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  • Foto do escritorMichele Costa

As ondas de Pratanes

"Égide" começa a tocar no fone de ouvido. Um violão inicia e em seguida, sintetizadores; uma leve batida. Agora, é o momento certo para fechar os olhos e entrar na onda de Pratanes. "Égide" é o segundo single que antecipa o EP "Salve, Rainha", trabalho multiartístico que conta também com um projeto para o cinema. A palavra onda, empregada duas vezes em itálica neste texto, é perfeita para descrever o trabalho de Pratanes: assim como os movimentos das ondas, a cantora faz o ouvinte mergulhar e balançar em suas vivências, sentimentos e ancestralidade - este último de extrema importância.


"Parto de um filho que pariram e me deram para criar / Parto de um rio que despida me puseram para banhar", ela canta. As ondas do mar que a artista mergulhou, continuam. Elas são baixinhas, de movimentos leves, mas de extrema potência, tocando no fundo do ouvinte, indo além do corpo - no final, você está ao lado de Pratanes, mergulhando com ela.


Nada é por acaso: Pratanes, projeto musical de Agnes Magalhães, usou o isolamento social para dar continuidade ao processo de auto investigação: mergulhou na história de sua família, de origem maranhense, e encarnou as memórias de seus ancestrais, principalmente de sua mãe. No meio do seu mergulho, a artista também resgata as vivências e experiências do povo afrodescendente brasileiro que teve sua história apagada. Ao emergir do mar, Pratanes colocou suas descobertas no papel, dando melodias, criando músicas.


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O isolamento social, causado pela pandemia da Covid-19, foi o "ponto de partida" para você mergulhar em seu passado e conhecer sua história?

Na verdade, não. Eu sempre fui muito curiosa sobre o que aconteceu antes de mim, sempre gostei de ouvir histórias, ver fotos antigas e conseguir imaginar uma realidade a partir daquilo. Acho que o isolamento só me fez entender melhor a importância disso e me ajudou a ter coragem e disposição para reunir o que eu já tinha e ir atrás de algumas peças que faltavam pra montar esse quebra-cabeça do meu caminho até aqui.


Os conhecimentos e respostas que encontrou durante seu mergulho estão em suas canções. Como foi esse processo?

Em parte, meio inconsciente. Não foi um processo linear em que eu encontrava uma resposta e a transpunha pras canções, até porque, muitas vezes, foram elas que me deram respostas também. Tudo se conectou de um jeito muito fluido e onde mais percebo isso, me conhecendo melhor agora, é na segurança que sinto pra arranjar e produzir sabendo as origens e os limites dos meus gostos.


Após o mergulho fundo em suas origens, imagino que muita coisa mudou. O que foi alterado na Agnes de antes para Agnes de hoje?

Acho que ter a oportunidade de sentir [o] pertencimento faz muita diferença. Transformaram isso num clichê, mas sozinho a gente não se conhece. Talvez, antes, eu não tivesse noção dessa grandeza que também é minha, do quanto essas raízes se alargam atrás de mim. Hoje não tenho tanto medo de criar, de me colocar e arriscar porque, além de suporte, em vários níveis eu descobri que encontro quem me ensine tudo o que eu precisar aprender.


A água é um dos símbolos presentes em "Égide". O que a água representa para você?

A água está presente em todo o EP - na verdade, isso foi algo que só percebi quando as faixas estavam encaminhadas, antes de decidir abraçar a ideia. E essa presença, na verdade, nem é tão subjetiva no sentido de ter criado uma simbologia específica para esse elemento, mas mais uma homenagem, um agradecimento. Algumas letras foram pensadas ou escritas dentro, debaixo ou perto d’água, por exemplo. A água carrega qualquer um. Pega no colo e leva embora também. A água correndo sempre produz um som, e estar nesse ambiente me instiga a criar coisas que contenham o que eu sinto ali. Sonoramente falando, também gosto muito dessa textura molhada que coloco aqui e ali no que tenho produzido.


"Serpente" e "Égide" são duas canções que antecipam o EP "Salve, Rainha!". O que podemos esperar?

Não sei se consigo definir uma unidade; em questão de estilo as faixas não são muito parecidas entre si. Mas algo que se mantém é o diálogo entre o orgânico e o sintético, voz e palavras ocupando bastante espaço e linhas de baixo marcadas em todas as músicas.



Enquanto Pratanes canta, as palavras ganham formas, imagens surgem, enquanto as ondas se movimentam. “Revisitar minha terra virgem / Ou lidar com a vertigem que é olhar pra vocês? / Ouvir o som desde a origem / A palavra que dirigem atrás da lucidez”, o baixo ganha força e um redemoinho se inicia. Redenção para depois se reencontrar. De joelhos, na areia, suspiramos com as memórias da artista e a vertigem, consequência do reencontro com sua terra virgem, é deliciosa, doce e sofrida. Não se envergonhe de chorar, de se emocionar, é o impacto das ondas de "Égide".


Você produz músicas sozinhas em casa. Como tem sido? Quais são as dificuldades em fazer arte no Brasil?

Eu, particularmente, gosto de produzir em casa, do conforto e da liberdade, apesar das limitações de estrutura e equipamento e de não produzir assim só por vontade. Tem sido desafiador tirar todas as etapas do processo do papel e me sentir satisfeita com os resultados, ser confiante do sentido e identidade disso no meio de várias comparações, mas também gratificante ver pedacinhos de mim atingindo outras pessoas. Pra uns mais que pra outros, as dificuldades em não só fazer, mas manter o fazer em movimento aqui são vários, né, começando por precisar investir tempo e recursos tendo pouco ou nenhum retorno. Dinheiro não compra qualidade mas, dentro dessa lógica, pode substituir. Tem muita cabeça e coração preciosos desistindo de criar por falta de apoio e valorização. A rapidez do consumo hoje também chega a ser desestimulante, o fato de se passar meses, anos construindo algo que desaparece em poucos dias. Apesar disso, pra mim, fazer arte é sobre o processo, sobre terapia, sobre precisar tanto quanto querer ou gostar. Compartilhar o que faço com o mundo é uma escolha, mas não fazer não é uma opção.


Além de sua história, quais são suas outras inspirações?

Todo tipo de arte e feito produzidos por pessoas pretas (e o contato com essas pessoas), agora e antes, me chamam a atenção porque é grande a chance de as histórias contadas por elas, de algum jeito, contaram a minha também, e isso não por egocentrismo mas por pertencimento, mais uma vez. Estudar, de modo geral, sempre me traz muitas ideias que acabam entrando no que componho e produzo. Para citar alguns poucos nomes que me inspiram em frentes e por motivos diferentes: Conceição Evaristo, Melanie Faye, Heloísa Hariadne, Spike Lee, Glenda Nicácio, Moses Sumney, Makandal, Djavan e Elza Soares.


Uma vez mergulhado na música de Pratanes, pra sempre será impactado. A onda reverbera constantemente.


"Serpente" e "Égide" estão disponíveis em todas as plataformas de streaming de música. Acompanhe também a cantora no Instagram e continue mergulhando Pratanes.

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