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O Hiperdrama de Dani Bessa

Foto do escritor: Michele Costa Michele Costa

Coincidências existem e os números indicam as chances de algo acontecer, porém, a matemática não consegue explicar o motivo. Analisemos um caso em específico: entre os anos 1942 a 1993, o bioquímico Isaac Asimov publicou a série Fundação, descrevendo em detalhes a história de um futuro distante e de como o destino de seus habitantes é influenciado por uma instituição. Três décadas após a publicação, Dani Bessa - doutorando em química - desenvolveu Hiperdrama, um mundo que elabora universos paralelos e distantes, criando personagens únicos para falar sobre amor, insegurança e anseios. 


Caso busque o significado da palavra, saiba que não encontrará: ela não existe. O título foi inspirado no termo hiperondas, presente no livro Fundação, de Asimov. Salvor Hardin, personagem da série, explica: “Transmissores de hiperondas são fáceis de lidar e eminentemente portáteis. Tampouco eu poderia ser detectado de maneira real.” Seguindo a linha do transmissor, Hiperdrama transporta o ouvinte para um teatro, em outra realidade. 


Caminhando por músicas que evocam um amor que existiu e já não está, ou, em delírio, nunca esteve, até composições energéticas que misturam ficção científica e libertação pessoal e emocional, Hiperdrama mescla elementos que despontam do atual indie pop brasileiro, referências oitentistas, com a literatura sci-fi e o cotidiano de um eu-lírico amorosamente desiludido, tudo isso numa proposta intencionalmente dramática. “Sinto que minhas intenções com esse trabalho traduzem, com muita honestidade, uma proposta nova de criação sonora. Partir da cultura sci-fi já me soa uma ousadia em si nesse sentido também”, reflete Dani. 


Após fechar um ciclo em Despedidas (2022), Dani Bessa está pronto para viver no presente - sem revisitar o passado e não se preocupar com o futuro - acompanhado de sua guitarra. 


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É engraçado que a gente começa aqui um início, mas você se despediu em Despedidas, seu EP de 2022…

É verdade, né? Que curioso.

Você se despediu e agora volta com um novo trabalho, dando aí um novo start. Como foi fechar um ciclo para começar um outro? 

Então, o Despedidas, meu EP, que eu lancei em 2022, foi nada menos que um compilado das músicas que eu vinha lançando desde o início da minha carreira. Comecei a lançar minhas músicas na carreira solo em 2020, no meio da pandemia ali foi possível fazer as produções e tal, online, e aí eu senti a necessidade de ter um material, mesmo que fosse mais reduzido, que é o caso do EP, que é mais compacto, reunindo as minhas músicas, né? Porque eu vi que a galera curtia as minhas músicas, só que na hora de escutar quem era o Dani Bessa, tinha que ficar indo no meu perfil ou colocava uma música na playlist. Então eu sentia uma falta, assim, de ter um compilado, uma sequência de músicas, pra que alguém que não me conhecesse pudesse conhecer ali, pelo menos inicialmente. Foi a minha primeira experiência de um trabalho mais consolidado, no sentido de mais quantidade de músicas ao mesmo tempo, assim, né? Porque você facilita um pouco o ouvinte. É um trabalho que é curioso, né? Porque o que eu lancei, eu gostei bastante, mas depois, eu sinto que ele poderia ser melhor trabalhado em alguns pontos… Mas eu acho que é um lance de maturidade também, de você acertar algumas vezes e errar outras vezes. É um papo clichê, né? Mas eu sinto muito isso. Em Hiperdrama, eu sinto que eu aprendi bastante com o que eu não deveria fazer. 

