O manifesto íntimo de Corama
- Michele Costa

- 12 de nov.
- 8 min de leitura
Depois de dois EPs com títulos que já revelavam o tom confessional de sua trajetória - será que eh tudo sobre mim? (2024) e não eh tudo (só) sobre mim (2025) -, a cantora e compositora Corama apresenta ao público seu primeiro álbum, Quem Melhor que Eu?, reafirmando sua identidade ao entrelaçar a vida pessoal e a artística para compartilhar percepções sobre o amor e suas consequências. Se antes se perguntava se "era tudo sobre ela", agora responde com segurança e orgulho: sim, é sobre ela.

O novo disco surge como uma extensão natural dos trabalhos anteriores, mas com alcance ampliado. Quem Melhor que Eu? transforma experiências em canções e sentimentos, funcionando como uma carta aberta de Luiza Ribeiro - nome de batismo da artista - e de sua persona musical, Corama, sobre o amor feminino e suas descobertas. As faixas revelam maturidade e profundidade emocional, abordando afetos, rupturas e reencontros.
A amazonense dá voz às complexidades das relações e à resistência da comunidade LGBTQIA+, construindo um retrato sensível de quem ama e se reconhece nesse processo. Com produção musical, mix e master de Yasmin Moura e Roberto Freira, o álbum ganha textura e consistência, potencializando o caráter emocional das composições.
Em Quem Melhor que Eu?, Corama transforma o íntimo em manifesto e o pessoal em coletivo, consolidando-se como uma das vozes mais autênticas e expressivas da atualidade.
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Suas canções abordam questões de crescimento e do cotidiano fazendo com que o ouvinte se identifique com o que está sendo cantado. Como tem sido narrar suas vivências e observações?
Quando comecei a querer trabalhar com o som indie, eu ainda vinha da MPB. No início, cantar era algo pessoal, quase íntimo, sabe? Quando lancei "sem sentido", que foi a primeira faixa a sair do EP será que eh tudo sobre mim?, ela surgiu em uns 30 minutos, tudo muito rápido. A melodia e a letra vieram juntos, de uma vez só. Acho que as minhas melhores músicas nascem assim, quanto fluem naturalmente.
É uma canção super sincera, embora nem todo mundo entenda exatamente o que eu quis dizer. Com o tempo, à medida que fui lançando outras músicas, as pessoas começaram a se conectar com as letras, a perceber as ligações entre elas. Por exemplo, depois de "sem sentindo", lancei "até q eu sinto" como single e nela eu já usava menos metáforas do que na anterior. Acho que foi ali que o público começou a entender melhor o que eu queria expressar, mesmo que eu ainda estivesse me descobrindo nessa forma de comunicação. No fundo, eu ainda fazia as músicas muito para mim mesma.
O EP como um todo nasceu desse lugar. Algumas faixas também foram escritas rapidamente, num impulso, e são justamente essas que eu mais gosto de trabalhar como "sem sentido", que saem inteiras, sinceras, quase como um desabafo. Fico muito feliz quando alguém se identifica e diz que entendeu, mesmo que não completamente porque ninguém entende totalmente o que eu estava sentindo ao escrever, isso é algo meu. Mas é bonito ver quando a pessoa consegue encaixar algo aquilo na própria vivência, transformar em algo que também faz sentido pra ela. Acho isso incrível.
Você falou que fazia música muito mais para você do que ao outro. A música serviu, mais ou menos, como um diário?
Sim, principalmente esse álbum. Ele tem algumas músicas que eu escrevi em 2023. Eu sempre escrevo músicas assim: eu passo por uma situação - e eu só escrevo quando tô triste [risos] - e vou escrevendo sobre aquilo pra tentar expor. É uma forma de tentar ficar bem também, sabe? Por isso que as músicas são bastante melancólicas mesmo, tanto na melodia, quanto na letra.
No momento em que você escreve, você consegue ficar bem?
Eu me sinto melhor, consigo me sentir melhor. E eu fico mais feliz de colocar isso no mundo porque eu sei que outras pessoas vão passar por situações similares, vão conseguir se identificar e a minha música vai ajudar de alguma forma.
Você falou anteriormente que começou pelo MPB e foi pro indie, mostrando que você tá sempre em mudança, principalmente nesse álbum que tem muito das suas vivências, mas cantadas por uma persona. Como foi passar por essas mudanças?
