, outras pessoas me demandando outras coisas… Começar a compor mais também teve a ver com andar mais com a galera da cena autoral, da bolha autoral que eu tive contato… Meu meio passou a me exigir isso e não só a performance vocal. Depois de um tempo, eu também comecei a investigar as minhas coisas e usar como terapia às vezes, tem coisas que são impublicáveis porque realmente é mais processo do que canção.


Já falando em processo, queria saber um pouco mais da sua escrita, do seu processo de composição: vem primeiro a letra ou a melodia?

Depende, cada uma vem de um jeito. No começo, era bastante ficar tocando a mesma coisa no violão até ver que melodia sai. A partir dessa melodia ver que letra eu gosto. Muitas vezes eu escrevia bastante e depois tentava musicar. Teve algumas que nasceram com a melodia e depois eu tinha que achar uma harmonia, então depende muito do que acontece. Ultimamente, eu tenho musicado letras de outras pessoas, então isso é outro processo também. Também já recebi música pra botar letra, então, depende muito do que aparece. O negócio é evitar de dizer não.


Fazer o seu próprio processo é doloroso? Ele é difícil em algum momento?

Acho que sempre tem dificuldades, né. A minha maior dificuldade é a insegurança, seja na banda ou fora dela, mas é interessante essa oposição com banda e sem banda, porque na verdade eu ainda tenho uma banda, agora do meu projeto, autoral. A gente não ensaia há um ano, mas a gente continua aí! O disco que vai sair em algum momento, não sabemos quando, mas vai sair, tem essas outras músicas das quais eu te falei que são mais engraçadinhas e menos sentimentais… Quanto mais eu falo disso, mais eu percebo também que talvez seja um pouco dramático, mesmo que seja um pouco engraçado, porque… Sei lá…


É a vida, né?!

É! Então, é difícil afirmar alguma coisa, porque tem humor, tem ironia, mas não é sempre. "Mas é dramático", não, não é sempre. Acho que o desafio pra mim é justamente conseguir chamar as pessoas pra me ouvir de um jeito convincente, porque nem eu sei se o que eu tô dizendo define o que eu tô fazendo. Acho que a coisa de fazer diz mais de como a coisa é.


Ao lado de sua banda, composta por João Pedro Cé (guitarra e produção), Aline Araújo (teclado), Josué de Oliveira (bateria) e Luciana de Mello (percussão), Thays apresentou, no passado, em um mundo sem pandemia, a canção que fez para os seus avós. A música surgiu após a cantora assistir o show de Pedro Borghetti, em 2017, no qual ouviu pela primeira vez "Valsa pra Purça", homenagem do músico para a avó. Na mesma semana, a avó de Thays foi internada - destino ou não, foi o ponto para que Thays escrevesse a música que estava em seu inconsciente. Melodia e letra vieram de uma vez só.


A história ganha um desfecho bonito durante a pandemia: durante o lançamento da canção, os avós de Thays tomaram a primeira dose da vacina contra o novo coronavírus."É como se realinhasse os astros novamente. Foi uma semana muito boa, apesar de tudo", ela me explica. Destino ou não, "Vals de los Abuelos" ganha um novo sentido durante esse momento obscuro - ainda mais para quem está longe dos avós - como é o meu caso.



Como foi crescer em uma família musicalmente? Qual a influência do seu avô em você?

Ele nunca foi um músico formal, quer dizer, ele foi quando era jovem, eu não vi essa parte dele, mas eles [avós] sempre foram muito incentivadores. A primeira vez que eu fiz aula de música, por exemplo, foi meu avô que me inscreveu para fazer o Projeto Prelúdio, orquestra juvenil. Então, quando eu tinha 13 anos, eles me inscreveram para o sorteio e a gente foi sorteado; fiz um ano de aula, e eles sempre incentivaram demais! Eles vão em todos os shows - às vezes o bar tá vazio e eu canto só para eles e é muito bonitinho. Eu tinha ensaios do coral durante a semana, o ensaio terminava às dez da noite e eles me buscavam toda semana. Acho que a influência foi muito sobre o incentivo e tudo que a gente escutava em casa - eu gosto de cantar as músicas que me incentivaram.


