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  • Foto do escritorMichele Costa

O encerramento do ciclo de AIUKÁ

2021 - Durante a pandemia, recebi o e-mail de Guilherme Krema apresentando AIUKÁ, o seu projeto musical. Em algumas linhas, ele comenta sobre suas inspirações, o surgimento e "Refúgio", o seu single. Ouço e fico curiosa para saber mais. Trocamos e-mails para uma entrevista.


2022 - Guilherme volta a me mandar e-mails. Não é sobre AIUKÁ, mas de outros artistas - me explica sobre o surgimento do No Corre, sua assessoria de imprensa. As mensagens continuam surgindo na caixa de entrada com artistas independentes; foi assim que conheci UrucumTrio, Ste a Viva, Anhangabahy e entre outros. Trocamos mensagens constantemente.


2023 - O "último" (quem sabe do futuro?) e-mail sobre AIUKÁ retorna a aparecer. Nele, Guilherme diz que o seu primeiro EP "Refúgio (沈黙)" acaba de ser lançado e que após uma série de shows e ótimas memórias, a banda (que começou com um solo) anuncia sua separação. Uma notícia impactante, já que acompanhei e torci para que o espetáculo chegasse em todo o Brasil, pois o refúgio existe e é uma mistura de eletrônica, com poesia e experimentação.


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AIUKÁ surgiu durante a pandemia. Agora, estamos em outro período, não vivemos mais aquele medo da morte. Como é revisitar o passado e poder colocar as músicas para fora?

Estranho. Tudo é muito estranho. AIUKÁ é muito estranha, inclusive. Principalmente porque foram coisas que eu fiz em um momento muito introspectivo e também em outro ritmo de tempo, né. Tu acordar de manhã e ter o dia pela frente sem saber muito bem o que tu vai fazer, e que você tem que tá dentro de casa, aí tu ouve um som e bate uma parada e começar a escrever uma letra às seis ou sete da manhã… Daí sentar na frente do computador, plugar todos os instrumentos e ficar dois dias inteiros pirados até terminar [a letra] e falando de uma coisa que eu tava pensando ali - também trazendo coisas e pesquisas artísticas antes da pandemia, assim como a vivência -, tudo na minha cabeça e de um jeito meio maluco, enquanto eu tava em casa, aconteceu de uma maneira e teve toda uma ressignificação. Aquela coisa de estar no meu quarto e que cantei baixinho no microfone, mais falado, tentando que as palavras ficassem com uma dicção legal para entender que aquilo era um pouco de poesia no meio… Quando eu fui pra rua com esse projeto, os primeiros shows já foi como banda, porque passou em um edital emergencial de pandemia para ajudar esses artistas que estavam reclusos e quando a coisa começasse a melhorar, fazer show... Foi o processo de perceber que essas músicas tão introspectivas tinham força, um peso e uma energia que eu não imaginava que elas tinham. Quando eu fui com isso pra rua, foi um ponto de ir se transformando até os últimos shows agora, a gente tava tocando como banda de hardcore, porque era uma coisa pesada, sabe? As músicas que eu já tinha gravado, [ao serem cantadas em público] estavam com outra cara - eram os mesmos arranjos, mas com outra energia, uma urgência muito maior do que a urgência que eu tinha naquele momento. AIUKÁ era uma coisa muito minha, mas aprendi muito sobre mim quando comecei a tocar com a banda.

Você falou de urgência, me chamou atenção para essa palavra. Depois de anos, nós temos urgência de viver, né, mas ainda tem um cuidado na produção, seja ela na escrita ou na gravação. Como é segurar a ansiedade?

Então [risos], a AIUKÁ é diferente. [pausa longa] Eu vou te dizer que na verdade, eu acho que esse cuidado com a AIUKÁ não existiu muito, por mais que pareça. Eu demorei muito pra largar essas músicas no mundo, mas foi mais por falta de dinheiro para finalizar elas com pessoas mais competentes do que eu tecnicamente, do que eu queria que elas ficassem perfeitas, sabe? Minha mãe tinha um violão, aí fui gravar o violão de uma música - que se você ouvir parece uma guitarra, mas não é, enchi de efeitos - e gravei com aquele violão velho e todo fodido. Uma parte da música parece que é um efeito eletrônico, de sintetizador, na verdade é a inversão do som do violão e ficou daquele jeito. Ou seja, eu nunca vou conseguir reproduzir exatamente o som eletrônico que tem certos pontos daquela música. Quase tudo dentro do EP foi feito com violão com meio velho e capenga, que meti uns efeitos em um programa que eu conseguia mexer mais ou menos e foda-se. Sou muito fã do Radiohead e gosto muito desses sons estranhos - soa estranha, mas soa legal, então vou botar isso aqui. Eu fiquei muito tempo também nesse processo de "será que eu faço a mesma coisa com essas canções e lanço?". Tanto que quando eu conversei contigo, lá no início, a minha ideia era essa, mas tudo foi mudando quando eu comecei a tocar com a banda e percebendo que as músicas tinham outra cara.


Tava pensando aqui: você começou sozinho, depois foi pra banda. Como foi esse clique que te fez perceber que precisava de uma banda e que o seu som soasse desse jeito?

