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  • Foto do escritorMichele Costa

Impressões: Retrato de um Viciado Quando Jovem

O que leva uma pessoa a começar a usar drogas? É por conta de sua criação ou demônios do passado? É pela adrenalina ou pela curiosidade? Existe alguma resposta para essa pergunta? Por que um jovem bonito, inteligente e com uma carreira promissora como agente literário se torna um viciado? Talvez não exista respostas para essas perguntas, mas Bill Clegg procura explicações para essas questões ao revisitar o seu passado no livro "Retrato de um Viciado Quando Jovem" (Companhia das Letras, 2011).


A dedicatória do escritor é crua - "Para quem ainda estiver lá fora" -, dando o tom da obra. A narrativa é dura, bem escrita e não poupa detalhes. Bill fumou crack pela primeira vez no apartamento de um advogado no Upper East Side. A fumaça com "gosto de remédio ou desinfetante" gera "um raio de energia renovada" que "eletriza cada centímetro do seu corpo".


Enquanto desce - cada vez mais - ao seu mundo sombrio, flashes da infância e adolescência aparecem na narrativa. Bill não romantiza nada e não tenta arrumar pretextos de traumas passados que justifiquem suas atitudes - o que ele faz é se reencontrar para identificar o que o levou a se tornar essa pessoa compulsiva, impulsiva e muitas vezes agressiva.


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Diferente de livros e filmes, o autor não se tornou um zumbi e/ou viveu nas ruas enquanto procurava drogas, Bill Clegg frequentava os melhores restaurantes e festas disputadas em Manhattan. Bem relacionado, conhecia muita gente. Pela impulsividade, característica presente desde a infância, experimentou a droga e não conseguiu se livrar.


Aprendemos com o autor que, para um viciado manter-se vivo, ele precisa pensar no próximo trago. A ideia de consumir a droga é o que dá força para o usuário seguir firme no dia. No fim, a luta de um dependente químico é psicológica e biológica e por mais que o indivíduo tenha uma rede de apoio para iniciar o tratamento, abandonar as drogas parece impossível.


Os dois últimos meses do vício foram devastadores para Bill: passou a beber muita vodca (bebia até cinco garrafas), o crack limpou toda a sua conta bancária (chega a gastar US$ 80 mil), a sua reputação (perdeu todos os escritores que agenciava e a parte da empresa que tinha com uma amiga), a sua casa (por precisar de droga constantemente, passou a viver em hotéis baratos, na rua e com pessoas que também fumavam) e o relacionamento com o namorado. Como escreveu: "Engulo três ou quatro doses de vodca e começo a ficar trêmulo. Mais de vinte minutos sem fumar já é quase o limite, e já estou lá embaixo há pelo menos meia hora. A vodca em geral acalma a tremedeira, alisa as pequenas rugas de horror que surgem quando a onda começa lentamente a acabar, mas ela não está ajudando muito agora. (...)"


"Os raios do sol matinal brilham por trás das persianas fechadas. Alguns minutos se passam e nada além do gemido baixo dos caminhões de lixo lá fora quebra o silêncio. Meu pescoço lateja e os músculos do ombro estão tensos e duros. O latejamento acompanha a cadência do meu coração, que esmurra meu peito como um punho furioso. Não consigo evitar que meu corpo oscile para a frente e para trás. Vejo Mark se levantar para varrer os vidros e noto como seu corpo oscila junto com o meu, como nosso balanço é sincronizado - duas algas sendo levadas pela mesma correnteza. Fico ao mesmo tempo horrorizado e confortado ao perceber como somos dois iguais na espiral de desolação que se forma quando o crack acaba."

"Retrato de um Viciado Quando Jovem" não é para todo mundo: precisa ter estômago para ler as vivências de Bill, que choca com as descrições de suas piores crises. No entanto, o relato do escritor é de imenso valor literário, prendendo o leitor do início ao fim.

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