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  • Foto do escritorMichele Costa

Desalinhando Haruki Murakami: os territórios sombrios de Norwegian Wood

"She told me she worked in the morning and started to laugh / I told her I didn’t and crawled off to sleep in the bath / And when I awoke / I was alone / This bird has flown", escreveu John Lennon. A música "Norwegian Wood (This Bird Has Flown)" foi inspirada em uma (das diversas) relações extraconjugais que Lennon teve, enquanto era casado com Cynthia Lennon e foi parar em Rubber Soul (1965).


Fã de música, Haruki Murakami se inspirou na letra para escrever o livro que leva o mesmo nome da canção. Publicado em 1987, o romance se passa na década de 1960 e conta a história do jovem Toru Watanabe, um jovem solitário que se envolve com algumas mulheres, criando assim, de um jeito não-linear, um triângulo amoroso.


Murakami constrói personagens que são conduzidos por sonhos, memórias e, principalmente, nostalgia. Em "Norwegian Wood", o escritor narra a trajetória de Toru que ao desembarcar em Hamburgo ouve a canção dos Beatles e relembra de Naoko, amiga que teve na adolescência. A partir disso, o leitor acompanha uma viagem ao passado, aos primeiros anos da faculdade de Toru em Tóquio e o relacionamento confuso com a amiga.


"(...) - Eu gostaria que você nunca se esquecesse de mim. Você vai se lembrar para sempre que eu existi e estive assim ao seu lado como agora?"

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Já nas primeiras páginas, o leitor descobre como a amizade do protagonista com Naoko surgiu: ela era namorada de seu amigo Kizuki, ainda na escola, que cometeu suicídio aos 17 anos. Toru percebe, na faculdade, que a morte é um ciclo da vida e por mais que as pessoas continuem morrendo, outras precisam viver - logo, é preciso sofrer para, depois, voltar a sorrir, encontrar a felicidade. Não é possível anular o ciclo: "A morte existe também no interior dos pesos de papéis e das quatro bolas vermelhas e brancas enfileiradas sobre a mesa de bilhar. E nós continuamos a viver exalando-a para dentro de nossos pulmões como uma fina poeira".


Assim, Naoki e Toru voltam com a amizade, criando um elo que vai muito além entre amigos. No entanto, ambos estão machucados com a perda de Kizuki - algo foi quebrado, retirado e as dúvidas sobre o futuro rondam os jovens. Inclusive, quando você é jovem acha que nada vai te destruir, nada acontecerá e que a vida pode ser bela, como nos livros. Então, quando acontece… Nada te prepara para isso.


No decorrer da leitura do livro, me perguntei se Murakami realmente se inspirou na música ou encontrou uma "desculpa" para mostrar como a sociedade é podre, atingindo de um modo silencioso e cruel o ser humano. Inclusive, em algum momento no decorrer das páginas, o leitor pode se questionar se o autor escreveu a história para que as pessoas se choquem e reflitam sobre suas vidas: se vivemos um ciclo, onde nasce, vive e morre, o que resta? Por que amar é doloroso?


A morte de Kizuki me havia ensinado uma coisa, e eu acreditava ter transformado isso em uma parte de mim mesmo na forma de uma filosofia: “A morte não é o oposto da vida, mas uma parte intrínseca da vida”


Quando Midori e Reiko surgem, a morte ganha espaço, ao mesmo tempo que a salvação vai surgindo, bem devagar. As duas transformam a vida de Toru em pouco tempo - e não é só isso: o leitor também passa por essa mudança, percebendo que é possível viver mesmo com perdas, términos de namoro e com demônios do passado. Isso fica claro na conversa que Toru tem com Reiko: " - Cartas não passam de papel - falei - Queime-as, mas o que tiver de permanecer no coração permanecerá; guarde-as, mas o que tiver de desaparecer, desaparecerá. Nós dois estávamos vivos e só precisávamos pensar em seguir vivendo".


Se você está passando por um momento difícil, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV) através do número 188 - a instituição realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, sob total sigilo por telefone, e-mail e chato 24h todos os dias.


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