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  • Foto do escritorMichele Costa

Marcelo Segreto e a América Latina em seu peito

Atualizado: 17 de nov. de 2020

Em "As Veias Abertas da América Latina", Eduardo Galeano faz uma análise da história da América Latina, desde a colonização europeia até a contemporaneidade. Escrito em 1970, sob as ditaduras no continente, a obra continua atual. Pouca coisa mudou. No prefácio de uma nova edição (L&PM, 2010), Galeano escreve: "O passado é mudo? Ou continuamos sendo surdos?". Para finalizar o prefácio, o autor completa: "Aqueles que negam a libertação da América Latina negam também nosso único renascimento possível".


Corta para 2020, cinquenta anos depois. Marcelo Segreto, o latino-americano, "chicano tição", lança seu EP "América, América", abordando questões da América Latina. A ideia de abordar esse tema surgiu após ganhar o edital Ibermúsicas (Concurso Ibero-Americano de Composição de Canção Popular Ibermúsicas), em 2018. "É um programa de fomento que reúne os ministérios da cultura dos países da América Latina. Para você ganhar o prêmio, você tem que mandar três canções inéditas e aí pensei… Como é um edital que tem a ver com esse tema da América Latina, fiz três canções sobre esse assunto. O assunto também me fascinava bastante, pelo fato do Brasil estar dentro do continente sul-americano e parece que a nossa relação com os países vizinhos é o mais distante do que com os países da Europa, por exemplo", ele explica.


A distância entre os países e o passado-presente, resultaram em três músicas: "1492", "Tordesilhas" e "América, América". A segunda canção conta com a participação da cantora argentina Lili Molina. Se não é possível um reencontro que trará a libertação da América Latina, Segreto faz sua parte na música: unindo outro país, outra cultura, ele reabre as veias.


O clipe da canção "1492" explora a linguagem das redes sociais. Houve algum motivo específico para essa montagem? Você acha que através da internet, desse novo linguajar, o público compreende melhor o que você está dizendo?

O clipe de "1492" tem essa estrutura do Instagram, um vídeo vertical para ver no celular. A ideia veio da própria canção que vai passando por fatos da história da América Latina e faz referência a máquina do mundo, que é um tema da literatura, que está em um poema do Drummond [A Máquina do Mundo], em que o eu lírico do poema tem uma visão mágica do universo e a história passa pelos olhos dele - e a canção tem um pouco dessa história. A história passando rapidamente desde o início até a atualidade diante dos nossos olhos. Então, tem essa história de fazer como se passasse em um feed de Instagram. A ideia foi meio essa, fazer uma relação entre um feed do Instagram e um pergaminho de história, sabe? Um pergaminho que vai desenrolando como um feed e a gente vendo fatos marcantes da história da América Latina.

Eu acho que ao usar essa estrutura da internet, do Instagram, talvez chame mais a atenção das pessoas porque é uma coisa muito cotidiana. Uma coisa que a gente achou interessante e o fato de usar essa linguagem no clipe é uma coisa muito do dia a dia, de quem tá nessa rede social, tem esse interesse de usar algo do cotidiano.


Seu EP é bastante político. Quais são as dificuldades em fazer música em um país que é contra a cultura?

A dificuldade é grande! Inclusive esse prêmio, Ibermúsicas, que ganhei em 2018, parece que em 2019 o governo Bolsonaro queria romper com o edital por questões obviamente ideológicas. Um prêmio super importante para a integração da cultura latino-americana, dos artistas, dos músicos de vários países... Esse programa fomenta muitas vezes viagens de artistas para outros lados da América Latina, entre muitas coisas. Então, é um programa super importante e o governo queria se desligar do programa. Então, a todo momento o governo vai entrando nas questões culturais e hoje em dia, mais do que nunca. Também tem muitas questões de censura que estão muito destacadas hoje em dia.


"Tordesilhas" conta com a participação de Loli Molina, cantora argentina. Como surgiu essa parceria? Alias, podemos esperar a mistura de outros países, culturas línguas, para suas futuras canções?

