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A liberdade dançante de Zaina Woz

  • Foto do escritor: Michele Costa
    Michele Costa
  • 26 de ago.
  • 12 min de leitura

Desde o início de sua trajetória, Madonna fez da liberdade o fio condutor de sua obra. No curta-metragem Secret Project Revolution (2013), a artista lança uma pergunta instigante: “o que é liberdade?". A resposta não é simples, já que o conceito abrange múltiplas dimensões, mas Zaina Woz encontrou sua forma de respondê-la: em Zaina Woz - {Vol. 01},  seu disco de estreia recém-lançado, a cantora reflete sobre as jornadas pessoais em busca de sua felicidade e identidade pessoal, o que inevitavelmente também passa pela descoberta do prazer.


No repertório do seu primeiro disco, Zaina Woz, nome artístico de Natalia Hoegen, transforma a pista de dança em um espaço que vai além da celebração. Suas faixas carregam camadas políticas e sensoriais, conduzindo o público a refletir sobre autonomia, corpo, desejo e amor. Inspirada no brilho da disco music dos anos 80, a artista resgata beats clássicos e grooves envolventes que tornam impossível ficar parado.


"É um lançamento que carrega muitas referências da dance music, electro & synth pop. A música sempre foi um refúgio para mim e eu queria que meu primeiro disco fosse como uma festa, assim como o meu show. Meu objetivo é fazer as pessoas dançarem e se divertirem, ser algo leve, e para isso eu precisei descobrir no corpo aquilo que me movia, me tirava do lugar comum e me levava a um campo de auto expressão genuína, para assim poder contagiar o público e levá-lo a um momento lúdico junto comigo", explica.


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Em que momento você decidiu criar uma persona para mergulhar no pop?

[breve silêncio] Eu acho que essa pergunta é boa e profunda. [respira fundo] A criação dessa persona veio para, principalmente, me permitir libertar dos meus dogmas, dos meus tabus, dos meus sonhos e inseguranças. Eu sentia que eu precisava de um lugar que eu não precisasse estar tão colada com a minha própria realidade - e essa pessoa me ajudou a criar uma ficção também na minha obra. O pop me trouxe isso. Michael Jackson, todas essas pessoas, Lady Gaga que cria com o pop… Veio daí essa inspiração que eu falava "eu preciso de um outro lugar que não seja esse tão colado à minha realidade. Quero criar um mundo mais utópico, mais dançante, mais colorido, mais fantasioso." Então a criação dessa persona veio pra me colocar nesse lugar do pop que a minha vida não tinha essa realidade, sabe?

A criação desse novo universo dançante também foi uma maneira que você encontrou para lidar com a realidade?

Sim. Antes de lançar esse primeiro disco, eu trabalhava em outras carreiras e eu não tava feliz comigo mesma, não tava feliz no meu trabalho, não tava feliz com quem eu era, com a minha personalidade, com as minhas escolhas… Eu não tava feliz com a minha vida. Depois que eu passei por um grande trauma, comecei a questionar o sentido da minha vida. Falei "olha, a vida é tão fugaz, tão rápida, tão veloz, o que eu tô fazendo com a minha? Preciso colocar ela nos trilhos [para ir onde] eu quero ir enquanto eu estiver aqui nessa terra." Então eu comecei a voltar pra esse sonho da música, tomar posse dele e começar a construir essa mulher que eu gostaria de ser; o meu álbum trazia isso, essa fuga da realidade. Eu queria que ele fosse dançante e que ele fosse feliz [para que] no momento que eu botasse o pé num palco eu estaria me divertindo do início ao fim. Com toda certeza esse disco começou com esse objetivo: eu quero fazer um show dançante, eu quero sair de casa pra trabalhar feliz e quero que as pessoas saiam mais felizes do que entraram… Então quem estiver compartilhando comigo esse momento é isso, vamos fugir juntos da realidade. [risos]

Justo, já que a realidade é doloroso demais. Ela precisa de cores, né?

Sim, ainda mais eu que moro em São Paulo porque tudo é cinza. Você dá de frente com as pessoas morando na rua, você esbarra no metrô e as pessoas estão deprimidas… A música precisa trazer as pessoas pra cima, sabe? Eu quero falar com essas pessoas, eu quero que elas me ouçam, quero que elas se alegrem e se sintam inspiradas de alguma forma - ter um pouco de esperança. Então tem esse desejo de fuga da realidade mesmo.


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(Créditos: Kim Costa)

Essa persona foi criada com muito cuidado e com muita pesquisa. Como foi esse processo que começou na infância até lançar o álbum?