No EP, eu não entendia muito bem, ele era algo mais do tipo “eu quero ser artista, quero cantar as minhas músicas. Vou expor aqui mesmo que eu escreva pra mim.” Era algo que eu não sabia exatamente o que eu queria, tanto que tem muitas metáforas. Tanto que tem muitas metáforas. No álbum, eu já meio que entendia quem era a Corama e quem era a Luiza e o que a Corama queria trazer - a Corama não quer mais trabalhar com metáforas, ela quer realmente expor o que ela sente, realmente do que ela gosta sem ter medo e sem se importar com o que os outros vão achar. É algo mais, tipo assim, é isso aqui que eu tô sentindo e é o que eu escrevo e quem gostar continue ouvindo e quem não gostar, tá tudo bem também, sabe? Eu acho que não tenho mais tanto medo de ficar me escondendo, tanto a Luiza quanto a Corama, entendeu? E esse projeto, ele tem muito disso, ele traz muitas certezas e muita honestidade também sobre o que eu tava sentindo no momento que eu escrevia [as músicas].
A honestidade é do começo ao fim de uma maneira extremamente crua.
Sim. Algumas faixas se conectam pelos sentimentos, como "Algumas Razões" e "Resposta". Eu escrevi "Algumas Razões" primeiro, e depois veio "Resposta", justamente em um momento em que eu estava vivendo um relacionamento complicado. Essas duas músicas se complementam: em "Algumas Razões", eu ainda estava em negação, sem saber lidar com as incertezas; já em "Resposta" é como se eu finalmente entendesse que aquela pessoa não me merecia mas mesmo assim, a gente insiste, né? É aquele conflito entre saber e não querer aceitar. E nas outras faixas, tem muito disso também. Acho que, nesse álbum, eu realmente deixei de lado o medo de me mostrar. Falei o que eu sentia, sem me preocupar com o que as pessoas iam pensar ou se iam me achar sentimental demais. É tudo muito verdadeiro, muito eu.
Falamos sobre a música servir como um diário e eu queria voltar para esse tema. Uma pessoa que tem um diário físico em suas mãos, esconde-o às sete chaves para o outro não encontrar, mas você faz o oposto, você se expõe. Em que momento você percebeu que tinha que fazer isso e se apresentar de uma maneira vulnerável?
Esse álbum tem algo bem vulnerável mesmo. Como falei, as letras são muito sentimentais e esse processo foi muito complicado pra mim - não pelo fato de eu ter medo, não tenho, mas é uma insegurança minha mesmo com as minhas próprias músicas. Uma insegurança em quesito musical mesmo, sabe? O processo para escrachar este diário, para a Corama, não foi tão difícil, porque veio transcorrendo aos poucos, desde o primeiro lançamento do primeiro single até o lançamento da live no início do ano. Então na live eu também já trouxe algo mais intimista, meio que uma transição das músicas e das melodias que eu queria trazer.
E hoje, Luiza e Corama estão bem? Já sabem quem são? Você vai dar continuidade ao que você construiu e compartilha hoje?
Sim, sim, sim. Agora eu já sei quem eu sou e o que eu quero fazer, onde eu quero chegar. Eu quero muito continuar trabalhando nesse ponto de trazer visibilidade para a comunidade LGBTQIA+; quero muito não utilizar metáforas e também não utilizar termos que deixam entre linhas, possibilidades, apesar de muita gente que talvez não seja LGBT que escuta as minhas músicas e se identifica. Eu quero muito trazer essa representatividade para os meus próximos trabalhos.
"Eu acho que o amor pra mim, no sentido de relacionamento afetivo, é quando a gente consegue aceitar todos os defeitos daquela pessoa e mesmo assim permanecer."

No release você diz que passou muito tempo entendendo o amor pelos olhos dos outros. Esse disco traz a sua versão, baseada nos seus próprios sentimentos. O que você descobriu ao fazer esse mergulho e mudar as perspectivas? Você acha que todos os sentimentos que compõem uma relação muda de um olhar para o outro?