A participação foi muito especial, porque quando a gente tava gravando a canção "Tordesilhas", ela já tem um diálogo assim da letra, ela já foi feita para ser cantada por dois cantores - então, ela tem essa pergunta e resposta na letra, um verso se completa no outro. Então, a gente achou interessante uma pessoa para cantar e que fosse uma artista fora do Brasil, justamente por conta do tema da canção e do próprio EP América Latina e a gente achou muito especial convidar alguém de um país da América Latina. A gente falou com a Loli Molina e o Tó Brandileone, produtor musical do disco já conhecia a Loli e ele me apresentou e foi paixão à primeira vista. Ela é muito especial, como pessoa e artista, então foi uma contribuição maravilhosa para o EP e para a canção.

Por coincidência, eu tô fazendo um disco, os arranjos, para ser gravado no ano que vem, um disco que também mistura línguas. É um disco maior, com 13 faixas, chamado "De Canção em Canção" que é inspirado em um filme do Terrence Malick "Song To Song" e aí o disco propõe exatamente essa mistura: ele começa em português e vai ganhando, pouco a pouco, algumas partes em inglês, até que a canção do meio, a sétima canção, ela é toda em inglês. Aí, depois, pouco a pouco, volta a ser cantada em português. Então, tem essa mistura de línguas porque é uma ideia do disco de fazer uma metáfora de distanciamento da relação amorosa.


Seu projeto solo é diferente do grupo Filarmônica de Pasárgada. Foi difícil fazer essa separação, "criar" uma persona para você se apresentar sozinho?

A ideia do solo, na verdade, vem um pouco para isso, pra fazer diferente do que a Filarmônica. Na verdade, não chega a ser tão diferente. Na verdade, eu meio que selecionei um tipo de música que eu gosto de fazer na Filarmônica, que é uma canção mais lírica, mais pop, e quis só pegar esse tipo de canção para fazer o trabalho solo, para ter essa cara mais lírica, mais folk. A Filarmônica fica mais experimental. Acho que é interessante essa separação porque eu consigo até experimentar mais na Filarmônica e nesse meu solo fazer uma coisa diferente. Não acaba sendo tão diferente, porque como eu faço as composições, os arranjos da Filarmônica acaba que fica um pouco parecido, porque o jeito de escrever os arranjos para os instrumentos é meio parecido com o que eu escrevo para o solo também, então, sempre vai ter alguma semelhança.



Saudade e a necessidade de reencontrar pessoas também são abordados no EP. Inclusive, mesmo preso em casa, assim como diversos brasileiros, Segreto continua criando, compondo, existindo (mesmo sendo difícil). Inspirado por seus álbuns preferidos, Líricas (Zeca Baleiro), Abbey Road (The Beatles), Alucinação (Belchior), Ok Computer (Radiohead) e Sobrevivendo no Inferno (Racionais MC's), ele sabe que a arte é a melhor arma para vencer.


Com o isolamento social, causado pela pandemia, a arte de fazer música foi alterada para você?

Com certeza. Não sei se foi o jeito de lidar, fazer, a composição, mas talvez o jeito da produção da música. Eu vi esse ano, por conta da pandemia, acho que todos os músicos tiveram que produzir muito mais vídeos, por exemplo, para a internet, muito mais conteúdo para as redes sociais porque como não está tendo show, então a gente precisa fazer o trabalho rodar pelas redes sociais e não só pelos shows. E também preparar as coisas para quando os shows retornarem. Eu vi isso e senti de outros amigos; como todo mundo começou a produzir muito mais vídeos, canções… Por um lado é um momento muito, muito, muito triste e revoltante, principalmente como o governo brasileiro cuidou disso, da pandemia. E por outro também foi um momento de muita produção.


Ainda falando sobre o isolamento, seu processo de criação foi alterado? Tem sido mais difícil criar?

Acho que nem tanto. Talvez as escolhas de composição que penso que será mais interessante para soltar uma canção em um certo momento do ano, mas em geral, meu processo de composição se manteve igual. Eu componho todos os dias, umas três horas por dia, então, eu continuei compondo… Eu acho que o lance que mudou pra mim foi mais a divulgação, eu senti maior necessidade de divulgar as músicas. Então, uma canção que eu compunha e que eu ia só depois gravar no disco da Filarmônica e ela ia sair só depois, eu acabei já lançando, já fazendo um vídeo no Youtube, enfim, coisas assim.


Para conhecer o trabalho de Marcelo Segreto, acesse seu site.

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