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Foto do escritorMichele Costa

Constelações Hipócritas

No passado, ouvi de um conhecido que, após os 50 anos, as pessoas se dedicam a revisitar o passado para vivenciarem experiências recalcadas no intuito de buscar respostas para suportar o futuro. Não sei se concordo com isso, afinal, não cheguei nessa idade, no entanto, quando observo familiares, noto que eles procuram algo que não existe mais - um amor, um familiar ou uma sensação. Desde então, tenho pensado nessa teoria e em Sara, protagonista de Constelações Hipócritas (Numa Editora), escrito por Denise Crispun. 


Narrado pelo tempo, a obra trata as buscas e as solidões de uma mulher que não desistiu de encontrar a parte que falta. Ao evocar suas memórias, Sara revive suas vivências - da infância até o momento atual - e os traumas que tentou esquecer. Inclusive, é neste momento que percebe que não é possível fugir da dor. "É assim que começa. Entender o que se trata, entender cada vez menos. Tratar-se. Catarse."


De origem burguesa, Sara cresceu em uma família de aparências. A narrativa não é linear, ou seja, Constelações Hipócritas traz eventos de diferentes momentos, porém, ao juntar as peças do quebra-cabeça, é possível compreender a leitura. 


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O livro começa com as dores de Sara, causadas pela prótese no joelho. Não sabemos o que aconteceu com ela, por isso, desenvolvemos hipóteses. Mesmo aflita, ela se prepara para expor suas fotografias, mas o prazo deve estourar novamente, já que está indo viajar. Com o tempo, novas informações surgem: as peregrinações acontecem constantemente, pois procura seu filho. Sonha com esse encontro, mesmo com as poucas informações que possui. O ponto interessante é que a viagem de Sara não fica apenas no carro, as memórias surgem e se misturam com a estrada. 


Enquanto dirige ou dialoga rapidamente com outras pessoas, relembra dos pais e suas hipocrisias, do irmão que nunca foi compreendido e que está em uma clínica, dos presentes do tio, a empregada que cuidava das crianças, o primeiro porre, a gravidez, a casa que recebia adolescentes grávidas; o parto, o filho sendo retirado de seus braços, o adeus nunca dito de sua família; a viagem ao exterior e, consequentemente, sua nova vida. "Com a idade, entende que o peso das perdas é relativo, pois elas acontecerão em algum momento, inevitáveis." 


"(...) E por não ter feito nada durante tanto tempo, de certa forma abandonou o percurso da própria vida. Mas a vida ainda não acabou. (...)"

A vida de Sara é difícil e solitária, mas não chega a ser angustiante porque Denise é poética, dando opções para o leitor lidar com o que está lendo. Enquanto estamos com ela, acompanhando sua jornada, a conhecemos melhor, tirando-a da solidão. 


Constelações Hipócritas surgiu numa oficina iniciada logo após a pandemia, com Luiz Antonio de Assis Brasil. Nela, Denise desenvolveu uma personagem que, mesmo ao término da oficina, seguiu lhe perseguindo. Ela partiu para a pesquisa e após algum tempo de maturação, começou a escrever o livro. 


"Se a culpa foi da mãe ou do pai, não importa, mas os dois irmãos foram atingidos, cada uma de um jeito. Resta a eles sobreviver. Nasceram em berço de ouro, como se dizia na época. Tinham de tudo, mas faltou-lhes o chão."

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