(Foto: Divulgação)
É com a palavra nonada que se inicia a história de "Grande Sertão: Veredas". No entanto, antes da contação, João Guimarães Rosa destacou a frase "O diabo na rua, no meio do redemoinho", introduzindo o bem o mal - que será debatido durante toda obra -, duas maneiras que acompanham o ser humano durante sua trajetória. Dessa maneira, o escritor, seu protagonista Riobaldo e o leitor se questionam: o demo realmente existe?
Realizar a travessia na obra do mineiro está longe de ser fácil; é necessário coragem para ler o árduo caminho que Guimarães Rosa desenvolveu após acompanhar uma boiada pelo sertão mineiro. A diretora e artista multimídia Bia Lessa se debruçou por anos para levar a sua versão ao público. O resultado foi compartilhado na 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com o filme "O Diabo na Rua no Meio do Redemunho".
A primeira vez que Bia colocou as veredas à disposição do público foi em 2006, com a exposição "Grande Sertão: Veredas", no Museu da Língua Portuguesa. A mostra tinha o objetivo de traduzir a obra para uma linguagem interativa. Treze anos depois, a diretora retornou a mergulhar no rio de Rosa, levando suas palavras para o teatro. Após o sucesso, Bia decidiu filmá-lo. Sendo assim, "O Diabo na Rua no Meio do Redemunho" utiliza recursos do teatro e do cinema, criando uma experiência sensorial e dinâmica.
Leia também:
Caio Blat é Riobaldo. Ao longo de duas horas e meia, o ator compartilha suas experiências e conflitos, assim como sua história de jagunço. No livro, Riobaldo é acatado, diferente desta versão, que é sarcástico e raivoso. É surpreendente a entrega de Blat para o papel, assim como a memorização de muitas passagens do livro. Inclusive, antes de iniciar o filme, o ator comentou que esse papel foi o mais importante de sua vida. A interpretação de Luiza Lemmertz é divina. Vivendo Diadorim, a atriz dá o tom certo para a coragem da personagem.
Bia Lessa abre mão dos recursos cinematográficos, isto é, "O Diabo na Rua no Meio do Redemunho" foi gravado em um galpão com fundo preto, onde os atores vão além de seus papéis, ou seja, tornam-se animais e objetos. Dessa maneira, o filme retrata a metamorfose do artista, que passeia pela ingenuidade de um pássaro até alcançar a atrocidade do ser humano. Em uma cena, Luísa Arraes chega com a notícia das mortes dos cavalos. O horror, misturado com lágrimas e suor, faz com que o telespectador relembre os diversos massacres que passamos.
Assim como no livro, não sabemos ao certo se Riobaldo fez um pacto com o diabo para acabar com a gangue do Hermógenes, mas uma coisa é certa: Bia Lessa mostra que é possível fazer uma travessia com novas veredas, sem a domesticação dos corpos. Como disse Riobaldo: "O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem".
Commentaires