O lance de Despedidas é que eu tinha composições desde de 2020. Tem uma composição que é de 2017, que eu acabei gravando só em 2020, então, meio que marca como se fosse uma máquina do tempo, de [diferentes] Dani Bessas. O lance também de despedidas é me despedir dessa fase, dessa sonoridade, um pouco mais indie rock, né? Eu sempre fui uma pessoa muito voltada pro indie rock meio britânico, Arctic Monkeys, The Strokes, aquela guitarra meio suja… E hoje em dia, eu gosto disso ainda, mas eu faço isso mais pontualmente. Você pode reparar que em alguns momentos de Hiperdrama tem uns solos com pedaços mais de distorção, mas antigamente isso era um pouco mais frequente. Então, foi mais de me despedir dessa primeira leva de músicas e desse conceito também. E aí, depois que eu me despedi de verdade, eu comecei a lançar os primeiros singles do Hiperdrama. Em 2023, eu continuei lançando, né, os símbolos do Hiperdrama, mas o Hiperdrama, em si, ainda tava em construção. Então, quando eu comecei a compor, eu fiz “Quando Eu Falei Pra Ela”, “Hiperdrama”, “Mais Uma Vez” e “Felícia”, eu acho que eu fiz em 2022 também, se eu não me engano, ou no início de 2023 - e eu já tô entrando no Hiperdrama. Essa sequência de músicas que eu compus, foi engraçado, porque eu sinto muito o autor de ficção científica, Isaac Asimov, né? Ele é uma grande inspiração pra mim. E aí tem uma série dele… o Isaac Asimov é um escritor muito famoso, por falar sobre robôs, e a série me marcou muito, porque ele lida muito com esse lance dos sentimentos da linha, do que é ser humano e o que é ser um robô. E assim, eu sou estudante de química, né? Então, eu acho que eu me familiarizo com esses conceitos, né? Algo que salta pra mim, mesmo que o Asimov não entre tão a fundo, é legal porque eu consigo fazer os paralelos, assim, acho que, tipo, estudante de exatas pega mais rápido essas coisas que são científicas. Quando eu terminava de ler, os capítulos do dia, ou fechava um livro, eu ficava “caraca, isso aqui é muito bom, isso aqui é muito bom, meu Deus do céu, eu preciso fazer alguma coisa tão boa quanto.” Aí, o que eu fiz? Música! Vou fazer música. E aí eu peguei pra compor um monte de música; e aí, quando eu comecei a compor um monte de música, mesmo que elas não estivessem fechadas, eu comecei a sentir um “opa, essas músicas têm alguma semelhança, porque eu tô compondo uma atrás da outra, porque eu tô olhando aqui o Asimov, então eu tô ficando num momento muito inspirado.” Eu comecei a ver algumas entrevistas dele, aí compus “Flutuar” que, inclusive, tem um sample de uma entrevista dele, com o Asimov falando. Enfim, aí comecei, tipo, a mesclar esse lance de decepção amorosa, de renovação, de ansiedade, de libertação pessoal, né, com a ficção científica, como se eu tivesse criando um novo universo ali, artístico, sei lá. Porque o lance de criar o Hiperdrama é você tentar criar uma nova proposta de fazer arte. 


É curioso você me contar tudo isso, porque não sei se é uma coincidência ou não, ou se você já reparou nisso antes, porque em “Linha Tênue” você canta: “se precisar, volto no tempo e paraliso o momento”. Agora você vem com os robôs, com toda uma distopia, vamos dizer assim. Eu te pergunto: entre o passado e hoje, após o lançamento do EP e do álbum, você gostaria de voltar no tempo? E ainda existe essa chance de você querer em algum momento virar um robô também? 

Então, sobre a primeira pergunta, eu já fui um desse tipo de pessoa assim “ah, não, pô, faria diferente aqui, falaria assim com fulana, ou falaria assim com cicrano, não sei, acho que eu errei aqui.” Só que depois, é aquele velho clichê, né, se você começar a voltar e mudar tudo, o que você seria agora? Por exemplo, quando você vai compor uma música, eventualmente você mostra pras pessoas e tal, a pessoa fala “pô, gostei, pô, não gostei.” ou “eu não escrevia tipo, pô, Dani, acho que eu não gostaria de mudar essa música não, não investiria nela”, por exemplo. E assim, em alguns momentos as pessoas dão toques certos, por exemplo, mais uma vez, a letra realmente tava boba, e aí eu mudei, e eu acho que ficou legal, acho que ficou maneiro. Só que, em algumas músicas, eu falo “gente, não vou mudar, porque eu confio muito nessa música, que eu posso fazer, de repente, descer o tom, eu posso fazer alguma coisa diferente aqui, posso fazer um back vocal, botar outro instrumento, mas eu vou confiar, eu não vou tirar essa música”, sabe? E talvez, se eu pensasse “não, se eu voltasse no tempo e lançasse, e desistisse”, aí tu começa meio que ir pro buraco… Não voltaria no tempo, porque senão eu vou começar a pensar em tudo que eu fiz de errado, tudo que eu fiz de novo, que eu vou querer repetir, né, as primeiras vezes, e aí as primeiras vezes não vão ser mais primeiras vezes, se eu experimentar pela segunda, terceira vez, então nunca vai ser o mesmo sentimento… Acho que o Daniel Bessa de Hiperdrama não voltaria no tempo, eu acho que ele ficaria bem no presente, eu acho que é o lugar ideal do Daniel Bessa, nem no futuro, nem no passado, no presente.