Você falou que foi seu avô que te inscreveu no coral. Como e quando começou o seu interesse pela música?

Eu não sei… Todas as minhas bonecas eram cantoras - se elas não fossem cantoras, literalmente, elas eram fadas que cantavam [risos]. Sempre nas minhas brincadeiras, o brinquedo cantava. Minha tia me fala muito que quando eu era criança, eu pedia para ver "Fantasia" da Disney com 2 ou 3 anos de idade para ver o filme das Libélulas, então… Eu não sei, sempre me tocou bastante, acho que a música tem um um negócio que mexe com a gente - com todo mundo, mas eu permiti o arrebatamento [risos].


Você tem dificuldade em escrever coisas alegres ou mais íntimas?

Pra mim o alegre é o desafio. Eu sempre brinco com o João, que ele me fez achar minha Ivete Sangalo interior [risos]. O disco é super dançante, tem uma coisa meio funk anos 70, é bem balançante. O João tem muito desse balançante na produção musical dele… Ele escreveu os primeiros arranjos e a partir disso, a banda arranjou o restante do disco e a vibe é muito para cima! Eu sou uma pessoa mais quieta, quanto mais gente, menos eu falo… Alias, a gente aqui em dupla, eu me sinto um pouco mais tranquila [risos]. Essa coisa de ter uma banda com seis pessoas, estar junto com essa galera, é um desafio. A gente fez alguns shows e eu continuo com medo de dar aquela dançadinha quando a música chama, mas aos poucos eu vou me soltando. Então, no fim das contas, lançar essa música faz com que eu mostre o que, primeiro, tá mais em casa, e quando sair o disco, já é uma coisa mais performática - alegrar a galera.


Vai ver a gente precisa do "pós-vacina" pra ver você alegre, falando com doze mil pessoas…

Ai, guria! Gostei, total! [risos]


Você tocou muito em bares, ao lado da banda. Como é tocar como mulher e "mostrar" o lado feminino? Em algum momento você passou por assédio, por machismo?

Olha, isso é complicado de responder atualmente, porque a gente sente a tensão no ar, não dá para mentir. Embora eu tenha encontrado 99,9% das pessoas que foram legais comigo… Acho que a fé que colocam em mim também tem esse viés e eu tenho que tá consciente disso, mas o que mais me atinge é a coisa do figurino. A sensação que eu tenho é que os caras passam bem menos trabalho com isso. Nunca vi e nem as minhas amigas, por exemplo, vimos alguém reclamar de um boy tocando, mas reclamaram da minha em algum momento. Eu tenho muita vontade de um dia me permitir, um dia, me apresentar toda bagunçada. Tocar de camisa e moletom… Às vezes, o cara toca de cabelo sujo e ninguém dá bola, "ah, mas ele é assim mesmo…", mas pra me ouvirem eu tenho que estar de batom, com cabelo mais ou menos e um sapato legal… [suspira] Dá uma preguiça! Me dá preguiça ter que me arrumar para me apresentar e isso me incomoda.

Eu sei que tem gente que sofre descréditos bem mais visíveis, tem caras que perguntam para as gurias se elas sabem ligar o microfone, se sabe mexer no próprio instrumento… Essas coisas eu nunca passei, porque estava cercada de pessoas, pelo menos o discurso, todas alinhadas, mas não quer dizer que a gente, mulheres, não saibam o subtexto.


Você acha que todo mundo espera muito de você e tu tem o receio de não entregar o que as pessoas esperam?

