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  • Foto do escritorMichele Costa

Lurdez da Luz celebra o poder feminino da mulher latino-americana

Atualizado: 25 de abr. de 2023

"Ninguém nasce mulher, torna-se mulher", escreveu Simone de Beauvoir em "Segundo Sexo". A obra da filósofa francesa debate a situação da mulher, do ponto de vista biológico, sociológico e psicanalítico. Setenta e quatro anos se passaram desde o lançamento da obra - e as mulheres seguem lutando pela sobrevivência e o seu futuro.


Tivemos mudanças, mas poucas em um país que carrega a palavra "progresso" em sua bandeira. O machismo mata todos os dias uma mulher. De acordo com o Núcleo de Gênero e o Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público de São Paulo, os casos de violência contra a mulher aumentaram 30% durante o isolamento social.


No meio do ódio e do conservadorismo, as mulheres renascem, porque são grandes e intensas. É com essa ideia que a rapper Lurdez da Luz deu voz ao EP "Devastada". Em quatro canções, Lurdez reflete sobre a grandiosidade da mulher latino-americana no mundo em recuperação de tempos difíceis. "Esse é um EP sobre o renascimento que estamos tendo neste momento", comenta.


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Você está no ramo musical há mais de dez anos. Como tem sido e quais foram as principais mudanças, principalmente em você, durante esse tempo?

Olha, muitas coisas aconteceram, né. Primeiro, eu comecei com um grupo masculino [Mamelo Sound System] e trabalhei com eles por dez anos. Depois eu comecei a minha carreira solo... Eu acho que eu fui mudando muita coisa também na estética do meu trabalho; sempre mantive uma essência, desde o começo, que é uma busca de um hip-hop mais brasileiro e tal e acho que isso existe até hoje, mas a real é que muitas coisas aconteceram no sentido, tanto dessa mudança quanto do próprio mercado, né. Da dinâmica de como as coisas funcionam hoje em dia; e aí a gente ou vai se adaptando a algumas coisas e outras mantendo o que você acredita, o seu jeito de fazer, principalmente da parte artística. Uma longa jornada e eu acho que para o artista no Brasil, principalmente independente, sempre tem essa coisa de altos e baixos, né. Não é uma coisa linear ou só ascendente em termos mercadológicos, mas pra mim, em termos artísticos, é totalmente ascendente, cada vez eu gosto mais do que faço.

E como é ser mulher na música? Um espaço menor, obviamente, mas ao mesmo tempo as boas notícias é que realmente o espaço aumentou, tanto a quantidade de mulheres, quanto o lugar que elas ocupam no cenário da música, no imaginário popular – e principalmente na ideia de mulheres compositoras porque eu acho que até uma boa parte da nossa história a maioria das mulheres era intérpretes, as que conseguiam algum lugar na música, com várias exceções. Hoje em dia, eu acho que a ideia da mulher compositora-artista, que canta suas próprias músicas é muito, muito, muito maior e muito mais difundido - e é aí que eu fico feliz. É onde me incentiva muito a continuar, porque eu me sinto muito mais pertencente a um grupo que tem essa expressão artística única. Eu acredito na evolução do cenário, que evoluiu bastante de quando comecei para hoje em dia.