Eu gosto muito de fazer algumas coisas sozinho, mas depois que eu coloco as coisas no mundo, surge um ponto meu que é o de autocrítica que é muito gigantesco. Daí acho que regularmente, sou bom em me desapegar de algumas coisas. Eu aprendi com eles que cada um conhece sua particularidade, podia fazer só aquilo que eu fiz sozinho de um jeito muito mais foda, soasse de um jeito muito legal para outras pessoas.



Deve ser muito difícil se classificar nas plataformas de música, né? Como é sobreviver nessas plataformas?

[risos] Não tenho a menor ideia! Não sobrevivo, não funciona, não dá certo. Porque quando eu boto lá rock alternativo, o curador que ouvir o meu som percebeu que não era rock alternativo e não vai gostar. Aí eu vou botar eletrônico, mas não é eletrônico. Eu vou botar qualquer outra, mas não vai. Então, eu não sei. Sinceramente, é uma luta que eu tenho há dois anos; eu tento classificar em alguma coisa… Não sei, eu realmente não sei. [Minha música] é uma coisa esquisita, feito em casa, é alternativo, é independente e extrapola gêneros.


No release, você usa a palavra ciclo. Você está encerrando um ciclo?

Com certeza, é um ciclo. Seja um ciclo particular, de como lidar com a música na minha vida, e agora, voltar com ela para ser sozinho, porque se eu não me cobrar, ela não acontece, não existe. Antes, com banda, eu cobrava para acontecer, eu fazia esse compromisso com os meninos, tinha um ensaio uma vez por semana, agora não tem o ensaio uma vez por semana. Quem me cobra? Então, é um ciclo dessa maneira, como é um ciclo… A maneira como eu fiz aquelas músicas, não é a maneira que eu posso fazer agora. Não tenho mais a possibilidade de levantar cedo, sentar em frente ao computador com algum instrumento que vou escolher hoje para fazer uma música, porque eu tenho que trampar, arrumar meu filho pra ir para escola, vou querer ficar com a minha companheira… Quando eu não tô fazendo isso, eu tô trampando fora, tô sempre nessa rotina. Agora, tô num momento de pesquisa para entender o que eu quero para esse projeto.

Agora que você falou, deu a impressão de que a AIUKÁ é sobre transformação, esse crescimento pessoal ou profissional. Você teve a liberdade de falar o que sentia no passado, recordar o que você falava e estar disposto à mudanças.

Com certeza, de entendimento de mundo e de arte, principalmente. Vivência artística com o mundo. Eu estudei artes visuais, tive muito aquela pira de "existe arte em todo lugar e é a arte que move, por isso, preciso trabalhar com arte" - e hoje eu trabalho com arte, eu vivo de arte. Pensar arte para a sociedade é o que coloca comida na minha mesa e é o que me motiva. Com a faculdade veio essa multiplicidade de artistas e como esses artistas fazem um trabalho para realmente ver essa transformação.


Durante o processo e agora que tá lançado, você encontrou o seu refúgio?

[breve pausa] Sim e não [risos]. O meu refúgio foram as pessoas que estavam comigo na pandemia, que me ajudaram a passar por isso; o meu refúgio hoje em dia é a minha família, que também é composta de amigos. Mas esse conceito de refúgio, ele se desconstrói a si mesmo, tipo, refúgio de que? Às vezes, o externo é refúgio para o interno, né. Esses processos internos são tão avassaladores que estar fora de casa, estar na estrada, como eu tô muitas vezes pelo trabalho, e com outras pessoas, outros artistas, essas vivências são um refúgio, porque me faz acreditar em arte, que ela ainda existe, que a vida não é só uma vida burocrática, de pagar conta e trabalhar. Como vivo de arte, o trabalho também é um refúgio. Tudo é um refúgio em algum momento. Então, encontrei esse refúgio, mas ele se transforma. O ep tem um subtítulo em japonês que significa silêncio.

Mas é o mesmo silêncio da música [o ep conta com uma canção intitulada "Silêncio"] ou é um silêncio diferente?

Eu não queria que o EP tivesse esse título. Queria que fosse "Noy Hay Banda". Sou muito fã de David Lynch, no filme "Mulholland Drive", a cidade dos sonhos, tem uma cena que as personagens vão em um clube chamado Silêncio e daí um cara aparece no palco que "Noy Hay Banda" e a banda começa a tocar e ele fala: "Isso é um clarinete" e daí começa a tocar um clarinete do nada e é uma cena super surreal que é onírica, doida e ela assusta, ao mesmo tempo que é mágica, e aquilo ali pra mim representa muita coisa, sabe? Daí, na minha cabeça, deu um estalo de "silêncio" e "não há banda" e os meninos [da banda] disseram que tinha que ser refúgio, mas eu não quis abrir mão desse silêncio - e o silêncio estava na música! Acho que esse EP, dentro de mim, tem uma coisa, que conversa com Radiohead, com Björk, com Lynch e com Julio Cortázar - todas essas coisas meio surreais, inspiradas e malucas que eu consumi e que fazem parte de mim, sabe? Às vezes me desperta os maiores sentimentos da coisa mais inexplicável e surreal e é sobre isso. Por isso que gosto de dizer que é estranho, porque o estranho chega a ser abstrato. O estranho se encaixa em qualquer coisa que a gente aplica, né.

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