Acho que foi um processo muito espiritual e muito mental também… Muito de buscar dentro de mim, de me transformar em certa forma porque eu não vim de uma família de artistas, de músicos… Eu precisei me descobrir sozinha como uma pessoa que tinha esses anseios, esses desejos e essa veia artística mas que não tinha nenhuma referência - só a Britney Spears, a Madonna e a Christina Aguilera, só as divas, sabe? [risos] Essas mulheres foram o meu modelo de mulher porque nascida no interior eu não me via como uma mulher do interior que ia casar, ter filhos, uma vida mais pacata… Não, eu queria estar em cima de um palco brilhando, com uma roupa linda, os cabelos esvoaçantes [mexe a cabeça sorrindo] e cantando. Então desde pequena as minhas barbies, as minhas brincadeiras, tudo era voltado a ser cantora, ser artista - sempre foi com o que sonhei. Como eu não tive uma referência na família, eu tinha medo de viver essa carreira porque todo mundo fala que músico passa fome e não sei o que, eu ficava muito apavorada. Não tinha um incentivo dentro de casa, meus pais sempre me deixaram muito livres… Mas também livre por livre você pode ir pra qualquer lugar, inclusive, você vai pra aquele [lugar] que é mais seguro.


Em 2021, você apresentou suas primeiras canções, mas só agora, em 2025, você lançou o seu primeiro disco. Por que tanto tempo?

Meus primeiros dois singles foram produzidos de uma forma até mais amadora, foi quando eu dei aquele pontapé de começar na música, mas eu ainda tinha outros trabalhos. Depois que eu vi que ia ser impossível trabalhar com mil coisas ao mesmo tempo, eu comecei a me dedicar especialmente à música - larguei tudo [risos] e falei "ou vai ou racha". Eu passei a estudar produção musical, passei desenvolver minhas habilidades artísticas, como canto e dança, estudei composição, me profissionalizei mesmo na música. E nesse meio caminho eu penei muito pra encontrar um produtor musical que desce certo pra produzir o meu disco. Você encontra uma agulha no palheiro quando você encontra alguém que dá match musical que você consegue trabalhar. Eu bati muito a cabeça nesses quatro anos tentando fazer algo que eu nunca fiz na minha vida. Então acho que é um tempo de aprendizado mesmo que foi quase uma faculdade… Esse álbum é meu TCC desses anos de estudo e profissionalização. O Arthur Kunz, impossível não mencionar ele, coproduziu o disco comigo e foi essencial pra que esse álbum viesse pro mundo.

Você sente diferença do que você foi ali atrás, no seu primeiro single, para o último single que lançou antes de lançar o disco?

Com certeza! Passei por muitos aprendizados, aprendi muita coisa! Desenvolvi muito mais a minha voz, desenvolvi muito mais minhas habilidades de composição… Ao aprender a produção musical eu consegui deixar as minhas músicas mais do jeito que eu queria porque eu comecei a fazer música e brincar de ser a banda inteira com meu software de produção - eu era a baterista, a baixista… E assim minhas músicas foram ficando mais com a minha cara e eu consegui desenvolver a minha identidade musical. Meu primeiro single, "Não Quero Ninguém", o produtor fez uma estética mais de um trap pop… Inclusive, agora, eu regravei essa canção e coloquei no meu álbum com a vibe que ela tinha desde o início. Só que naquela época, eu não tinha tantas ferramentas minhas, não tinha habilidade musical para compor minhas músicas. Depois dessa produção [com Arthur], tudo se tornou mais fiel ao que eu queria para esse disco musicalmente.


Você sempre buscou a liberdade e ele atravessa o disco. Você encontrou a liberdade durante o processo ou no término do álbum?

Eu acho que ainda tô no caminho dessa liberdade, eu diria, porque essa frase foi regravada na voz ["Intro {Vol.1}", canção que abre o disco] da minha tia Miriam, mas ela foi dita pra mim por uma guia espiritual que eu encontrei no meio desse caminho… Então foi um fragmento que eu tirei dessa mensagem e eu coloquei no início do disco porque é isso - foi um pontapé pra essa minha jornada de libertação dos meus medos, das minhas ansiedades porque a gente tem medo de ser julgada, nós mulheres precisamos nos sentir mil vezes mais preparadas pra fazer alguma coisa, a gente precisa ser muito boa e é muito diferente pra uma mulher fazer algo… E a gente passa por várias perguntas, né? Ainda mais que a carreira artística é vista como uma carreira que, às vezes, [acreditam que] o músico não pode ter família, o músico é vagabundo ou não sei o que.. Nossa! Eu tive que desconstruir muitas coisas na minha cabeça sendo mulher, então fui buscando a liberdade em muitas facetas da minha vida e a música me deu essa ferramenta pra trabalhar isso na minha vida e colocar isso em forma de arte porque é isso que eu posso fazer, né? [risos] Eu não ia ser feliz em outra coisa, eu acho que esse é o meu objetivo mesmo. Esse álbum conta essa história dessa busca pela liberdade que passa pelas pistas de dança, pela chegada na cidade… Tem esses momentos que contam essa jornada.