O Daniel é o mesmo que Dani Bessa ou é algo que você criou? 

Não, acho que o Daniel é o Dani Bessa, é a mesma pessoa. Só que o Daniel queria ser o Dani Bessa por mais tempo, eu só consigo ser em determinados momentos. Por exemplo, lancei o álbum agora e tenho que responder os comentários, mas na segunda-feira eu tenho que ir pra faculdade e não vou ter o tempo que gostaria para trampar nas músicas e estudar produção musical. Eu falo sobre isso no álbum, o álbum inteiro é uma história da minha vida, sabe? É o Daniel, mas cantado pelo Dani Bessa, tentando superar alguma coisa que aconteceu na vida - uma pessoa aparece, fica, vai embora, volta depois e você nunca viu nada parecido e você faz um disco inteiro para essa situação. Aí você encontra uma pessoa que é legal, maneira, mas não deu certo… Uma coincidência engraçada é que a primeira frase do disco é “difícil é esquecer” e a última palavra que eu digo em “Para Que Esqueçamos” é esquecer. Gosto muito de falar do meu trabalho, das minhas composições, por isso não vejo fronteira entre Daniel e Danin Bessa. 


A pandemia te deu esse gás para você relembrar da música? E se não houvesse uma pandemia, você seguiria vidrado na química ou a música ia te chamar em algum momento? 

Olha, eu acho que a música ia me chamar em algum momento, mas acho que seria bem mais tarde, sabe? Eu tava fazendo o mestrado em Campinas, eu tava com um orientador que sabia que eu era músico, mas eu ainda não tinha lançado nada, então, a música não era tão presente… Eu chegava em casa e tocava guitarra, estudava, mas não precisava lançar coisas… Então, foi um período de experimentação que eu tive. Se não houvesse pandemia, eu não teria músicas, não teria voltado para o Rio… Eu poderia compor mesmo ou até desistir, ter [a música] como hobby. A pandemia, pra mim, mesmo que tenha sido tenebroso para todos, foi um momento que me trouxe um conforto em casa, porque voltei pra casa e me senti acolhido, e isso foi muito importante para eu compor. No final, a pandemia me fez encontrar com o Dani Bessa mais rápido. 


“A galera do TikTok me conhece como o cara ali que gastou as economias pra fazer a música e agora tá tentando encontrar alguém e tal. E aí, pô, foi muito maneiro, porque na época do Twitter, eu procurava meu nome pra ver se alguém tava tweetando, e tinha uma galera tweetando, sabe? Isso nunca tinha acontecido antes. Tipo, às vezes eu botava, sei lá, Dani Bessa no Twitter, tinha um ou outro, bem pontual… Mas eu vi, a galera postando o refrão de “Flor de Cerejeira”, a galera postando o pré-refrão, a galera postando o final da música, sabe? No início da carreira é normal ser apoiado pela família e por amigos, mas desde “Flor de Cerejeira”, eu sinto que as pessoas estão ouvindo as minhas músicas, querem que eu lance música nova e estão falando comigo agora [usando] “sou sua fã.” Agora eu me sinto ouvido.”

Mesmo não existindo a palavra hiperdrama, percebemos que existem muitos dramas no decorrer da sua história. Como conviver com todos esses hiperdramas? Você tem alguma dica para que o outro consiga lidar com os próprios hiperdramas?  

O Hiperdrama, produto que vocês escutam, é fruto das minhas frustrações, porque antigamente - acho que hoje em dia continuo um pouco assim - eu compunha muito quando eu tava pra baixo, sabe? 

Porque os sentimentos estão mais aflorados neste momento. 

Pois é. Então, como viver com os hiperdramas? No meu caso é compondo as músicas, porque eu tiro da minha cabeça, do meu peito e começo a escrever, quer dizer, eu começo a fazer as melodias, voz e harmonia ao mesmo tempo, então, acho que é uma maneira de lidar com a minha vida, após as frustrações do dia a dia, relacionamentos, problemas com confianças, insegurança, medo… Eu falo para as pessoas que não compõem, não são músicos, escreverem. Escreverem o que estão sentindo. Isso pode parecer besta, mas é importante, principalmente se for escrito a mão. 


dani bessa
Capa: João Soto

Como é assistir o seu próprio espetáculo? 