Falando em mulher, "Devastada" reflete a grandiosidade da mulher, principalmente da mulher latino-americana. Te pergunto: o que significa ser mulher para você? É uma construção, né. Acho que ao mesmo tempo que existe uma ideia [sobre] o que é ser mulher pré-concebida desde o ventre da nossa mãe, existe a ideia de uma mulher biológica que reproduz e existe uma ideia social do que é ser uma mulher. Acho que na verdade ser mulher é ser o que você quiser porque você... É aquela história: não se nasce mulher, se constrói, se faz, você se entende como mulher ou não – independente desse corpo que você está inserida. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, como diz Caetano. Na verdade, é indefinível ser mulher, mas diante de toda construção social milenar que a gente tem, é desafiador pra caramba. A gente sempre tem que ser melhor pra poder ser reconhecida em outros ambientes que não são considerados nossos, muitas vezes não se sentir pertencente a muitos ambientes e acho que o que tá acontecendo é até uma desconstrução também do que é ser mulher – a gente constrói e desconstrói conceitos criados sobre a ideia do que é ser mulher. Apesar de ser desafiador, acho que é divino. Minha visão também tem um lado de como eu cultuo deusas, eu acredito que a mulher tem uma potência de comunicação muito maior, uma relação com a natureza muito maior, então, essa é a ideia do feminino, né. Eu acredito que a energia feminina é o futuro mesmo, é o que pode salvar o mundo da destruição. Aliás, destruição, mas o EP também fala de recuperação após tempos difíceis. Qual é a sua esperança para o futuro? Bom, eu não sei coletivamente, mas eu acho que a gente tem uma evolução constante em nível de consciência planetária, uma transição de era, onde o capitalismo vai perder uma força, onde toda essa lógica do patriarcado e de uma sociedade estruturalmente racista vai perder uma força, está perdendo; mas ainda existe muito a ser feito e também existe uma questão na minha cabeça se o planeta aguenta até lá. Pra mim é muito óbvio que estamos num processo de evolução, pode ser confuso, muitas vezes caótico, muita gente retrógrada querendo segurar processos de avanço coletivo, mas que é inevitável o avanço, né. No momento acredito muito que é aquela parada de você modificar você mesmo e suas ações e escolhas diárias fazem diferença no mundo. Não que a gente não tenha que se juntar nas causas, muito pelo contrário, nunca foi tão importante, mas isso por si só não adianta. Acho que a mudança interna de crescimento de consciência em cada escolha sua, seja de acordo com valores mais elevados, é o que vai fazer a diferença mesmo no mundo. Eu tenho esperança na evolução da humanidade.



Me chamou muito atenção o título do álbum. O que significa "Devastada" e por que essa palavra? Devastada, por si só, já diz muito [risos], mas também é uma palavra no feminino. Eu já tinha escrito a letra, não sabia que o conjunto de músicas que eu tava construindo naquela fase ia culminar nessa palavra. É uma palavra que é muito simbólica pra mim, pensando no que a gente tava vivendo coletivamente. Eu comecei a escrever pré-pandemia, mas quando o cenário sócio-político econômico do Brasil já tava indo pra esse caminho nos últimos quatro anos e aí depois ainda veio a pandemia… Ou seja, existe uma doença em várias esferas, em várias camadas da nossa sociedade para ser curada. E aí as queimadas – aí falei "nossa, é esse o título do disco", mesmo que eu tenha outras músicas que falam de outras coisas, como da parte de como se restaurar, da parte dos afetos que podem nos restaurar... Eu pensei muito que o simbólico era o quanto isso pode demorar também depois de uma queimada do pantanal, da Amazônia – olhando pra natureza e vendo aquilo, incêndios criminosos, e fazendo essa analogia dos incêndios criminosos e da falta de respeito com a terra e com a falta de respeito com a mulher, que também é um símbolo de geração de vida, acho que foi aí que me pegou a ideia que ia se chamar "Devastada". E em paralelo a isso, eu estava num puerpério, então, eu já vinha de um isolamento de certa forma, né. Minha filha tinha nascido, aí depois a pandemia, durante a pandemia a separação, então eu falei "eu vou ter que renascer". É muita coisa junta, sabe. Foi meu intuito pessoal, minha vivência pessoal em conexão com a minha coletiva.


Muitas mulheres também te inspiraram para esse álbum. Quais são as suas outras referências que também serviram como fonte para o álbum? Eu acho que todas as minhas compositoras contemporâneas me inspiraram bastante também. Alguns discos foram saindo nesses últimos quatro e cinco anos. As mulheres do candomblé, minhas irmãs de sangue e as próprias entidades.


"Devastada" nos lembra que estamos viva e prontas para guerrilhar, porque é só através das revoluções que o mundo se transforma.

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