Eu acho que sim, mas eu aprendi também o quanto isso é socialmente construído, principalmente com as mulheres, as mulheres musicistas que passaram pelo meu caminho, especialmente a Bel Medula [compositora, artista sonora, produtora musical e musicóloga]. Uma vez eu fiz um trabalho de transcrever as entrevistas que ela deu com umas mulheres instrumentistas, uma delas era a Biba Meira, e ela falava, por exemplo, em dar aulas para meninos e meninas e a diferença que era os meninos e meninas pegando uma coisa nova. Os meninos quando pegam uma coisa nova, quando ela ensina algo novo, começam a testar, mesmo errando na frente dela; as meninas aprendem, voltam para casa, aprendem a tocar direitinho e na semana que vem elas te mostram que tá direitinho… Eu comecei a me dar conta do quanto eu via nos meus amigos homens, patinando, catando milho no instrumento, dando risada… E isso ser visto como tocar bem… E as gurias que tocavam o dedo errado, "ah, ela não sabe bem essa escala"... Acho que uma coisa que eu tenho feito é tocar meio mal mesmo, mas não deixar de fazer… Agora eu penso "se eu não tocar desse jeito, não vão me dar moral", mas uma hora ou outra vão ter que me dar moral, porque eu não posso parar. Eu sei que a exigência é grande e tento não me frear.


Thays, seu álbum foi adiado por conta da pandemia. Como era o processo antes desse vírus? Vocês estavam indo o tempo todo ao estúdio, mudando coisas? Você consegue analisar como seria o lançamento no passado [antes da pandemia], atualmente e futuramente, pós-vacina? Você acha que vai ter uma diferença sonora?

Sim, totalmente! O aspecto técnico conta também, como eu via cantando as músicas e como vou cantá-las depois - e tanto tempo sem cantar, algumas coisas vão mudando e de tanto cantar elas em outros formatos vai mudando alguma coisa… Acho que até estar totalmente gravado, a voz pode mudar. O que aconteceu foi que a gente gravou as bases do instrumento ao vivo de uma vez só, em um dia do estúdio. Então, a gente tava otimizando tudo até o tempo que a gente tinha… A gente gravou as onze faixas meio que na correria e o João edita, mixa - talvez vai ter que gravar alguma coisa dali -, e a partir disso, a gente precisa gravar a percussão e as vozes definitivas. A nossa percussionista mora com a mãe idosa… Então, a gente tá sem pressa, estamos vendo o que vai acontecer e quais das músicas ficam no álbum… Ainda não sei muito, mas eu sei que tem algumas músicas ali que eu já queria que tivessem sido lançadas e tem outras que eu nem sei se gosto mais… Tem tempo ainda para que ele fique mais redondo.


Pra você, o sentido de fazer música foi alterado para você durante a pandemia?

Eu acho que passei por um momento de muita dúvida, de sentir que nada fazia sentido, que não era sobre a música… O que a música fez foi me trazer de volta.


Por que continuar fazendo arte?

Porque a vida alternativa é muito sombria [risos]! Qualquer coisa que a gente possa fazer para dar um sorrisinho, promover isso em outras pessoas… A música nem sempre é um sorriso, mas ao mesmo tempo, não fazer parece que está errado.


Me soa algo como "se eu não estou fazendo, estou morrendo".

É, é, é! Não consigo não estar fazendo alguma coisinha.


A pandemia também te mudou? Você pretende usar isso para produzir?

Eu acho que uma coisa a pandemia meio que exorbitou foi a minha consciência da minha pequenez dos meus próprios problemas. Eu já tinha isso bastante… Eu passei um tempo sem escrever muito, porque eu tinha a sensação de que nada que eu fizesse, dissesse, representaria o grosso do que tava acontecendo. É um recorte muito específico. Essa consciência foi muito forte e eu não quero que suma.


Thays reconhece as necessidades de transformações, do mundo e de si, de conhecer o outro lado e experimentar. Ela é receosa, mas vai, porque o mundo é assim: uma eterna necessidade de mudanças. Tenho certeza que quando seu disco for lançado, dançaremos o embalo da cantora que traz emoções ao seu projeto.


"Vals de los Abuelos" está disponível em todas as plataformas musicais.

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