Nossa, com certeza. A gente escuta tanto sobre relacionamentos saudáveis e tóxicos, só que assim, eu acredito que todo relacionamento tem um pouco de tudo, sabe? Lógico que [existem alguns relacionamentos] tóxicos são extremos que realmente não dá pra levar em consideração, mas todo relacionamento saudável tem brigas, problemas… Há um tempo atrás, eu achava que um relacionamento saudável não deveria ter brigas de jeito nenhum, deveria ser algo perfeito, sabe? Hoje em dia eu enxergo que não, qualquer relacionamento tem altos e baixos e tá tudo bem. Pra mim isso era um problema, era um problema expor o que eu sentia, sabe? Hoje em dia eu consigo muito bem expor o que eu sinto sem ter medo, sem ter vergonha e sem pensar muito no que o outro vai pensar porque estou sendo tão vulnerável acerca daquela relação.
Mais cedo, você falou sobre “Respostas”, mas queria retornar à música porque, como diz o nome, procuramos encontrar respostas para o fim e relacionamento. Por que temos essa insistência?
Eu acho que quando a gente gosta muito de uma pessoa é muito difícil virar a página. Mesmo! [ênfase na palavra] Mesmo que tu tenha passado por muitas coisas ruins, algumas coisas sobressaem em alguma situação - e eu acho que “Resposta” é sobre isso: é sobre você entender que você passou por coisas ruins, mas lá no fundo, você queria saber o porquê… Não é um quesito nem de querer voltar com a pessoa, é no quesito de “por que eu passei por tudo aquilo?”, entende? Não é sobre “eu quero voltar com você” é sobre “por que você me fez passar por tudo isso se a gente tava numa relação e eu fui tão honesta contigo?”
Durante o processo que você escrevia essa música, você encontrou respostas para a história que você passou?
Quando eu comecei a escrever as músicas, eu acreditava que, na realidade, tudo que acontecia de ruim era por minha culpa, sabe? Por que eu passo por tantas coisas ruins em relacionamentos? É por que sinto demais ou porque não consigo sentir tanto? Só que a gente não pode se obrigar a sentir e quando a gente se obriga a sentir alguma coisa, acaba muito rápido porque é passageiro. Mas eu descobri, com o passar do tempo, que a atitude do outro não tem nada a ver contigo. [risos] Foi muito difícil pra mim porque eu sou uma pessoa que me culpa por tudo, sabe? Me cobro demais e me culpo demais e entender que, na realidade, aquelas atitudes são exclusivas da pessoa, foi muito difícil, muito difícil mesmo, mas meio que virou uma chave e hoje em dia eu consigo impor os meus limites e entender que eu não mereço passar por certas situações.
“Preciso Saber” é uma canção sobre deixar o medo de lado para viver um amor. Como foi se permitir?
"Preciso Saber" fala sobre o início de um novo relacionamento, sobre se abrir para algo que pode dar certo mas também não pode dar. Hoje em dia, eu acabo analisando muitos pontos, pensando no que realmente quero em uma pessoa. Acho que essa música é, no fundo, sobre se apaixonar e sentir medo disso ao mesmo tempo. Fala sobre o desejo de viver aquele amor, mas também sobre as escolhas que a gente precisa fazer pra se permitir sentir de verdade.
O que fazer com o amor quando um relacionamento se acaba?
Depende de como o relacionamento chega ao fim. Se for um relacionamento tranquilo, que as duas pessoas são maduras, eu acredito que podem continuar mantendo contato durante um tempo, mas eu mesma acredito que todo relacionamento que chega ao fim cada um deve seguir o seu caminho e recomeçar a sua vida.
Após passar pelas fases descritas na narrativa do disco, você o fecha contando que os sentimentos por aquela pessoa que amou, passou, além de dizer que o próximo relacionamento será diferente. O que espera para o futuro?
Como Corama, eu espero conseguir aprender sempre mais sobre como lidar, tanto em relacionamentos quanto com outras pessoas, porque eu tô falando aqui contigo, mas eu sou uma pessoa extremamente tímida. [risos] Eu espero amadurecer isso, confiar um pouco mais em mim como Luiza, não ter tanto medo e entender que a Corama é aquela pessoa ali que tá no álbum e que ela não tem medo das coisas. Conseguir expor o que eu tô sentindo, mas sempre melhorando, falar bastante sobre e com a minha comunidade, sem se importar com o que vem depois, sabe?




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