Quando perdemos um ente querido, começamos a conviver com as noites azuis, como escreveu a jornalista Joan Didion em Blue Nights (Harper Collins, 2018). Segundo a autora, "nas noites azuis temos a impressão de que o fim do dia jamais chegará", ou seja, durante o luto não vemos o tempo passar, já que a dor é imensa e intensa.
Durante as 187 páginas de Blue Nights, a jornalista americana traz um relato doloroso, comovente e sincero sobre a perda de Quintana, sua única filha, a passagem do tempo e a maternidade. Para compreender as reflexões de Joan, duas informações são importantes: em 2003, seu marido John Gregory Dunne morreu devido a um infarto fulminante. Um ano e oito meses depois, Quintana estava morta. Ao revisitar o passado, Joan busca encontrar respostas para suas questões e se preparar para o futuro, o seu próprio fim.
O título da obra se refere às mudanças de estações em Nova York: as noites vão escurecendo aos poucos, em vários tons de azul, até chegar na escuridão. É um prenúncio para o fim da vida. Quando a escuridão chegou, acabou.
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Pode-se dizer que Blue Nights é a continuação de O Ano do Pensamento Mágico (Harper Collins, 2021): nele, a escritora retrata a morte precoce e silenciosa do marido ("A vida muda num instante. Você se senta para jantar e a vida que você conhecia acaba de repente."). Ao relembrar dos bons momentos, Joan se apega às palavras para não se afundar, afinal, somente ela sobreviveu. O que fazer para continuar viva? Escrever. Uma escritora precisa das palavras para continuar a trajetória: "Estou contando essa história real apenas pra provar que posso."
"(...) Certo, obviamente consigo rastrear de onde vem, obviamente é possível rastrear, é outra maneira de reconhecer que nossos filhos são os reféns do acaso. Mas do que estamos falando quando falamos de nossos filhos? Estamos falando do que significou para nós os termos? Do que significou para nós não mais os termos? Do que significou deixá-los partir? Estamos falando do enigma de jurar a nós mesmos proteger o que é impossível proteger? De todo o mistério que é ser um progenitor?"
Diferente de seus outros livros, Blue Nights não possui uma narrativa linear, já que o significado de tempo para Joan foi alterado após as perdas. Ao revisitar o passado e verificar suas atitudes e escolhas sem piedade e de forma crítica, a jornalista se culpa por não ter percebido os diversos sentimentos e confusões de Quintana, mas encontra e compartilha as pequenas delicadezas do cotidiano, como o uniforme da escola da filha ou os poemas de T. S. Eliot.
Escritora de mão cheia, Joan Didion relata o passado para não esquecer os dias vividos e sua própria existência: "(...) Uma época em que eu acreditava que poderia manter as pessoas presentes, junto a mim, preservando suas lembranças, suas "coisas", seus totens." Dessa maneira, descobrimos que ela não tem medo de morrer, mas tem medo de perder a consciência, ficar inválida e sem movimentos. Por isso, indaga se as noites azuis durariam para sempre. Em Blue Nights, Joan aceitou sua solidão, sua vida e os restos que sobraram, no entanto, ao escrever, mantém todos vivos - não só a família, mas o leitor também.
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