O significado de liberdade varia para cada pessoa, mas você acha que ela pode ter o mesmo significado para o dia a dia e para noite? Aliás, você acha que é possível encontrar a liberdade na pista, dançando com os demais?

Eu acho que a pista de dança ou quando a gente sai pra uma festa é o momento em que as pessoas, geralmente, estão mais soltas de si mesmos, daquela cara que a gente carrega no dia a dia. Quando eu comecei a frequentar as festas de São Paulo, essa cena clubber, eu vi a realidade mudando. Quando eu fui pra Berlim e para outras festas fora do Brasil, as pessoas chegavam e se trocavam na festa - elas levavam outras roupas - e se transformavam em outras pessoas. À noite, a música, traz isso: você poder ser ousado, poder usar uma maquiagem diferente... Ali parece que você vai ser você mesmo, ainda mais porque a noite é mais escura, não tem tanto aquela coisa do dia a dia, né? Eu acho que uma pessoa que consegue se expressar numa noite, numa pista de dança, se jogar mesmo, deixar vir os movimentos genuínos virem do seu corpo mesmo que ela não saiba dançar... O corpo liberta, a dança liberta - é tipo "saaaaai" [mexe as mãos e ri] e você fica mais livre. Acho que a liberdade é uma busca mental, espiritual e passa por esse do físico também.


"Eu acho que o ouvinte vai se contagiar - e é isso que eu espero. Tanto que eu começo meu disco com essa mensagem profética de fé porque os brasileiros são religiosos. Eu chego com essa mensagem de libertação e quem não quer ser livre? Eu quero falar com essas pessoas que estão aí com o coração aberto."

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(Capa por Bruno Abatti e Zaina Woz)

Você diz que o álbum é a sua primeira fábula a partir de páginas arrancadas de um diário. Fiquei me perguntando se o conteúdo presente nessas páginas são autobiográficas e até que ponto as palavras são ditas por Natalia e Zaina?

Confesso que ter essa persona artística ainda é algo que estou descobrindo onde está a separação da Natalia com a Zaina. É uma rua dúbia? Eu fico até meio confusa, você percebeu, né? [risos] Tem as histórias que são minhas e tem aquele toque de ficção que são essas fábulas urbanas que eu conto, né? Esse disco é urbano, ele é isso: um conto de fadas urbano. Tem a minha realidade, a minha experiência de vida, as minhas histórias… Eu me valho um pouco da ficção para colocá-las no mundo, mas ainda assim são as minhas histórias. Eu acho que até ter essa persona é um jeito de deixar em aberto - "será que ela passou por isso mesmo? Será que isso é verdade?" -, fica sempre aquela coisa no ar. É um conto de fadas, não sabemos se é uma realidade.


Você diz que o seu objetivo é fazer as pessoas dançarem, se divertirem, se libertarem. Mas fiquei me perguntando qual seria o seu objetivo com você mesma?

Uma pergunta existencial, vou levar pra minha terapia. [ri e faz o símbolo de telefone com a mão] "Claaau, qual é o meu objetivo de vida?" Eu acho que o meu objetivo era realmente esse encontro com esse propósito que eu sempre senti no meu coração. Eu tava trabalhando em outros lugares, eu tava fazendo outras coisas e a música ali… "Tá, mas e a música?" Eu tava sempre com esse chamado - eu sinto que é um chamado mesmo: ou eu fazia isso e botava isso pro mundo ou eu ia, com certeza, morrer amargurada ou eu não ia ser feliz. O meu objetivo era de me encontrar mesmo e eu sigo ainda me buscando, me experimentando. Agora eu vou entrar nas artes performáticas, explorar outros campos até mais diferentes que na música… Eu sigo nessa busca de encontrar a minha expressão mais genuína e botar isso em música ou numa performance de arte.


Em "Solta o Corpo" você diz que existe um sonho no bolso e muitas incertezas, como é a vida. Quando você está na pista, essas incertezas desaparecem e o sonho aumenta?

Eu acho que depende muito do seu espírito mental, quanto você tá aberto pra sentir a música e sair um pouco de dentro da sua cabeça - eu digo isso porque na semana passada, eu tava numa festa e as minhas inseguranças começaram a gritar na minha cabeça de uma certa forma que eu fiquei me perguntando "por que eu tô sentindo isso? Por que eu não tô ouvindo a música?" Muitas das vezes a gente vai ter que tá muito atenta com aquilo que a nossa cabeça pensa porque as incertezas estão sempre ali nos cutucando, mas a partir do momento que a gente tem noção delas, a gente se torna mais forte, pelo menos a gente consegue driblar um pouco essas incertezas, né? Esse lance de ter um sonho é um lance de você saber que as incertezas, as inseguranças, são meramente distrações que te afastam do teu sonho. Quanto mais você se dá conta delas e fazer o que você tem que fazer mais o sonho vai tá próximo de ser realizado - é algo que aprendi nesse caminho, sabe?


