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Susan Sontag por ela mesma

Não consigo me recordar como e quando conheci Susan Sontag. Talvez tenha sido no fim da adolescência, consequência da obsessão que tive por Ingmar Bergman e o existencialismo em seus filmes. Quando você descobre Susan Sontag, sua visão sobre o mundo começa a ser alterada: as dúvidas aumentam, Freud ganha outra proporção e o significado da fotografia muda. Não é fácil acompanhar os pensamentos dela: Susan era uma leitora voraz, intensa, fazendo com que suas ideias fossem construídas de forma rápida, consequentemente, trazendo uma estranheza quando é lida pela primeira vez.


Quando escrevia, Susan era séria, perspicaz e não se mostrava por inteira, diferente dos seus diários. Será que o público, seus fãs e seguidores, conheceram a verdadeira faceta de uma das filósofas mais importantes do século XX? Em entrevista ao jornalista Jonathan Cott (disponível no livro "Susan Sontag: Entrevista Completa Para a Revista Rolling Stone", Autêntica, 2015), ela se apresenta como inteira, mas tenho minhas dúvidas - angústia e amor são dois itens presentes em seus diários, diferente da entrevista que deu ao jornalista. Ela se apresenta e some: "Gosto de entrevistas e gosto delas porque gosto de conversar, gosto do diálogo, e sei que boa parte das minhas ideias é produção da conversação. De certa forma, o mais difícil de escrever é estar sozinha e ter que estabelecer uma conversa consigo, o que é uma atividade antinatural em essência. Eu gosto de conversar com as pessoas - é o que me faz não ser uma reclusa -, e conversar me dá a chance de saber o que penso. Não quero saber sobre o público porque é uma abstração, mas com certeza quero saber o que pensa o indivíduo, e isso requer um encontro cara a cara".


Aos 14 anos, começou a escrever um diário que a acompanhou até 1963, quando chegou aos 30 anos. Em "Diários: 1947-1963"(Companhia das Letras, 2009), acompanhamos as reflexões e o crescimento com amargura e ironia. Susan começou a questionar o mundo cedo e ao escrever sobre, buscando respostas, começa a se tornar uma das principais vozes dos Estados Unidos - mesmo não sabendo. Organizada pelo seu filho, David Rieff, "Diários" mostra ao leitor uma diferente faceta da escritora. Será que conhecemos de verdade Susan Sontag?


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"Agora eu conheço a verdade - sei como é bom e correto amar - em alguma medida, obtive permissão para viver -
Tudo começa a partir de agora - eu estou renascida."

Susan dizia que para escrever, "é preciso permitir-se ser a pessoa que você não quer ser (entre todas as pessoas que você é)." Será que ela se permitia aprofundar nas diferentes personas quando ia se mostrar para o outro? Até que ponto ela realmente se amou? Aliás, será que um dia se aceitou, como aceitava a necessidade de escrever?


Seus diários são ambíguos, dando diversas interpretações. Necessitada de leituras e palavras, Susan escrevia poucas frases em seus diários - mas foram esses ritmos desalinhados que deram razão para diversos de seus livros. Tema e tamanho mudam constantemente, mostrando que a escritora sempre esteve em transformação.


Thomas Mann, Bergman, casamento, o crescimento do seu filho e a necessidade de estar com alguém que a amava são temas presentes em seus diários. O peso da existência chama atenção: a mulher que quer viver, também quer morrer, o peso é grande. Como continuar quando a vida é longa é difícil? Logo, encontra o refúgio no seu trabalho.


"Você não é o mundo, o mundo não é idêntico a você, mas você está nele e presta atenção nele. O escritor faz isso - presta atenção no mundo. Sou contra essa ideia solipsista de que está tudo na nossa cabeça. Mentira, há um mundo lá fora, quer você esteja nele ou não. E quando a gente vive uma experiência com o que está realmente acontecendo em vez de tentar se afastar dela envolvendo-se em outra coisa, porque nesse caso você está apenas se dividindo em duas partes."

Participante da cena cultural como Joan Didion, Susan era uma contradição: no início do seu diário dizia que não lecionaria e que não deixaria que seu intelectual a afundasse. Bem: ela foi professora na Universidade Columbia e muitas vezes mostra a angústia de ser intelectual, diferente das outras pessoas. Explico melhor: quando lia Nietzsche precisava debater logo em seguida, se não, ficava agitada - seu poder intelecto a devorou por completo, resultando nos impressionantes ensaios que estão no livro "A Vontade Radical" (Companhia das Letras, 2015).


É claro que Susan se doou para o mundo, mas não por completo: em seus relatos, demonstra medo ao se relacionar com outras pessoas, mesmo desejando intensamente a companhia do outro. Teve seu coração partido algumas vezes, mas se refez e reencontrou o amor com a fotógrafa Annie Leibovitz.


"(...) Mesmo assim nós existimos, + confirmamos isso. Confirmamos a vida da volúpia. Mesmo assim existe mais. Não se escapa da sua verdadeira natureza que é animal, id, para uma consciência autotorturante e imposta exteriormente, superego, como Freud diria - mas sim ao contrário, como diz Kierkgaard. Nossa sensibilidade ética é o que é natural para o homem + nós fugimos disso para o animal; o que é apenas o mesmo que dizer que eu rejeito a volúpia fraca, manipuladora, desesperante, não sou um animal, não vou ver uma futilitária. Acredito em algo mais do que a épica pessoal como o herói encadeando os fatos, em algo mais do que a minha própria vida: acima de múltiplas coisas espúrias + desesperos, existe liberdade + transcendência. Podemos conhecer mundos que não experimentamos, escolher uma resposta para a vida que nunca foi dada, criar uma interioridade absolutamente forte + fértil.
Mas como, quando podemos, instrumentar o fato da plenitude + amor? Temos de nos aventurar a algo mais do que a segurança da educação reflexiva. Se a "vida é uma forma vazia, um molde negativo, do qual todas as ranhuras + reentrâncias são sofrimento, desconsolo + as mais dolorosas descobertas, então a peça fundida que se obtém disso... é felicidade, consentimento - a mais perfeita + a mais certa bem-aventurança". Mas como teríamos de ser protegidos + resolvidos! E isso leva a liberdade expansiva, a liberdade instrumental, liberdade que não seja essa enorme posse do próprio coração que é a morte?"

Seus diários são realistas, mostrando que por trás de uma grande intelectual, Susan Sontag era humana, ou seja, se sentia vazia em alguns momentos e tinha medo da solidão, mesmo sabendo que era natural. Susan não queria morrer, queria aproveitar a vida até o último suspiro. Morreu em 2004 em decorrência de um câncer - foi contra sua vontade; mas existe uma verdade que ela não sabe: continua viva e essencial para nós.

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