É muito legal, sabia? [risos] Eu tô muito contente, tô ouvindo o álbum direto e é muito legal - dá até para fazer um paralelo com Despedidas, porque são músicas [que abordam] os diferentes momentos da minha vida, então dá para refletir sobre o processo de construção do Hiperdrama, o antes e o depois. É sobre prestigiar o próprio trabalho e não é papo de coach não, viu? [risos]


Você vai além do amor, fala sobre os seus anseios e inseguranças com bom humor. O que você espera despertar no ouvinte? É possível refletir dançando? 

Acho que sim, porque é aquela história da ação do tempo e do movimento: “se você tá triste, o Dani fez uma piadinha, colocou uma rima engraçada aqui…” Sabe aquela risadinha que sai pelo nariz? [faz o som] é esse o meu objetivo, a pessoa tá se distraindo com a minha música e tá gostando, isso é muito bom! Fazendo um parênteses rápido aqui: quando tava tendo aquelas enchentes no Rio Grande do Sul, eu recebi alguns comentários de pessoas do Sul falando “tá muito complicado aqui, mas quando escuto “Flor de Cerejeira” me dá um conforto.” e isso é muito maneiro. Muito maneiro de verdade! Acho que dá pra ajudar as pessoas e acho que o humor é um diferencial no meu trabalho, porque eu gosto de fazer piadas, analogias - você deve ter percebido - e é por isso que eu também não consigo separar o Dani Bessa do Daniel, porque eu sou assim naturalmente. É legal trabalhar isso com humor e muuuuuuuuuito, muuuuuuito, muuuuuito drama, bem exagerado. 


Em Hiperdrama você canta: “a cidade inteira vai parar para me ouvir”. Muitas pessoas do Brasil te ouvem, mas você tá preparado para parar uma cidade? 

Olha, boa pergunta… A história que eu conto no Hiperdrama todo mundo gostaria de saber, tim tim por tim tim, sabe? Acho que eu conseguiria parar uma cidade para ouvir essa história-zona que existiu, sabe? É engraçado porque a situação de Hiperdrama envolve a mesma pessoa que escuta Flor de Cerejeira e o pessoal comenta para falar sobre a história, mas eu respondo “vou falar não, valeu.” [faz o joia para tela] Mas se uma cidade inteira parasse para me ouvir, eu pegaria o microfone e faria aquele [limpa a garganta] discurso: aconteceu no dia tal, no ano tal, sabe? Sempre com muito humor. Se a galera deixar, eu explico verso por verso, adoro falar sobre isso!  

Como você se sente ao saber que as pessoas conseguem tirar outras interpretações de sua obra?

Acho que é legal também. Eu vi uma entrevista do Rodrigo Amarantes falando sobre isso, ele falou: “eu fiz a música assim, mas se quiserem interpretar diferente é válido, não quero ficar explicando as minhas letras.” - isso é ele falando, eu adoro explicar as minhas letras! Mas acho que é por aí também… Eu gosto que as pessoas interpretem diferente, mas se me perguntarem, eu respondo. 


Em “Para Que Esqueçamos” você relembra a gente que não é possível viver em um tempo distante, ou seja, temos que aproveitar o presente, mas é tão difícil! Pensamos no passado, no futuro, no fim do mundo… Como sobreviver? 

No presente? 

Sim. 

É difícil. Tem duas opções: fugir da realidade ou dormir, você meio que tem que se manter fora da realidade para não pensar nela [o presente]. Não tem um manual pra você superar isso ou diminuir isso, existem tratamentos, atitudes… Acho que “Para Que Esqueçamos” foi escrito por um Dani Bessa que tava começando a entender que é possível também sair sozinho para fazer as coisas. Eu falo muito isso em “Flutuar”, porque é muito importante e fundamental conviver consigo mesmo, sozinho. Talvez o primeiro passo é começar a fazer coisas sozinho e se sentir bem com isso. Ter atitudes para ficar no presente, não pensar no futuro e não remoer o passado. 


Se você deseja sair da realidade, saiba que em breve (muito em breve!), Dani Bessa apresentará o seu Hiperdrama no Rio de Janeiro. Para saber como essa história terminará, acompanhe o músico no Instagram ou no TikTok.




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