A liberdade sexual como pauta em Zaina Woz - {Vol. 01}


Seguindo a trilha aberta por grandes divas - Madonna, Lady Gaga, Cher e Cyndi Lauper - Zaina celebra a emancipação feminina ao colocar o prazer da mulher no centro da experiência em faixas como "M.S.F", "Sucesso Sexual" - regravação da música gravada por Angela Ro Ro em 1984 - e “DominatriX”, transformando a pista em um espaço de liberdade e resistência. 


Sem medo de ousar ou assustar, a cantora convida as mulheres a redescobrirem o próprio corpo e prazer, costurando narrativas que transitam entre o autobiográfico e o ficcional em um diálogo honesto e poderoso.


"O desejo nos guia muito nessa vida, ele nos conecta com nossa intuição. Como mulher, sei como papos como esses são tabus entre as amigas e mulheres de todas as idades e me agrada naturalizar esses assuntos através da música e das imagens que crio nas letras."

A liberdade sexual feminina também está presente no disco, mas o conservadorismo segue presente em 2025, principalmente em jovens, sem falar no tabu. Como surgiu esse tema e trabalhá-la nas músicas?

Essa parte da liberdade sexual, pra mim, veio através da música [através] das influências. Como eu sou uma ex-crente [risos], eu tinha muitos tabus com a minha sexualidade, eu tive que realmente estudar, tive que correr atrás porque aquilo não vinha de forma natural porque eu tinha tantos tabus na minha cabeça, tanto medo que eu ia pro inferno, que era coisa do Diabo, sabe? Eu realmente tive que estudar o meu corpo, tive que saber o que me dava prazer. A minha jornada pra liberdade também veio nesse caminho de também descobrir a minha liberdade sexual porque uma mulher que goza é uma mulher potente! Eu faço isso até como uma provocação nas minhas músicas, escrevi "DominatriX" que é uma brincadeira sobre brincar com a sexualidade, de descobrir novos prazeres - não só aqueles que nos dizem que é certo, né? Eu senti nas minhas mãos essa oportunidade de dizer "eu não tenho mais vergonha em falar sobre isso, então vou falar sobre isso nas minhas músicas" e sei que isso pode refletir em alguém. Regravar a música da Angela que eu ouvi numa pista e eu amei a música e eu regravei ela em uma vibe mais romântica, levar ela para uma atmosfera mais carnal... Quis fazer uma música mais profunda que desse tempo de preliminares, tempo de se jogar no prazer mesmo, sabe? Porque para o prazer acontecer, principalmente para mulheres, precisamos de tempo, preliminar, flores [abre os braços e ri], romance... Muitas pessoas sentem vergonha de falar sobre isso, então eu quero fazer esse serviço para ajudar - me perguntem, garotas! [risos]

Você acha que, em algum momento, as mulheres encontrarão a liberdade - financeira, mental e sexual - em um futuro breve?

Acho que fizemos grandes avanços, mas a gente tem muita caminhada pela frente, né? Por mais que tenham os movimentos da liberdade feminina, em contrapartida, vem os movimentos de direta, movimentos mais conservadores, parece que o mundo é sempre isso, né? Um vai e vem de ondas, mas vai nesse caminho da música que tu ouve, do que você lê, quem você ouve... A gente continua caminhando, mas eu acho que o Brasil tem muita [ênfase na palavra] coisa pra mudar, muita coisa pra caminhar. É uma luta.

Você continua com o seu mantra "my self-satisfaction"?

Sim! Esse é o meu mantra. Acho que essa foi a última canção que entrou no disco, eu tava um pouco cansada de escrever letras e falei "eu quero uma música que seja como um mantra" e eu encontrei essas três palavras em Sex and the City, era viciada, e eu falei "quero me sentir como Carrie Bradshaw" e eu me fiz valer dessa energia da Carrie, peguei essas palavras e comecei a cantar rápido e vi que quando canta rápido essas palavras viram "minha autossatisfação" e fiquei [faz cara chocada] e falei "é isso, obrigada universo!" E isso se tornou o meu mantra.




Prepare-se para soltar o corpo com Zaina Woz! A cantora e compositora fará o show de lançamento do seu primeiro disco no dia 12 de setembro, às 20h, no Porta, em Pinheiros. Acompanhe o Instagram de Zaina para não perder nenhuma novidade.

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